Violência

Crianças sofrem abusos de seus próprios parentes

Quem deveria proteger está agredindo. Essa contradição acontece diariamente nos lares brasileiros. Crianças e adolescentes sofrem abusos físicos e sexuais de pais, mães, tios, avós, padrastos, madrastas ou de quem está responsável por cuidar deles. O agressor está no núcleo interfamiliar ou no ambiente domiciliar, referências para os jovens e onde eles deveriam se sentir seguros.

Um exemplo disto foi a criança de dois anos agredida pela procuradora aposentada Vera Lúcia Sant’Anna Gomes, que está presa no Rio de Janeiro e pretendia adotar a menina. A criança foi fotografada com os dois olhos inchados e roxos. O alerta também vem com a mobilização do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, lembrado no próximo dia 18.

A violência está presente em todas as classes sociais e em todo o País. Está ligada com as aspectos psicológicos do agressor, condições de vida (desempregado, sem perspectiva, por exemplo) e uso de álcool e drogas, entre outros fatores. Há pais, familiares e responsáveis que também não compreendem a importância de seus papeis e quais as fases de desenvolvimento da criança.

A quantidade de denúncias cresceu muito nos últimos anos, em virtude do surgimento de canais mais acessíveis para isto e a própria conscientização da população. Mas a violência é uma constante. Ela não para. Pelo menos o assunto está em maior evidência e causa espanto naqueles que não entendem os motivos das agressões. “Nós vivemos as duas realidades (aumento no número de denúncias e também na violência). Cada vez mais a sociedade trata este tema seriamente, expondo com cuidados, mas trazendo realidade. As pessoas estão mais estimuladas a denunciar, estão mais esclarecidas”, comenta Aline Pedrosa Fioravante, coordenadora de ações protetivas da Secretaria de Estado da Criança e da Juventude.

As denúncias chegam ao poder público pela delegacia, pelo telefone, por chamadas anônimas. Elas podem ser feitas inclusive nas unidades de saúde e nos hospitais, que são obrigados a repassar os dados aos órgãos competentes, como o Conselho Tutelar. “Quando há uma denúncia, abre-se um inquérito policial. Vem para a promotoria de Justiça, onde o caso será investigado. Se a denúncia for confirmada, o Ministério Público pede para o juiz iniciar uma ação penal”, explica Wilson Galheira, promotor de Justiça da Vara Especializada em Crimes contra Crianças e Adolescentes de Curitiba.

De acordo com ele, a denúncia pode começar por diversas formas. Um vizinho, por exemplo, que começa a perceber um comportamento estranho. Alguns esperam algum elemento que dê certeza de que o abuso esteja acontecendo. Outros preferem não denunciar porque não querem se envolver. E tem gente que é incisiva, que vai atrás mesmo.

Hospital atendeu 277 vítimas

A gravidade da situação pode ser medida pela quantidade de atendimentos que o Hospital Pequeno Príncipe, referência na assistência médica para crianças e jovens, realiza todos os anos. Somente em 2009, foram 277 vítimas atendidas. Um levantamento feito pelo próprio hospital apontou que 67% dos pacientes sofreu maus tratos dos próprios familiares e em 95% dos casos os agressores eram conhecidos. A maior parte dos atendimentos (66,78%) foi de violência sexual. “As crianças são trazidas por alguém ou são encaminhadas pela escola, pela própria delegacia, pela unidade de saúde. Quando há suspeita de violência, acionamos a supervisão e damos um tratamento diferenciado”, explica Maria Cristina Marcelo da Silveira, pediatra especializada em pronto atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência do hospital.

Ela aproveita para fazer um alerta: tem aumentado o número de adolescentes que se tornam os agressores, principalmente ,nos casos de violência sexual. “Ou ele foi abusado na infância e ninguém descobriu ou tem um acesso à sexualidade que não está apto a absorver. É importante que os pais façam um acompanhamento mais de perto. Sei que pais trabalham, mas é preciso ter uma dinâmica diferente”, analisa.

A violência pode deixar sequelas físicas e psicológicas nas vítimas. Quando chegam ao hospital, as crianças têm reações diferentes. Algumas já contam o que aconteceu e outras ficam extremamente agressivas. “Tem crianças que aqui comem, dormem bem e se sentem seguras. Quando recebem alta, não querem ir embora. Algumas até aceitam, mas falam que não querem mais voltar para onde viviam. As sequelas podem vir em curto, médio e longo prazos, desde medo até descrença nas relações humanas”, esclarece Daniela Carla Prestes, chefe do serviço de psicologia do Hospital Pequeno Príncipe. (JC)

Raio-x da violência:

-O Disque 100, serviço mantido pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, recebeu e encaminhou 29.756 denúncias em 2009.
-Em 2010, entre janeiro e abril, já foram realizados 8.799 registros: 1.307 de exploração sexual, 3.117 de negligência, 29 de pornografia, 8 de tráfico de crianças e/ou adolescentes, 3.842 de violência física e/ou psicológica, 2.651 de violência sexual.
-No Paraná, são 319 denúncias neste ano e 1.085 em 2009 pelo Disque 100.
-A Coordenação da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência, coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, recebeu em 2009 4.735 notificações, incluindo região metropolitana.
* Do total de notificações, 2.152 eram de crianças ou adolescentes do sexo feminino e 2.324 do sexo masculino. 259 notificações não foram especificadas.
* Foram 681 notificações de violência sexual, 898 de agressão física, 219 de violência psicológica, 2.886 de negligência (desde a mãe não levar a criança para dar vacina até deixá-la sozinha por muito tempo em casa) e 51 de abandono.
* 3.837 casos foram de violência doméstica, 591 extra-familiar, 294 de violência fetal (quando a mãe deixa de fazer o pré-natal ou não se cuida durante a gestação, mesmo após a insistência das equipes médicas e de assistência social).
* Quanto à gravidade, 253 dos casos foram considerados leves; 1.593, moderados; e 2.889, graves.