Números da violência no Brasil ainda são assustadores, revela Sou da Paz

O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado na semana passada, mostrou a interiozação dos homicídios no país. Dos 48.345 assassinatos registrados em 2004, mais de dois terços (34.712) foram cometidosfora dos grandes centros. O estudo, elaborado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) com apoio do Ministério da Saúde, mostrou que a maioria dos homicídios se concentra em 10% dos municípios.

Para o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, os números são bastante assustadores, mostram que a questão da segurança pública deve ser encarada como prioridade no país, mas é possível reduzir a violência no Brasil. Tanto é possível que a gente pode citar o casode São Paulo, que conseguiu uma redução de homicídios significativa.

Em entrevista Agência Brasil, Mizni defendeu uma reflexão conjunta de todas as esferas de poder e da sociedade civil sobre aquestão da violência. A gente precisa de políticas públicas em todos os níveis da federação, diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – Qual sua opinião sobre os números apresentados ontem (27) pela pesquisa Mapa da Violência nos Municípios Brasileiros?

Denis Mizne – Os números ainda são bastante assustadores. Em 2004 o Brasil apresentou, pela primeira vez em 13 anos, um aredução nos homicídios com armas de fogo. Isso é um fato a ser comemorado. Master ainda 36 mil homicídios com armas de fogo, fora os demais crimes quea contecem, são dados assustadores e ainda mostram que o assunto da segurança pública tem de virar prioridade no país e não pode ser debatido somente em momentos de crise, como a gente, infelizmente, tem visto até agora.

ABr – Como seria possível explicar a violência no Brasil? Que fatores motivariam essa violência?

Mizne – Varia muito de lugar para lugar, mas de um modogeral, há uma primeira leva de homicídios que acontecem nas grandes cidades,envolvendo jovens de 15 a 24 anos – em sua maioria. Estamos falando de locaisonde o Estado está pouquíssimo presente onde faltam políticas públicas, onde acultura da violência predomina e onde conflitos banais passam a ser resolvidos violentamente.De um lado há essa violência dos conflitos banais, onde parece que a violênciaé a única maneira de se ter visibilidade ou de conseguir seus direitos ou dese fazer justiça De outro, há o envolvimento criminal mesmo. Você temproblemas normalmente em sociedades com altíssimos graus de desigualdade. Não énem a pobreza, como se dizia antigamente, nem a extrema riqueza que determinamos problemas, mas o convívio dos dois. Há pessoas que acabam apostando nocrime, seja porque ele é um bom negócio ou porque ele é a única alternativa.Esses fatores, associados a uma justiça muito lenta e ineficiência bastantegrande das políticas de repressão e de prevenção, fazem com que você chegue aesse quadro.

ABr – O estudo apresentou que as grandes vítimas de homicídios são jovens entre 15 e 24 anos (na faixa dos 20 a 24 anos, as taxas atingem 65 homicídios a cada 100 mil jovens), do sexo masculino (92,1%) enegros (31,7 negros são vítimas de homicídios a cada 100 mil negros, enquanto na população branca a taxa é de 18,3 homicídios a cada 100 mil brancos). O que explicaria esses números?

Mizne – Você está falando do problema racial no país, da desigualdade que vitima primordialmente os negros há 500 anos. Quando você falados locais onde mais acontecem homicídios, normalmente em número absoluto, ondeeles mais acontecem, apesar do deslocamento para o interior? Nas grandescapitais, nas grandes regiões metropolitanas, nas periferias, nas favelas. E háuma proporção altíssima de jovens dentro da população de favelas – que chega a50% ou 55% de pessoas até 18 anos – e uma predominância de negros e pardos,diferente do resto da população fruto da desigualdade, fruto do racismo, frutoda falta de políticas eficientes para resolver essa questão. Acaba sendo um grupomais vitimado porque tem mais gente submetida a essas condições sociais e atodos os problemas da injustiça. O país demorou para perceber a necessidade depolíticas específicas para a juventude. Estamos vivendo um problema dedesemprego crônico há mais de dez anos. Essa faixa etária é mais afetada pelodesemprego, muito mais do que a média da população. Isso está apenasengatinhando no país. Enquanto isso não acontecer, essa faixa etária vaificando mais vulnerável e com isso está mais sujeita violência.

