Paraná, 150 anos (4)

O imperador Pedro II sancionou o projeto que criou a Província do Paraná no dia 29 de agosto de 1853, embora o parlamento o tivesse aprovado no dia 2, após intensa batalha travada por deputados federais e senadores paranaenses com a representação paulista, que não pretendia abrir mão da chamada quinta comarca. A implantação oficial da província deu-se a 19 de dezembro do mesmo ano.

A luta dos representantes de Curitiba, como a comarca era então denominada, teve entre seus expoentes as figuras de Cruz Machado e Carneiro Leão, defensores intransigentes da emenda apresentada pelo senador Batista de Oliveira, em 1850, ao projeto que autorizava a criação da Província do Amazonas, pleiteando o mesmo status para a comunidade curitibana.

Vale ressaltar o decidido apoio recebido pelos paranaenses da parte das bancadas da Bahia e Minas Gerais, que deram os votos necessários para aprovar a medida, tendo em vista o inegável desconforto gerado pela hegemonia política e econômica que São Paulo tratava de impor ao restante do País. Na verdade, com alguma razão, já que foram os mamelucos paulistas descendentes de João Ramalho, Fernão Dias, Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Silva, Domingos Jorge Velho e Manuel Preto, entre outros, que acabaram alargando as fronteiras do Brasil, abrindo imensos espaços para abrigar novas populações.

Muitas décadas depois da chegada dos primeiros paulistas à baía de Paranaguá e aos campos do Atuba, e somente 36 anos antes do advento da República em 1889, o Paraná finalmente alcançava a emancipação política necessária para iniciar uma trajetória marcante no cenário nacional, para consolidar-se depois como estado profundamente alicerçado na economia agropecuária, donde saíram grandes parcelas do capital que financiou a implantação do setor industrial também baseado na transformação de produtos primários.

Nosso insigne historiador David Carneiro ao analisar os fatos do período provincial, afirmou que entre 1853 e o começo da Guerra do Paraguai (1864-1870), a província foi quase sempre governada por gente vinda de fora, uma vez que os cargos de presidente e vice-presidente eram de absoluta escolha pessoal do imperador. A partir do fim da guerra até a proclamação da República, a preferência passou a contemplar em maior quantidade políticos, intelectuais e homens de empresa nascidos na província.

O primeiro presidente foi o baiano Zacarias de Góes e Vasconcelos (1815-1877), que governou até 3 de maio de 1855. Ele desembarcou em Paranaguá algum tempo antes do dia 19, com grandes festas e subiu para Curitiba, a fim de proclamá-la capital e sede do governo. Essa atitude de Zacarias foi definitiva para afastar a pretensão também manifestada por Paranaguá e Guarapuava quanto aos brios capitalinos de seus cidadãos proativos.

Ruy C. Wachowicz, outro ilustre nome da historiografia paranaense, assinalou que nos 36 anos de província o Paraná teve 41 presidentes que exerceram o poder pelo tempo médio de oito meses e meio, o que demonstra a grande instabilidade política de todo o período. Dentre todos os presidentes provinciais do Paraná, Adolfo Lamenha Lins foi quem teve o privilégio ou a competência de exercer a função por mais tempo, ou seja, dois anos e dois meses.

Contudo, nenhum outro conseguiu superar a façanha de Agostinho Ermelino de Leão (1834-1901) e Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá (1827-1903), que governaram por cinco períodos alternados cada um, como presidente ou vice no exercício do cargo. Um dado a lembrar é que Jesuíno Marcondes, natural de Palmeira, presidiu a província até 16 de novembro de 1889, partindo então para o exílio voluntário em Genebra (Suíça), onde faleceu ao final da primeira semana de outubro de 1903.

Um dos paranaenses de maior prestígio do segundo reinado, ministro da Agricultura e muito amigo de Pedro II, que hospedou-se com dona Teresa Cristina na casa de seus pais ao visitarem a província em 1880, Marcondes sempre manifestou grande entusiasmo pelo estabelecimento da ligação entre as regiões leste e oeste do Paraná. Mais tarde, mesmo as mais céticos puderam comprovar a extraordinária importância geopolítica dessa via, muito precária no início, além do relevante sentido estratégico que veio a ter durante a Guerra do Paraguai para o deslocamento de tropas, armas, munições e suprimentos.

