O Direito Criminal Brasileiro no ano de 2002

Sintetizando em poucas linhas a produção legislativa brasileira em 2002, no âmbito criminal, devemos reconhecer que ela não chegou a se equiparar aos anos anteriores, todavia, muitas modificações significativas aconteceram.

Em 14 de janeiro, desde logo, iniciou a vigência da Lei 10.259/01, que criou os Juizados Criminais Federais. No seu artigo 2.º, § 2.º, definiu-se como infração de menor potencial ofensivo os crimes punidos com até dois anos.

Houve muita polêmica sobre o verdadeiro alcance desse dispositivo, até que o STJ (em agosto de 2002, no RHC 12.033, Rel. Min. Félix Fischer – cf. www.ielf.com.br) fixou o entendimento de que os dois anos valem também para o âmbito dos Juizados Estaduais. Com isso, reconheceu-se a derrogação do art. 61 da Lei 9.099/95, que limitava a competência dos Juizados Estaduais para as infrações punidas com pena até um ano.

Importante destacar que a lei nova não excepcionou os procedimentos especiais. Logo, já não importa se o crime tem ou não procedimento especial. Fundamental é a pena: se não passa de dois anos, é infração de menor potencial ofensivo. Isso permitiu que cerca de cem novos delitos passassem para o âmbito dos Juizados, destacando-se o porte de drogas para uso próprio, o desacato, o assédio sexual, os crimes contra a honra etc.

Em termos práticos, o fato de um crime ser ou não dos juizados é relevante porque eles não admitem a prisão em flagrante (como regra), não se elabora inquérito policial (sim, termo circunstanciado), admitem transação penal (impondo-se medidas alternativas, nunca tendo incidência a pena de prisão) etc.

No que concerne à suspensão condicional do processo (prevista na Lei 9.099/95, art. 89, e que consiste em colocar o réu em regime de prova logo no princípio do processo, desde que haja seu consentimento), é admitida para crimes cuja pena mínima não exceda a um ano. No julgado acima citado (RHC 12.003-STJ), entretanto, chegou-se a aventar a possibilidade de que o limite de dois anos teria alterado (também) o da suspensão.

Na verdade, o instituto da suspensão nada tem a ver com os Juizados. Logo, a tendência é o STJ (em breve) rever seu posicionamento, para manter intacta a redação original do art. 89. Aliás, já existe iniciativa nesse sentido e nos próximos dias teremos certamente novidades.

A Lei 10.409/02, que entrou em vigor no dia 28/2/02, reformulou integralmente a parte procedimental dos delitos de drogas. Na verdade, pretendia o legislador regular inteiramente essa matéria, todavia, acabou produzindo um texto ininteligível, o que levou o Presidente da República a vetar 1/3 do seu conteúdo. Desse modo, a parte penal continua na Lei 6.368/76 enquanto a parte procedimental está na Lei 10.409/02.

A grande novidade deste último diploma legal diz respeito à possibilidade de apresentação de defesa preliminar (leia-se: defesa antes de o juiz receber a peça acusatória). O descumprimento dessa fase (leia-se: desse direito) tem dado ensejo à nulidade de vários processos.

No que se relaciona com o Direito internacional penal dois Decretos chamam nossa atenção: Dec. 4.410/2002, que colocou em vigor no Brasil a Convenção interamericana contra a corrupção e o Dec. 4.388/2002, que cuidou da vigência entre nós do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Sendo a corrupção um dos maiores males do planeta, mas sobretudo da América Latina, torna-se natural a preocupação globalizada com o assunto. Aliás, por força da Lei 10.467/02, foram criados vários tipos penais relacionados com a corrupção em transações e contratos internacionais. O crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira, de outro lado, passou também a ser pressuposto do crime de lavagem de capitais.

Quanto ao Tribunal Penal Internacional não há dúvida que estamos diante do maior acontecimento da História do Direito Internacioanal penal. Mais de 60 países ratificaram o Tratado e o Tribunal já existe (formalmente) desde 1.º/7/02. Entrará em funcionamento efetivo em 2003, quando forem escolhidos seus 18 juízes. O mundo todo aguarda com expectativa a abertura dos seus trabalhos, visto que muitos crimes gravíssimos (de guerra ou contra a humanidade) acabam não sendo sancionados por falta de independência da Justiça local.

Em virtude da Lei 10.455/02 contemplou-se na nossa legislação uma providência salutar, no caso de violência doméstica, no sentido de que o juiz poderá determinar, como medida de cautela, o afastamento do cônjuge violento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Definiu-se, ademais, pela Lei 10.466/02, a atribuição da Polícia Federal para proceder a investigação quando houver (em conseqüência do crime) repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme. Nesse caso, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, do seqüestro, extorsão mediante seqüentro, cárcere privado etc.

Ressalvando a possibilidade de alguma omissão, o que acaba de ser resenhado foi o mais relevante no âmbito criminal (no ano de 2002). A grande expectativa para 2003 é a aprovação de todas as reformas penais que se encontram no Congresso (do CP, do CPP e da LEP). Vejamos!

Luiz Flávio Gomes

é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela Faculdade de Direito da USP e diretor-presidente do Ielf (Instituto de Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes).

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