Dilema do trabalho infantil persiste no Paraná

Responsabilidade precoce e perda da infância. Questão de sobrevivência, que não cabe à criança. Ajuda em casa que pode virar exploração. Atividade que ocupa a mente do menor, mas exige corpo. Tão triste quanto saber que cerca de 336,6 mil crianças e adolescentes, de cinco a 17 anos, ainda trabalham no Paraná, é cair nos dilemas que impedem que o problema do trabalho infantil seja resolvido. Porém, quando isso acontecer, os especialistas aconselham: "O dilema não deveria existir", como afirma Renato Mendes, coordenador de projetos do Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil, da Organização Mundial do Trabalho (OIT).

Não haveria melhor data do que hoje, Dia Mundial de Errradicação do Trabalho Infantil, para lembrar que essa também é a realidade da capital do Estado – onde 3.847 crianças trabalhavam em 2004, segundo a FAS – do que o Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil. "Talvez o maior índice, aqui em Curitiba, esteja ligado ao comércio ambulante, mas existem outras formas", afirma Margaret Matos de Carvalho, procuradora do Trabalho. Entre as outras formas apontadas pela procuradora encontram-se aqui a exploração sexual, de meninos e meninas, envolvimento de crianças com o tráfico de drogas e na coleta de lixo. "As crianças que ficam nas praças estão em situação de risco, mas como estão sobrevivendo? Ou estão sendo exploradas sexualmente ou com outras ações ilícitas", aponta Margaret.

"Se o adolescente não faz o acerto correto pode sofrer. A execução de adolescentes é muito comum na periferia. Tem bairro que chega a um por mês, onde essa ligação com o tráfico é possível", afirma Margaret. Porém, os dilemas facilmente aparecem: "O que me chama a atenção é que se o adolescente não quer fazer parte ele é mais perseguido do que os que têm dívida", expõe.

O major Roberson Luiz Bondaruk, comandante da Polícia Montada, durante um trabalho de conclusão do curso de Direito, fez um levantamento para levantar o perfil de 415 crianças de rua de Curitiba e, da realidade dos "mocós", ele mostra de onde vem a renda dessas crianças. "14% vem de roubo, 12% da esmolagem, 6% da prostituição, 4% da função de catador, 3% do trabalho ambulante e 2% do tráfico de drogas", aponta. "No tráfico, as crianças são usadas na ponta, como vaporzinho: pequenas entregas", explica.

O trabalho será publicado com o título Império das Casas Abandonadas e deixará disponível dados ainda mais deprimentes: 18% dessas crianças fazem sexo por dinheiro, dessas 3% para ajudar a família, 3% em troca de comida, 5% troca por drogas e outros 35% são obrigados por alguém. "13% dessas crianças saíram de casa em busca de dinheiro e comida e muitas inclusive sustentam a família", afirma Bondaruk. Além de trazer a estatística, o major Roberson também encontra o dilema. "A criança precisa de formas de sobrevivência, comida, abrigo e proteção. Não encontrando amparo em casa ou pelo Estado, procura por seus próprios meios. É aí que sempre aparece um explorador, o traficante e outros", afirma.

Uma das piores, mas comum, formas de exploração é a sexual. "Outro caso também, a exploração sexual. Muitos ingressam até incentivados pelos pais para obter recursos para ajudar em casa. Em muitos casos você percebe a necessidade, mas também o abandono: material, intelectual e afetivo. É um problema social muito grave e todos têm sua culpa: sociedade, criança, família, Estado. Todos", desabafa.

Pais culpam a "necessidade"

"Eu não tenho nada para esconder de ninguém. Se eu tivesse condições eu não colocaria, mas a necessidade me obrigou a colocar meus filhos para trabalhar. Se eu não colocasse, ou eles passavam fome ou iam roubar para sobreviver", explica I.S., 37 anos. I.S. compra em uma loja próxima ao Terminal do Guadalupe e revende panos de prato nas ruas de Curitiba, leva com ela os dois filhos, um de 12 e outro de 16. "Sou mãe solteira e não recebo pensão de nenhum. Até concordo que há algumas mães que exploram, mas não é o meu caso. Tem muita gente que vende assim. Eu conheço outras quatro mulheres que andam com o filhos", justifica. Antes, ela conta que andavam os três juntos, mas hoje o de 16 anos já vende sozinho sua parte. "Nós andamos bastante mesmo porque se a gente parar os fiscais nos pegam", conta.

A resposta a essa justificativa de I.S. vem e é certeira. "É uma exploração da mãe, sim. O pátrio-poder esbarra nos direitos da criança. Não se trata de criminalizar a mãe, mas conscientizá-la", explica Renato Mendes, da OIT.

