O desafio da fidelidade partidária

Desde a data de 4 de outubro de 2007, um assunto que há muito não era debatido volta à pauta. Trata-se da fidelidade partidária dentro da política brasileira.

A data acima citada corresponde a do julgamento dos mandados de segurança n.º 26602, 26603 e 26604 pelo Supremo Tribunal Federal, impetrados respectivamente pelo Partido Popular Socialista (PPS), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Democratas (DEM), antigo Partido da Frente Liberal (PFL). Tais mandados de segurança objetivavam a devolução dos mandatos eletivos dos parlamentares que haviam trocado de partido durante esta legislatura. Vale lembrar que os três partidos mencionados foram os que mais perderam parlamentares para a base governista na Câmara dos Deputados, somente este primeiro ano após as eleições gerais.

A polêmica iniciou-se com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nestes três mandados de segurança, declarando que o mandato é do partido, e não do parlamentar. A conseqüência de tal conclusão seria a devolução dos mandatos eletivos dos parlamentares que trocaram de legenda ao partido pelo qual o indivíduo foi eleito.

O Supremo Tribunal Federal entendeu desta forma porque, em se tratando de eleições proporcionais, o quociente eleitoral atingido pelo partido nas eleições é determinante para se auferir a quantidade de cadeiras dentro do parlamento que dito partido tem direito, sem falar que, dentro da organização de Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas e Câmara dos Deputados, a organização partidária também é importante para designar cargos dentro das comissões que integram cada casa, como ocorre com a Comissão de Constituição e Justiça, considerada a mais importante. Para o preenchimento de tais cargos, em tese se considera o partido, e não o parlamentar que exerce o mandato.

Conjuntamente a essa decisão, o Supremo Tribunal Federal determinou que a devolução do mandato não é automática, e que somente os parlamentes que trocaram de legenda após a data de 27 de março de 2007 correm risco de perder seus mandatos, atendendo dessa forma os preceitos da segurança jurídica. Antes de tal data, houve por bem conceder uma espécie de ?anistia?, assim designada pelos próprios Ministros integrantes da Suprema Corte, já que foi apenas nesta data que o Tribunal Superior Eleitoral também se manifestou em prol da fidelidade partidária.

Esta semana (16/10/07) a polêmica da fidelidade partidária ganhou mais um capítulo. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que, nos cargos majoritários as regras da fidelidade partidária também incidem, ou seja, prefeitos, governadores, senadores e o presidente da república também poderão perder seus mandatos caso estes venham a trocar de legenda partidária após as eleições, ou já tenham trocado.

Contudo, no que tange aos cargos majoritários, o problema tende a se complicar, pois neste sistema eleitoral, embora a filiação partidária seja obrigatória, a figura do político é importantíssima para a angariação de votos. Além disso, pode haver coligações de partidos, o que possibilita que o ocupante do cargo seja de um partido, e seu vice seja de outro, tornando ainda mais difícil a sucessão, no caso de infidelidade.

São questionamentos dessa natureza que o Tribunal Superior Eleitoral não se pronunciou a respeito, mas que parlamentares em situação de risco já estão alertas, pois pode representar lacunas na decisão proferida, mantendo-os em seus cargos até um pronunciamento final, o que pode demorar.

Não se pode ignorar que a questão da fidelidade partidária é algo que já deveria estar em vigor e tardou para ser debatida. Porém, devido à proposital omissão do Poder Legislativo Federal, nada foi feito, cabendo ao Poder Judiciário o dever de impor regras à ?dança das cadeiras? dos parlamentares em geral.

É evidente que em determinadas situações a troca de legenda se justifica, como uma mudança de ideologia ou orientação partidária, ou ainda perseguição dentro das estruturas do partido. Entretanto, é cediço que há muito tempo utiliza-se a oferta de troca de partidos para interesses individuais.

O que se verifica freqüentemente é que, um candidato eleito por um partido que compõe o bloco oposicionista provavelmente migrará para outro partido da base aliada ao governo, uma vez que, sendo da base governista, o parlamentar poderá ser mais facilmente nomeado a cargos expressivos dentro da casa legislativa, ou então terá maior facilidade em ver aprovadas as suas emendas, principalmente as orçamentárias, tão discutidas e suspeitas atualmente no Brasil.

Se não fosse por tamanho abuso cometido pelos políticos brasileiros, a liberdade da filiação partidária não precisaria ser limitada, ainda mais pelo Poder Judiciário. Porém, quando um dos poderes, avalizado pelo Palácio do Planalto, não cumpre com seus deveres de criar leis que sirvam aos interesses gerais, infelizmente o Poder Judiciário terá que intervir. E que se comemore que ainda um dos poderes esteja disposto a melhorar a situação política do país. Pelo menos é o que se espera.

Ana Claudia Santano é especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e mestranda em Democracia y Buen Gobierno, na Universidad de Salamanca, Espanha.

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