O gerente de agência bancária pode ser sujeito ativo do crime de gestão fraudulenta ou temerária de instituição financeira?

A Lei n.º 7.492/86, recepcionada pela Constituição Federal vigente, estabelece os crimes contra o sistema financeiro nacional, objetivando resguardar especificamente a credibilidade desse sistema. Entre tais crimes, no artigo 4.º, caput, prevê a gestão fraudulenta, e no parágrafo único, a gestão temerária de instituição financeira. O artigo, ao par da vagueza descritiva e de outras tantas controvérsias, também merece estudo em razão da polêmica sobre a possibilidade de o gerente de uma agência bancária poder ou não ser sujeito ativo do crime. As opiniões colidentes decorrem dos conceitos atribuídos aos vocábulos gerente, gestão e instituição financeira. É mais ou menos pacífico que o referido artigo é classificado como um crime próprio ou especial e de mão própria, praticável apenas, e pessoalmente, por gestores, pessoas que administram os negócios da instituição, compreendidos, de acordo com o artigo 25 da Lei, como sendo o controlador e os administradores, assim considerados os diretores e gerentes. Justamente por isso alguns doutrinadores entendem que o gerente de agência bancária não pode ser sujeito ativo do crime de gestão fraudulenta ou temerária, porquanto não pratica atos de gestão propriamente ditos. Esse funcionário não detém nenhum poder de mando ou decisório no âmbito da instituição financeira, mas apenas, de acordo com regras preestabelecidas, fiscaliza as atividades referentes à agência. Isto é o que preconiza Nilo Batista, para quem a Lei 7.492/86, no artigo 25, ao mencionar o termo gerente, o faz referindo-se ao ?gerente administrador, este último também encontrável nas sociedades de responsabilidade limitada, não o gerente preposto que executa pautas administrativas sobre as quais nada decidiu?(1). Além disso também se alega que um posto bancário ou uma agência bancária não são considerados como instituições financeiras, e apesar de delas fazerem parte, são apenas dependências suas. Sendo assim, ?o gerente de uma agência bancária, quando de suas atribuições funcionais, não exerce qualquer destas ações de comando da instituição financeira, não podendo constituir, as atividades que desenvolve, a exigência típica da gestão, exatamente por lhe faltar poderes decisórios no âmbito de controle da instituição financeira. Administrar uma agência bancária não significa controlar ou comandar a instituição financeira?(2).

Ainda, é pertinente observar-se que nas decisões judiciais verificam-se as mesmas divergências, havendo entendimentos ora favoráveis(3) ora contrários(4) à responsabilidade penal do gerente.

Respeitadas as opiniões em contrário, tem-se que não há óbice legal para que o gerente de uma agência bancária seja sujeito ativo do crime de gestão fraudulenta ou temerária, visto que o artigo 25 refere-se à figura do gerente, não fazendo qualquer distinção entre gerente preposto ou gerente administrador; ademais, outra interpretação seria diminuir o sentido e o alcance da lei, inovando com restrições não previstas pelo legislador.

Da mesma forma, contra os argumentos de que o gerente (empregado da instituição) possui poderes limitados e circunscritos à agência, sem status de gestão, e que por isso suas decisões não têm força de influir nos destinos da instituição financeira nem qualquer repercussão no âmbito do sistema financeiro, argüi-se que o artigo 4.º, caput, e seu parágrafo único, apesar de referirem-se à instituição financeira como objeto material da conduta, na verdade tutelam o sistema financeiro nacional, bem jurídico supra-individual, que tem a sua credibilidade exposta a perigo diante de más gestões de instituições de financeiras, em seus diversos níveis de poder. Tais gestões vão desde ações que tenham reflexo apenas na agência até as que comprometem a instituição como um todo -estas, sim, somente realizáveis pelos seus gestores máximos. Isto é assim porque o legislador – e não poderia ser de outra forma -, na tutela de bens jurídicos de conteúdo econômico, como o sistema financeiro nacional, procura prevenir a ocorrência do dano, punindo a simples causação do perigo, que no caso é abstrato. Por isso não é necessário, para que a conduta seja considerada como crime de gestão fraudulenta ou temerária, que ela tenha repercussão e nocividade concretas ao sistema financeiro nacional. Basta para tanto a realização dos atos típicos, não se exigindo qualquer resultado. Trata-se de crime de mera atividade. Além disso, em prevalecendo entendimento contrário, somente seriam criminosas as condutas de gestão fraudulenta ou temerária cometidas em nível nacional, o que certamente não é o escopo da lei n.º 7.492/86, que no artigo 1.º, ao conceituar a instituição financeira, atribui-lhe como características principais a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, logo, como nas agências bancárias, são realizadas, normalmente, pelo menos uma dessas atividades, por exemplo, a coleta de recursos financeiros, não há dúvidas que elas se enquadram na definição da Lei(5).

