O leão e o onagro

O título acima e a fábula abaixo são de Esopo.

“Um leão e um onagro caçavam, um usando sua força e outro sua rapidez. No fim da caça, o leão dividiu-a em três porções.

– A primeira – disse ele – é minha de direito: sou o rei dos animais. A segunda é minha pela mesma razão. Quanto à terceira, será tua infelicidade se não deres o fora agora mesmo.”

Esopo, conciso, não esclarece como o leão e o onagro chegaram ao acordo de caçarem juntos. Animais de naturesa tão diversas e de hábitos alimentares tão diferentes, um exclusivamente carnívoro e outro exclusivamente herbívoro. Um comentarista tentou explicar como chegaram ao acerto.

Primeiramente, foi um líder leonino que teve a idéia. Conversou com outros e, face aos argumentos apresentados, foi estimulado a prosseguir nas demarches. Sondou um onagro que pastava com dificuldade naquela área disputada. O onagro assustou-se já de início com a presença do leão; depois, com a proposta. Mas, também, pelos argumentos apresentados, considerou a proposta boa e disse que a levaria aos seus maiores.

Conversa foi, conversa veio. Reuniram-se, separadamente, o comissariado dos leões e a congregação dos onagros para deliberarem.

Na reunião do comissariado, o seu presidente, apresentando a proposta, justificava o acordo com razões muito práticas: a presença do onagro, na caçada, deixaria as presas menos atentas e, portanto, mais fáceis de serem apanhadas. Além disso, para que o onagro poderia querer a caça? E, finalmente, dizimada ou rareada a caça, restariam os onagros…

De seu lado, o presidente da congregação mostrava-se favorável ao acordo porque, diminuindo o número dos outros herbívoros no pasto, este ficaria mais farto para os onagros que engordariam e se reproduziriam a valer.

Houve vozes discordantes nas reuniões. Na reunião do comissariado, Heloísa, uma leoa reconhecida pela veemência com que sempre havia defendido a nobreza dos procedimentos da espécie, não concordava com a aliança. Em seu território haviauns onagros muito desonestos e o estratagema pra a caçada era “sórdido”, bradava. Na reunião da congregação, o chefe religioso Renegues lembrou o passado dos leões e falou em causa final de sua existência que, segundo Aristóteles, não seria para o bem dos onagros. Mas a leoa Heloísa resignou-se, jurando que, se era para o bem do reino, estaria conformada. Mas não passou despercebido o entreolhar dos velhos leões como um registro para o Livro da Fidelidade Duvidosa. E o chefe religioso Renegues acomodou-se, citando, para si mesmo, um cânone das Concessões Necessárias.

No fundo, diz o comentarista, havia o mesmo objetivo não confessado para os leões e para os onagros: a conquista da vasta região de Veracruz, admitindo-se os onagros mais espertos que os leões para um ajuste de contas final. Há quem veja na fábula de Esopo uma certa semelhança com o acordo do PT e PL. Coisas fabulosas.

J. Ribamar G. Ferreira

é advogado e professor aposentado da UFPR.

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