O Poder da Razão e as novas Leis Criminais

Agora, mais do que nunca, temos (sobretudo os professores) que usar o poder da razão para demonstrar o acerto (quando o caso) assim como o absurdo e a ilusão que marcam (a maior parte) das novas leis penais. Só nos últimos meses o legislador brasileiro modificou nosso ordenamento jurídico-penal nos seguintes pontos:

1) Lei 10.792, de 1.º de dezembro de 2003 (publicada no DOU no dia 2.12.2003), que alterou:

1.1 – o Código de Processo Penal no tocante ao interrogatório, consagrando o ato processual como meio de defesa, trazendo diversas regras como reperguntas pelas partes no sistema presidencialista, a revogação do artigo 194 do CPP, ou seja, a dispensa de curador ao réu com 18 anos completos até 21 anos de idade incompletos, em consonância com a maioridade introduzida pelo Novo Código Civil (Lei 10406/02), bem como estabelecendo duas etapas: dados pessoais do acusado e fatos. Modificações necessárias e importantes: avanço certo;

1.2 – a Lei de Execuções Penais:

a) tornando mais rigoroso o cumprimento da pena de presos que subvertam a ordem, materializando na lei os regulamentos disciplinares de estabelecimentos penais de segurança máxima do Rio de Janeiro e São Paulo (Resolução n.º 26, de 04 de maio de 2001, da Secretaria da Administração Penitenciária) que criaram o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), especialmente após o assassinato, no dia 15 de março de 2003, do juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente, Antônio José Machado Dias, cuja aplicação se deu para o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira Mar, transferido desde maio de 2003 para o presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes/SP. Com duração máxima de 360 dias e renovação em caso de nova falta grave até o limite de 1/6 da pena aplicada, o RDD determina o recolhimento a cela individual, com visitas semanais de duas pessoas, sem contar crianças, com apenas 2 horas, banho de sol de 2 horas diárias, restrição a meios de comunicação (TV, rádio, jornal), podendo ser aplicado para presos provisórios que apresentem alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal, da sociedade ou sob o qual recaia suspeita de participação em organização criminosa;

b) prevendo a criação de presídios federais de segurança máxima, com bloqueadores de celulares e rádiotransmissores, equipamentos de segurança;

c) alterando as regras de progressão de regime (artigo 112 da LEP), no sentido de dispensar parecer prévio da Comissão Técnica de Classificação e exame criminológico, bem como respeito às normas que vedam a progressão de regime (Lei 8072/90 e Lei 10763/03 – esta última, inconstitucional, tendo alterado o artigo 33 do Código Penal);

2) a Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003

(publicada no DOU no dia 25.11.2003), que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência doméstica contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados;

3) a Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003

(publicada no DOU no dia 13.11.2003), que alterou a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), proibindo o uso do nome do adolescentes de forma genérica, sem nenhuma objetividade plausível (artigo 143, parágrafo único do ECA), não excluindo o juiz e o membro do Ministério Público da proibição, causando embaraço ao exercício das funções e prevendo sanção administrativa (multa de 3 a 20 salários mínimos e o dobro em caso de reincidência), além de aumento de pena para impossibilitar suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95) nos crimes dos artigos 239 (tráfico internacional de criança ou adolescente), 240 (uso de criança ou adolescente em cena pornográfica, explícita ou vexatória), 241 (fotografias ou imagens pornográficas de criança ou adolescente, inclusive na rede mundial de computadores ou internet), 242 (venda, fornecimento ou entrega de arma, munição ou explosivo para criança ou adolescente) e 243 (venda, fornecimento ou entrega a criança e adolescente de componentes que causem dependência física ou psíquica);

4) a Lei 10.763, de 12 de novembro de 2003 (publicada no DOU de 13.11.2003), que:

a) acrescentou ao § 4.º ao artigo 33 do Código Penal, estabelecendo que o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão do regime condicionada à reparação do dano ou à devolução do produto com acréscimos legais, esquecendo de alterar o livramento condicional e criando um abismo: se não repara o dano, não tem progressão de regime mas tem direito a livramento condicional, sendo, portanto, inconstitucional tal lei, uma vez que proíbe a progressão de regime em crime não hediondo e em afronta à lógica, já que não alterou as regras do livramento condicional;

b) aumentou a pena do crime de corrupção ativa e passiva, que era de 1 a 8 anos, para 2 a 12 anos, com a nítida intenção de proibir a suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95), criando um verdadeiro disparate: com o aumento da pena do crime de corrupção ativa e passiva, o crime de concussão (com ofensividade jurídica maior que a corrupção) ficou com pena menor, já que não foi alterado, o que provocará a quebra do princípio da proporcionalidade e como conseqüência, a aplicação da pena da concussão no crime de corrupção (devido processo legal substancial), ficando sem nenhuma efetividade a Lei 10.763/03);

