O descalabro social

Criar uma estrutura de valorização dos adolescentes e dar-lhes uma chance de vida é dever de todos e de cada um de nós, pois não se pode exigir cidadania de quem nunca aprendeu nada, vítima de um sistema social que discrimina e exclui, de pessoas em desenvolvimento que ainda não foram inseridas no mercado de trabalho e que perambulam pelas ruas da cidade e o que mais ouvem é a palavra não! É hipocrisia inominada querer prender com severidade as maiores vítimas do abandono oficial, como se a atitude de trancar em celas alguém que ainda não é ninguém resolvesse a questão. Sabe-se que em um País no qual presidiário leva celular para dentro da prisão e nela organiza e administra quadrilhas, nada se aprende de bom naquele lugar, ao revés, a caldeia que seria o instrumento de Poder para recuperar o condenado tem virado verdadeira “faculdade” de crimes graves. Vejam aí o “sucesso” (sic) das Febens.

Ouso discutir temas e propostas diametralmente opostas ao gosto popular de quem dedem a mídia, os controles de popularidades dos políticos de ocasião, que para a defesa da diminuição da idade penal, não têm ido consultar suas bases junto à maioria que vive na pobreza que os elegeu.

Valorizar-se, assim, a tese da prisão dos pequenos, da diminuição da idade penal para 16 anos é solapar por baixo. Impedir a educação e a destinação dos recursos para esses cidadãos enquanto seres livres é empurrar o entulho em migalhas para baixo do tapete vermelhão em que pisam, quando, a necessidade é exatamente outra, é moradia digna para a família, é trabalho para seu chefe, é escola pública até a universidade para esses cidadãos. Talvez isso seja uma utopia, mas em se tratando de crianças somos todos utópicos por dias melhores, por um País mais justo, pelo cumprimento da Constituição de nosso País e dos direitos fundamentais das crianças brasileiras. Se precisarmos da utopia para viver que assim seja, já que a classe dominante e que possui o orçamento nas mãos quase sempre coleta o voto e depois ignora o ser.

O Estado do Paraná novamente está de pé para dizer não à propostas demagógicas e sem qualquer fundamento ético ou jurídico. É necessário o repensar das medidas que estão sendo impostas aos adolescentes infratores, a partir do princípio de que a prisão não educa nem os adultos que poderiam cumprir a pena em regime de trabalho, reduzindo-a com o seu próprio esforço em prol da sociedade que atacou. Se assim não se conduz o Direito, como querer a contramão da história prendendo os moleques quando os adultos que comentem leves estão à solta, com transação penal e suspensão da pena? Eis o descalabro, que somente poderá ser minimizado pela atuação justa de juízes, Promotores de Justiça, Técnicos e todos os demais envolvidos no cenário infanto-juvenil, inclusive delegados de polícia e conselheiros tutelares porque a educação e o carinho familiar que eles (os adolescentes infratores) não tiveram lhe resulta uma lacuna no peito, uma dor emocional que os diferem de nós, demandando nosso apoio, já que abandonados à própria sorte e de tanto ouvirem “não” jamais aprenderão dizer “sim” para a mesma sociedade que os ignora e exclui.

Evidentemente, que não podemos ser favoráveis à prática da violência pelos adolescentes nas ruas, mas há de existir outras saídas para o problema social que não a prisão, pois sabemos todos que o custo mensal para o Governo de uma criança internalizada é o dobro do salário mínimo que se paga a um “pai de família” que trabalha, para que ele sustente a patroa e 4, 5 ou 6 filhos, e que acaba, invariavelmente, no abandono de todos os filhos, ou da maioria deles, que deverão buscar nos pequenos delitos a própria sobrevivência. Não é necessário dizer mais nada.

Como presidente da Associação de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude e Família do Paraná tenho um compromisso com a consciência. O pouco que se puder fazer será no sentido de aglutinar forças para a causa da criança, de tocar corações até, de discutir todo dia e sempre os nossos limites e a nossa capacidade de mudar para melhor esse cenário. Claro que isso já tem sido feito pela entidade, pois a Associação tem sido um enorme desafio, quase sem estrutura e às vezes muitas incompreensões, mas temos também todo cuidado em ouvir os colegas, tornando a Associação mais próxima do interior, para também envolver os colegas do interior, pois sabemos de suas dificuldades e precisamos de seu apoio. É meta da diretoria da associação, por exemplo, não só manter o jornal prioridade absoluta mas torná-lo um instrumento de trabalha, com material jurídico e social de suporte específico, atuando em parceria com a Assessoria de Apoio aos Juizados da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça em cursos e materiais, incluindo-se debates no interior. Queremos, também, manter um canal de comunicação com os colegas magistrados e promotores de Justiça de todo o Paraná através de e-mail, reduzindo-se os custos e mantendo-os atualizados. Muitas ações eficazes poderão vir da participação dos associados e da nova diretoria, mas, acima de tudo a proximidade, aproximando-nos uns dos outros, aproximando-nos das crianças e de nossos parceiros estaremos fortalecendo os laços e ideais que nos unem nessa tarefa. Que Deus nos abençoe sempre para torná-los realidade.

Fabian Schweitzer

e juiz de Direito da Infância e da Juventude de Curitiba e presidente da Associação de Magistrados de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná.

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