Necessidade à parte, os médicos alertam sobre alguns dos problemas que esse esforço poderia trazer. "Quando toda a responsabilidade recai sobre o menor, isso faz mal. O trabalho pesado altera a formação óssea da criança, a arcada da coluna, a musculatura fica comprometida e, dependendo do tipo do trabalho, causa o stress. Uma criança estressada é uma criança infeliz e uma pessoa infeliz, que fica deprimida, pode ser capaz de qualquer coisa", explica o pediatra e médico do adolescente Walib Salomão Moussi. (NF)

Ocupação passada pelos pais

Em Curitiba, são muitas as crianças que catam papel que começam levadas pelos pais, mas acabam seguindo carreira por conta. "Onde eu morava (Parolin) era muito violento e eu tinha que levar meus três filhos comigo. Hoje eu entendo a importância de meus filhos estarem estudando, mas muitas mães ainda carregam as crianças. Principalmente aqui, porque falta creche e o PETI atrasa. É necessidade e falta de conscientização", conta Marilza Aparecida de Lima, 33 anos.

Marilza começou a trabalhar aos treze anos e já trabalhou em madeireira, roça de feijão, quebrança de erva, doméstica, lanchonete e hoje é catadora e presidente do Instituto Lixo e Cidadania. "A criança já aprende desde pequena. Tem muita situação em que a mãe leva a criança e quando chega aos 8, 9 anos já vai sozinha para não ficar passando fome, porque a mãe e o pai são alcoólatras", conta.

Marilza, como poucos, já tem consciência de que ao invés de lucro, o trabalho infantil traz muito mais prejuízos. Porém, ela também sabe que o jeito com que os envolvidos lidam com esse problema não é o mais correto.

Sonhos

Durante o trabalho da faculdade, Major Roberson Bondaruk também lembrou de um dado bastante interessante sobre as crianças que vivem nas ruas, mas que muita gente desconhece e nem procura saber. Ele mostrou que essas crianças, mesmo tendo que enfrentar sub-empregos, ainda sonham com as mais diversas profissões para o futuro. Como ele aponta: das 415 crianças abordadas, 7% querem ser jogadores de futebol; 6% professores; 5% advogados; 5% médicos; 5%policiais; 3% caminhoneiros; 3% mecânicos; 2% veterinários; 2% cantores; 25 dentistas e 2% engenheiros.

"São pessoas que resistem", explica o major.

Programa ameniza problema

Lígia Martoni

A maior parte das constatações sobre o quadro do trabalho infantil no Brasil não são animadoras, mas muito se tem feito para alterar esse cenário de riscos e pouco aproveitamento da infância e adolescência para o estudo e as vivências da idade. O tema ganha atenção especial hoje, Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, e em Curitiba as ações são pensadas dentro de programas como o Formando Cidadão, da Prefeitura, que vem tirando crianças das ruas, proporcionando retorno à escola e mudando a vida de famílias curitibanas.

O programa é destinado a meninos entre 12 e 16 anos que pertençam, principalmente, a famílias que desenvolvem atividades de renda nas ruas, como os carroceiros, malabares, vendedores de sinaleiros e flanelinhas. "Eles têm muita propensão a acompanhar os pais. Acabam deixando a escola e trabalhando junto, de maneira precária e informal", conta a técnica do programa da Fundação de Ação Social (FAS) da Prefeitura de Curitiba, Rosângela de Bárbara.

Para obter resultados, a assistência é fornecida para toda a família através de visitas domiciliares.

Mas o adolescente é sempre o foco do trabalho. É levado a se dedicar aos estudos e participa de oficinas de formação pessoal e social, com noções de cidadania, saúde e convivência, além de atividades esportivas, culturais e oficinas, como de informática, por exemplo. "Mais tarde são encaminhados para outros programas que os preparam para o mercado de trabalho", diz Rosângela.

Dona Lucília da Silva, diarista, procurou assistência para um dos cinco filhos, que criou sozinha, quando teve medo que se envolvesse com as ruas. "É uma alegria muito grande para uma mãe ver o filho assim", conta, falando sobre a ajuda que recebeu para tornar o filho Adriano, de 16 anos, um cidadão preparado.

"Dever de sobrevivência não é da criança"

Sobre esse ciclo que o trabalho infantil cria, o membro da OIT é quem faz o alerta. "O dever de sobrevivência não deve recair sobre a criança, mas não tendo apoio estatal ela acaba apelando para o mais fácil. Porém, resolve o problema de hoje, mas acaba gerando ainda mais pobreza. É uma criança sem estudo, será um jovem subempregado, sem qualificação e um adulto sem oportunidades", explica Renato Mendes.

O que fazer diante do problema? "O Brasil tem de começar a ter a mesma indignação quando vê uma criança sofrendo e um adulto escravizado. Não podemos delegar a essa criança toda a responsabilidade. Em primeiro lugar a sociedade deve colaborar na identificação dessas crianças. Cada vez que compramos delas estamos mantendo o trabalho, sendo contribuintes desse círculo vicioso", afirma Mendes, que mostra que, além das formas acima mencionadas no Paraná também existe uma outra fonte infantil de renda bastante penosa: 12 mil crianças do Estado trabalham em atividades de mineração, como extração de cal, areia, cerâmicas e olarias; e outras 27,4 mil estão no trabalho doméstico.

Voltar ao topo