Os direitos da personalidade e o Direito do Trabalho

1. Os artigos 11 a 21 do Novo Código Civil

Ao tratar das pessoas físicas, no Título I, da Parte Geral, dedicou o Novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02) o capítulo II exclusivamente aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21).

O tema era usualmente tratado pela doutrina, mas não pela lei, de forma sistemática. Trata-se, pois, de referência inovadora da legislação, na parte geral do Novo Código.

Os direitos da personalidade são conceituados como direitos subjetivos de defesa do que é próprio ao ser humano: sua integridade física, sua integridade intelectual e sua integridade moral.

2. Características

Sendo o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente, os direitos da personalidade, segundo o Novo Código Civil, excepcionadas as hipóteses previstas em lei, caracterizam-se pela intransmissibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade (art. 11).

A disponibilidade relativa desses direitos pode ser exemplificada com o direito da imagem, o direito autoral (Lei n.º 9.610/98, cessão gratuita de órgão ou tecido (Lei n.º 9.434/97, Lei n.º 10.211/01 e Dec. N.º 2.268/97)(1).

3. Tutela dos direitos da personalidade

O artigo 12 do Novo Código Civil, segundo Venosa, permite àquele que for ameaçado ou lesado em seus direitos da personalidade possa exigir que cesse a ameaça ou lesão e reclame perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções(2).

A esse respeito, aplicável a tutela inibitória do art. 461 do CPC, introduzida pela lei n.º 8.952/94.

4. Direito à integridade psicofísica

O artigo 13 veda o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes, excetuada a hipótese de exigência médica. A exceção está configurada no parágrafo único do artigo, segundo as Leis n.ºs 9.434/97 e 10.211/01, que dispõem sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.

O artigo 14 considera válida a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, com objetivo científico, ou altruístico, estabelecendo o parágrafo único que esse ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

O artigo 15, por fim, impede que qualquer ser humano seja constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

5. O direito ao nome

Os artigos 16 a 19 asseguram o direito à proteção ao nome e ao pseudônimo.

O direito universal ao nome está reconhecido no artigo 16, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Essa garantia estende-se, também, ao pseudônimo que, adotado para atividades lícitas, goza da mesma proteção dada ao nome (art. 19). O nome alheio só pode ser utilizado em propaganda comercial com autorização (art. 18). Proíbe-se, ainda, seja o nome da pessoa empregado em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda que não exista intenção difamatória (art. 17).

6. Proteção à palavra e à imagem

A divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, e exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa podem ser proibidas, a seu requerimento, sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais (art. 20). As exceções admitidas pelo dispositivo são a existência de autorização, ou sendo necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.

7. Proteção à intimidade

A vida privada da pessoa natural é considerada inviolável pelo art. 21 do NCCB. O juiz, a requerimento do interessado, segundo essa mesma regra, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma.

Maria Helena Diniz, comentando essa regra legal assevera que “o direito à privacidade da pessoa contém interesses jurídicos, por isso seu titular pode impedir ou fazer cessar invasão em sua esfera íntima, usando para sua defesa: mandado de injunção, habeas data, habeas corpus, mandado de segurança, cautelares inominadas e ação de responsabilidade civil por dano moral e patrimonial”(3).

8. Direitos da personalidade e pessoa jurídica

O Novo Código Civil Brasileiro disciplina os direitos da personalidade no Capítulo II do Titulo I, quando trata das pessoas naturais. Depois, no art. 52 determina a proteção dos direitos à personalidade às pessoas jurídicas “no que couber”. Essa é a dificuldade interpretativa, saber o que “cabe” à pessoa jurídica.

O E. STJ, em voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, entendeu, a respeito do tema: “A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, possível de ficar abalada por atos que afetem o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua”(4).

9. Aplicabilidade ao direito do trabalho (algumas hipóteses)

Dentre as situações trazidas pelo NCCB, pode-se dizer que, freqüentemente, surgem, no direito do trabalho, questões relacionadas com: o direito ao nome (arts. 16 a 19), a proteção à palavra e à imagem (art. 20), e a proteção à intimidade (art. 21).

9.1. Quanto ao direito ao nome (arts. 16 a 19 do NCCB). Poderá ocorrer, segundo exemplo de Edilton Meireles, “a utilização pelo empregador do nome do empregado, especialmente os artistas e atletas profissionais, sem autorização, em propaganda comercial”(5) Nesse caso, o empregado poderia exigir a cessação da ameaça, ou lesão, a direito da personalidade, reclamando perdas e danos, sem prejuízos de outras sanções previstas em lei.

9.2. Quanto à proteção à palavra e à imagem (art. 20 do NCCB). Poderá acontecer, por exemplo, de o empregador usar a imagem de uma empregada como propaganda comercial, sem haver obtido autorização. Nesse caso incidirá na regra proibitiva. O mesmo poderá acontecer, se o empregado usar escritos, palavras ou imagem do empregador, sem autorização, embora de menor incidência na prática da vida.

9.3. Quanto à proteção à intimidade (art. 21 do NCCB). Relativamente à empresa, o fato “do empregado prestar informações sobre sua privacidade ao empregador (…) não autoriza este repassar as informações para outrem, fazendo uso das mesmas, sob pena de violar a vida privada ou íntima do trabalhador”(6). O mesmo autor cita os fatos relacionados à vida íntima e privada do empregador, eventualmente conhecidos do empregado, como o caso dos domésticos. O art. 373-A, VI, da CLT veda a revista íntima nas empregadas ou funcionárias, só podendo ser realizada, segundo Alice Monteiro de Barros(7), quando for de caráter geral, impessoal, através de critério objetivo e mediante ajuste prévio com a entidade sindical.

10. Conclusão

Levando-se em conta o parágrafo único do artigo 8.º da CLT, é possível considerar aplicáveis ao direito do trabalho as regras dos artigos 11 a 21 do Novo Código Civil Brasileiro (Lei n.º 10.406, de 10.1.02, em vigor desde 11.1.03), uma vez verificadas a lacuna e a compatibilidade.

NOTAS

(1) er Maria Helena Diniz. Ob. cit., p. 27.

(2) Ob. cit., p. 152.

(3) DINIZ, Maria Helena. Código Civil Comentado. Ob. cit. p. 36.

(4) STJ, RESP 60.033-2, DJ 27.11.1995. p. 40.893.

(5) O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 18.

(6) MEIRELES, Edilton. Ob. cit. p. 23.

(7) BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p. 74.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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