É preciso lembrar que ao assumir o governo o presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos só encontrou na antiga província uma sofrível rede de picadas percorridas por tropeiros desde tempos remotos, determinando planos imediatos para a abertura de estradas dignas dessa classificação.

Esse era também o anseio de João da Silva Machado, o futuro barão de Antonina, grande comerciante e proprietário de terras em Mato Grosso, São Paulo e Paraná, que já pensava inclusive numa ligação terrestre e fluvial entre o porto de Antonina e Mato Grosso, passando por Curitiba, Castro e daí iniciando a navegação pelo curso dos rios Tibagi, Paranapanema, Paraná e alguns de seus afluentes.

Machado tornou-se proprietário de extensa área de terras no Norte Velho, a fazenda São Jerônimo, onde hoje se localiza o município de São Jerônimo da Serra. A área foi descoberta pelo sertanista Joaquim Francisco Lopes e pelo agrimensor João Henrique Eliot, cujos serviços haviam sido contratados pelo latifundiário, que vindos de Mato Grosso chegaram ao topo da serra dos Agudos e daí descortinaram o belíssimo panorama. A fazenda distava apenas 60 km da colônia militar de Jataí, na verdade, o primeiro núcleo populacional de toda a região norte do Paraná.

Anos mais tarde, o barão de Antonina doou essas terras para que nelas o governo instalasse uma unidade do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que aí abrigou centenas de famílias da tribo caingangue (coroados). Ainda hoje vivem nessa reserva alguns remanescentes dessa e outras nações indígenas brasileiras em lamentável estado de abandono.

Nos anos em que o Paraná foi província do império brasileiro, alguns vultos importantes passaram pela cadeira de presidente ou vice, como é o caso de Zacarias de Góes e Vasconcelos, cujo sucessor foi o cultíssimo padre Vicente Pires da Mata (1799-1882), que governou de março a setembro de 1856. Dentre os nomes que mais se destacaram no exercício do governo provincial devem ser citados Adolfo Lamenha Lins, Carlos de Carvalho, Luís de Oliveira Belo, Brasílio Machado, Alfredo d?Escragnolle Taunay, que chegou a ser visconde, e o barão do Serro Azul, Ildefonso Pereira Correia. Oliveira Belo nascido no Rio de Janeiro, terá seu nome para sempre lembrado por seu profundo ideal positivista, portanto um provável defensor do republicanismo, mesmo tendo sido nomeado pelo imperador. Por sua vez, o visconde de Taunay, também nascido no Rio de Janeiro e igualmente presidente da vizinha província de Santa Catarina, como oficial das forças armadas celebrizou-se pela autoria do conhecido romance histórico A Retirada da Laguna, sobre a Guerra do Paraguai, da qual participou.

Em 1858, o médico e trota-mundos alemão Robert Avé-Lallemant visitou o Paraná e depois relatou em livro sua experiência. Cinco anos após a emancipação política (o presidente era o baiano Liberato de Matos), esta talvez seja a primeira crônica atualizada sobre a incipiente província, que tinha então duas cidades (Paranaguá e Curitiba), cinco aldeias e 19 paróquias, para uma população de 80 mil habitantes, dos quais cinco mil viviam na capital. A impressão do viajor sobre Curitiba foi a seguinte: “Naturalmente nela nada se encontra de grande ou grandioso. (…) Quanto ao que se vê na população, parece ser bastante mestiçada e em toda parte parecem linhas nítidas de genealogia indígena e africana na multidão, se se pode chamar de multidão uns poucos milhares de habitantes”.

As edificações que mais chamaram a atenção de Lallemant foram o palácio do governo, de aparência modesta, a câmara dos deputados, o tesouro, o quartel-general, muitas casas e a cadeia “que guarda como sociedade fechada, para julgamento e castigo, muitos maus elementos, cujos crimes foram cometidos antes da formação da nova província e que no regime anterior tinham ficado impunes”.

Como se percebe, no Brasil, esse negócio de “herança maldita” é tão antigo quanto a Sé de Braga.

Ivan Schmidt

é jornalista e escritor.

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