O regulamento que falta

Precisou a Justiça de São Paulo ficar fora do ar quase três longos meses para que a necessidade de regulamentar o direito de greve no serviço público voltasse ao debate nacional. E quem propõe a ação é a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, na representação de milhares de advogados que, com a longa paralisação, se profissionais liberais não fossem em sua maioria, já estariam entrando em greve também, tamanhos e óbvios são os prejuízos que dia a dia vêm acumulando aqueles operadores do direito.

Não se discute aqui o que motiva tão longa paralisação de um serviço estadual que, não há dúvida, é essencial à sociedade. Mais que o percentual de aumento solicitado, que de qualquer forma vai além do que o erário público alega poder pagar, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, ou das outras cláusulas em arrastada negociação, interessa saber a quem a greve está causando prejuízos. E a resposta é a mesma que, há alguns meses, sentia toda a nação com relação aos serviços da Previdência Social, também paralisados por período excepcionalmente longo: o povo, que paga os salários dos serventuários, e que é o credor último dos serviços da exclusiva competência dos grevistas empedernidos. O problema de São Paulo, portanto, é o problema do Brasil.

A Constituição Federal em vigor, dita “cidadã”, já conta dezesseis aniversários desde a sua promulgação solene. Ao inscrever em seu longo texto o enunciado geral de direitos, prevê regulamentação da matéria por lei ordinária que, até aqui, tem resistido a tudo e a todos. Naturalmente porque o tema é polêmico. Então em nome das liberdades amplas e gerais de alguns, sacrificam-se direitos de outrem – no caso, a sociedade inteira, que sempre se pergunta se é justo que meia dúzia de funcionários possam paralisar completa e impunemente serviços na área do atendimento médico, dos transportes, da Justiça, do abastecimento e outros assemelhados, vitais a toda a coletividade. Como funcionários públicos não dependem do comando de empregador direto (afinal, o Estado é sempre essa figura distante e geralmente ausente), o direito de reivindicar acaba ultrapassando o limite do bom-senso para se configurar em abuso. No caso, abuso em dobro: a um, pela falta de serviço prestado; a dois, pela remuneração dos dias não trabalhados.

Os quase três meses de paralisação levaram o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, a defender a intervenção federal no Estado de São Paulo. Naturalmente, um pouco de exagero, mesmo porque seria um ato de força desnecessário, caso o Congresso Nacional tivesse cumprido a sua parte – a de estabelecer os limites legais em que o direito de greve possa ser exercido em áreas do serviço público. A cúpula do Judiciário paulista, por sua vez, anuncia o corte dos salários dos grevistas, proporcional aos dias parados. E isso tudo aumenta o contencioso no qual se apegam grevistas que, a seu favor, alegam a inexistência de norma que embase o castigo. Qualquer castigo. Situações semelhantes já vimos alhures, inclusive no Paraná, em diversos campos da administração pública.

À conta desse hiato legal, percebe-se que é no serviço público que tem ocorrido o maior número de greves – e as mais longas – no curso dos últimos anos, a despeito mesmo de setores que se encontram entre os de melhor remuneração em toda a nação, como é o caso do Judiciário. E os comandos grevistas gabam-se sempre de criar transtornos irrecuperáveis a milhões de aposentados, pensionistas e dependentes de serviços outros, como perícias médicas e assemelhados, ou de paralisar o trâmite de também milhões (só em São Paulo seriam 12 milhões) de processos onde se discute toda sorte de direitos.

A sociedade não pode continuar refém desse tipo de abuso. Por isso, a proposta da OAB deve ser levada em conta pelo Congresso Nacional. E com urgência, antes que a normal rotina de trabalho seja transformada na habitual rotina do guichê fechado.

Voltar ao topo