O vaivém de Dirceu

Começa a ficar intrigante a permanência de José Dirceu no cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo federal. Agora, segundo a crônica brasiliense, o presidente Lula determinou que ele se retire da discussão sobre as PPPs – Parcerias Público-Privadas, ou, em outras palavras, que além de se abster, que cale a boca. Na quarta-feira que passou, o ministro que já recebera outras incumbências e proibições, andou quase estragando tudo de novo ao deitar falação sobre ações do governo de Fernando Henrique Cardoso e, por conseqüência, azedar parte do caldo em cozimento para fazer passar no Senado o projeto com o qual sonha o Executivo para dar partida à locomotiva das obras de infra-estrutura em todo o País.

Além de falar o que não devia, José Dirceu agiu intempestivamente. E às escondidas, segundo se revela sem contestação. Havia convocado uma reunião secreta com lideranças do Senado para negociar aspectos relacionados à aprovação do projeto das PPPs – o que deverá ocorrer depois dessa folgada Semana da Pátria. Sua ação nessa área ofende o titular da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que, não precisa dizer, tem assim sua autoridade diminuída, quando não contraditada. Pilhado tramando no escuro, felizmente o próprio ministro que um dia prometeu colocar os “pingos nos is”, clareando tudo sobre o Waldogate, acabou por desconvocar o encontro furtivo que convocara. Coisa feia.

As críticas anacrônicas de Dirceu aos “amigos” do PSDB trouxe de volta à cena o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lhe devolveu a falação com outra imagem agressiva. Dirceu – já conhecido como o arrombador de portas, coisa dita por ele próprio – agora é também o “queimador de pontes”. Se Dirceu fala uma coisa mais audaciosa – disse FHC – “com verbo forte, retórica, eu ouço e deixo passar, digo que isso é emocional. Eu sempre penso no Brasil, na construção do futuro. Não quero queimar pontes nunca. Ele não quer também. Ele queima sem querer, mas queima pontes. É má política”.

Se o PSDB “não tem autoridade moral” para algumas coisas, como sustentou o titular da Casa Civil, serve entretanto para mandar outro sério recado que, com certeza, preocupa o presidente Lula pelo seu conteúdo de fundo. E o recado também vem do ex-presidente FHC, que é o presidente honorário do tucanato e para quem o setor privado em convocação pelo governo precisa ter um cuidado especial: recear o risco de ingerência desse mesmo governo que o convoca, que está presente em todos os setores da vida nacional. Há ingerência no miúdo – sustentou FHC – no médio e no graúdo. Uma inversão dos papéis que desserve à causa democrática. “Como se houvesse uma sabedoria onisciente por parte de um partido ou de um governo, quando na verdade a democracia exige a sabedoria por parte do povo e da sociedade.”

Mais comedido que o senador Tasso Jereissati, que simplesmente chamou o ministro-desafeto de “desequilibrado”, FHC prefere aconselhar os próceres da política situacionista a não confundirem opção partidária com a ação pública de quem está no governo. Conforme fez em artigo semanal que publica no jornal O Estado de S. Paulo, advertiu, domingo, para o grande risco do momento, que não está no “neoliberalismo”, de que ainda lhe acusam, mas “nos sinais de aparelhamento do Estado”. E num “dirigismo econômico e político tão anacrônico e negativo para o desenvolvimento e a democracia”, arremata o ex-presidente.

Os detentores do que chamam “herança maldita” podiam passar sem essa, não fosse a imprevidência do ministro bravateiro que, outra vez, foi convidado pelo “companheiro” presidente a se recolher às suas tarefas de “arrombar portas” na busca de recursos para obras de infra-estrutura. Sem entrar no mérito das PPPs, que disso tratarão apenas Rebelo, Antônio Palocci e Guido Mantega, cuidando, naturalmente, para desfazer essa impressão (ou verdade pura?) de anacrônico dirigismo de que fala FHC.

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