Enfim, conclui-se que as agências bancárias e as demais dependências, nos precisos termos do artigo 1.º da Lei n.º 7.492/86, são instituições financeiras e que o seu artigo 25, ao referir-se a gerente, em hipótese alguma exclui o gerente de agência bancária, sendo por isso sem razão não considerá-lo como administrador da instituição financeira. Possuindo poderes de gestão, ainda que parcos, e os exercendo de forma indevida, de maneira que caracterizem fraude ou temeridade, o gerente incidirá nas sanções do crime de gestão fraudulenta ou temerária.(6) Como exemplos de atos dessa natureza podem-se citar: a concessão irregular de limites de cheque especial para pessoas sem capacidade econômica(7); a concessão de empréstimos sem a necessária cautela ou em desacordo com as normas internas da instituição, a permissão de saque sobre saldo bloqueado; autorização irregular de desbloqueio de cheques antes do prazo de compensação; concessão de cheque azul empresarial em limites que ultrapassem a sua alçada administrativa; e o desconto de duplicatas descontadas e não pagas(8).

Notas

(1) BATISTA, Nilo. O conceito jurídico-penal de gerente na Lei n.º 7.492, de 16/06/86. Fascículos de Ciências Penais. Ano 3, v. 3, n.º 1, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1990, p. 33.

(2) GOMES, Luiz Flávio. Notas distintivas do crime de gestão fraudulenta: art. 4.º da lei 7.492/86 (A questão das ?contas fantasmas?). In: PODVAL, Roberto. Temas de Direito Penal Econômico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 358.

(3) ?Comete o crime de gestão fraudulenta (Lei n.º 7.492, de 1986, art. 4, caput) o gerente de uma agência de estabelecimento de crédito, que a dirige empregando fraudes, ardis, como permitindo saque sobre saldo bloqueado; autorizando devidamente desbloqueio de cheques antes do prazo de compensação? (TRF 1.ª Região Terceira Turma -ACR 96.01. 01576-0/AP, Juiz Tourinho Neto, DJ 01/04/1996, p. 20410).

(4) ?Não pratica o crime de gestão temerária de instituição financeira o gerente de agência bancária que, dotado de limitados poderes de decisão, não influi nos destinos da companhia? (TRF 1.ª Região 3.ª Turma – ACR 1998.01.00.014560-5/DF – Relator Juiz Osmar Tognolo DJ 30/09/1999, p. 97).

(5) Ressalte-se que a Lei n.º 7.492/86 pune, inclusive, a gestão fraudulenta ou temerária até mesmo de instituições financeiras por equiparação, como exemplo, cita-se a seguinte decisão: ?Os réus, responsáveis por instituição financeira, por equiparação, art. 1.º, I, da Lei n.º 7.492/86, operaram com fraude no mercado, no momento em que entregaram ao Banestado disquetes com listagem de correntistas para débito em conta relativo a prêmios de seguros, débitos estes não autorizados pelos clientes, já que não haviam firmado qualquer contrato de seguro, e passaram referidos valores para conta de sua empresa, incidindo o art. 4.º da Lei n.º 7.492/86, crime de gestão fraudulenta? (Tribunal Regional Federal, 4.ª Região, relator DES. FEDERAL JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA, APELAÇÃO CRIMINAL N.º 2002.04.01.021401-7/PR, DJ n.º 139, 23/07/2003, p. 348).

(6) Esse é o entendimento esposado pela quinta turma do STJ, na decisão da lavra do Ministro FELIX FISCHER, com o seguinte teor: ?ART. 4.º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. SUJEITO ATIVO. CRIME PRÓPRIO. GERENTE COM PODERES DE GESTÃO. Restando devidamente comprovado nos autos que o acusado detinha poderes próprios de gestão, não há como afastar, nos termos do art. 25 da Lei n.º 7.492/86, a sua responsabilidade pelo delito de gestão temerária? (REsp 702.042/PR, Rel. Ministro FÉLIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2005, DJ 29.08.2005 p. 425).

(7) Tribunal Regional Federal, 5.ª Região, relator Desembargador Federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Apelação Criminal N.º 1999.81.00.019629-3, DJ, 05/05/2005, p. 515.

(8) HC 2004.01.00.052022-2/AM, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Terceira Turma, DJ de 17/06/2005, p.36.

Paulo Cezar da Silva é delegado de Polícia; mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá; professor de Direito e Processo Penal no Curso de Graduação da Universidade Paranaense de Paranavaí e das Faculdades Nobel de Maringá e coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo Penal da Unipar de Paranavaí.

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