5) a Lei 10.741, de 1.º de outubro de 2003

(publicada no DOU de 3.10.2003), que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e demonstra a completa falta de sistematização legal, trazendo polêmica em torno dos crimes de menor potencial ofensivo, em extremo prejuízo à própria teleologia da Lei 10741/03. Assim, escrevemos artigo sustentando que o Estatuto do Idoso não alterou o conceito de infração de menor potencial ofensivo, sim, criou 3 grupos de infrações penais com conseqüências jurídicas distintas:

a) o grupo das infrações da competência do JECRIM (pena máxima até 2 anos), com rito amplo do JECRIM (artigos 70/83 da Lei 9.099/95), com todos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95. Exemplos: artigos 96, 97, 99, caput, 100, 101,103, 104 e 109 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03)

b) o grupo das infrações da competência da Justiça Comum (pena máxima de 2 anos até 4 anos, inclusive), com o rito célere do artigo 77/83 da Lei 9.099/95, sem a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, apenas aplicando suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95). Exemplos: artigos 98, 99, § 1.º, 102, 105, 106 e 108 do Estatuto do Idoso

c) o grupo das infrações da competência da Justiça Comum (pena máxima superior a 4 anos), sem o rito célere do JECRIM e sem aplicação de institutos despenalizadores da Lei dos Juizados (e ainda sem suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95). Exemplos: art. 99, § 2.º e art. 107 do Estatuto do Idoso.

6) a Lei 10.732, de 5 de setembro de 2003

(publicada no DOU de 8.9.2003), alterando a redação do artigo 359 do Código Eleitoral para estabelecer o interrogatório como ato processual, já que até então os crimes eleitorais eram os únicos no Brasil cujo rito não previa a fase do interrogatório. Com grandes incongruências legislativas e do Executivo Federal, a lei tratou de “depoimento pessoal” ao invés de interrogatório, além de ter sido vetada inutilmente, uma vez que pretendia o instituto da vacatio legis quando na verdade tal instituto não se aplicava, mesmo com o veto, por força do artigo 16 da CF/88 e 2.º do CPP;

7) a Lei 10.713, de 13 de agosto de 2003

(publicada no DOU de 14.8.2003), que alterou artigos 41, XVI e 66, X da Lei de Execução Penal para dispor sobre a obrigatoriedade da emissão anual de atestado de pena a cumprir pelo juiz das execuções penais, sob pena de responsabilização deste;

8) a Lei 10.703, de 18 de julho de 2003

(publicado no DOU de 21.7.2003), que dispôs sobre o cadastramento de usuários de telefones celulares pré-pagos e obrigação das empresas de telefonia e comércio de informações as autoridades legais;

9) a Lei 10.701, de 9 de julho de 2003

(publicada no DOU de 10.7.2003), que alterou e acrescentou dispositivos à Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; disciplinou a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na nova Lei e criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf;

10) a Lei 10.695, de 1.º de julho de 2003

(publicada no DOU de 2.7.2003), que alterou e acresceu parágrafo ao artigo 184 do Código Penal, além de dar nova redação ao artigo 186 do Código Penal, alterado pelas Leis nos 6.895, de 17 de dezembro de 1980, e 8.635, de 16 de março de 1993, revogando o art. 185 do Código Penal e acrescentando dispositivos ao Código de Processo Penal(ação penal).

Tudo isso sem contar as novas 115 Súmulas do Supremo Tribunal Federal, tendo como destaques a 702 (julgamento do prefeito pelo TJ em crime estadual. TRF em crime federal e TRE em crime eleitoral) e 721 (esta, a mais polêmica, pois permite que um deputado estadual seja julgado no Tribunal do Júri por crime doloso contra a vida que tenha praticado).

A educação formal que se recebe nas faculdades já não é suficiente para acompanhar tantas mudanças legislativas e jurisprudenciais. Nunca os conhecimentos aprendidos numa faculdade foram tão rapidamente descartáveis e insuficientes. Quem não mergulhar profundamente no conceito de educação continuada será um excluído na vida prática e científica. O processo de aquisição de conhecimentos deve ser ininterrupto, contínuo, por toda vida, para não se perder o bonde da história, isto é, o emprego, o concurso ou mesmo o exercício da profissão.

Luiz Flávio Gomes e Thales Tácito Cerqueira

são professores do IELF (Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes –
www.ielf.com.br)

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