ABr – E quanto ao fato de a violência estar sedeslocando dos grandes centros para o interior?

Mizne – Há dois fatores fundamentais. Um deles é que houveredução da violência nos grandes centros, principalmente no estado de SãoPaulo. O caso de Diadema é um bom exemplo. Na capital também houve quedasignificativa. Caíram os homicídios porque houve uma combinação de políticas deprevenção bem feitas, políticas de repressão, uma melhora da polícia, umamelhor eficiência – ainda longe de ser perfeita de investimentos nos locais epara o público mais afetado pela violência. Esse tipo de política precisa serlevado para outras cidades do interior que antigamente não sofriam com esseproblema. A segunda coisa é que houve um crescimento da urbanização em algumasáreas. São cidades que cresceram e estão convivendo agora com os problemas queas capitais conviveram há 10 ou 20 anos. Por último você tem o caso de regiõesde fronteira no país, como em Mato Grosso. As cidades que ficam em regiões defronteira ou têm um alto índice de roubo de carga, contrabando e rotas detráfico.

ABr – O que explicaria a redução da violência em SãoPaulo? Mizne – São três fatores. O primeiro é uma melhora dapolícia. Houve investimento, cresceu o orçamento da segurança pública, oinvestimento na polícia. De 1994 para cá mudaram os critérios de seleção etreinamento de policiais, aumentou o número de policiais nas ruas e a atuaçãode alguns departamentos especializados foi intensificada, como é o caso doDepartamento de Homicídios e Proteção Pessoa, que é muito preparado, com 700policiais. Aumentou o índice de esclarecimento de crimes e mecanismos queestavam só na capital agora estão também na Grande São Paulo, embora ainda nãotenham chegado ao interior. Houve também a ação de prefeituras e OrganizaçõesNão-Governamentais (ONGs) no campo de prevenção, trabalhando com os jovens enos locais onde há mais violência, oferecendo programas de esportes, cultura,lazer e direcionadas para a prevenção da violência. Houve também leis específicas,como o controle de venda de bebida alcoólica, a conscientização para aresolução de conflitos e a geração de emprego e renda. Por último, houve oEstatuto do Desarmamento, que contribui para reduzir o número de armas no país.Em São Paulo caiu 26% o número de armas em circulação, segundo a Secretaria deSegurança. Na campanha do governo federal de recolhimento de armas, São Paulo,sozinho, tirou um terço das armas que foram recolhidas no país. A políciatambém passou a apreender as armas ilegais.

ABr – É possível observar, no futuro, redução nosíndices de violência em todo o país?

Mizne – Tanto é possível que a gente pode citar o caso deSão Paulo, maior cidade do país, com problemas crônicos, e que conseguiu umaredução de homicídios significativa. Ou Diadema, que já foi a cidade maisviolenta do país e teve queda. É um problema federal, estadual, municipal e dasociedade como um todo A resposta é a união de esforços, e não a disputa. Agente precisa de políticas públicas em todos esses níveis da federação

ABr – O que os governos podem fazer? Que políticaspúblicas devem ser adotadas para se conter ou reduzir a violência?

Mizne -No caso no governo estadual e federal, deve haver uma melhora da repressão,controlar as fronteiras, combater o tráfico de drogas e armas e melhorar anegociação com os países em volta, com legislações de controle da entrada dearmas e drogas. Isso precisa ser feito pelo governo federal, com apoio aosestados e municípios, para que eles possam desenvolver suas políticas. Ao mesmotempo, os governos estaduais precisam diminuir a corrupção policial, melhorar otreinamento da polícia, usar melhor as ferramentas de planejamento que jáexistem em vários estados brasileiros para poder melhorar a atuação da polícia.E os municípios podem contribuir muito do ponto de vista da prevenção seja naquestão da infra-estrutura urbana, das políticas sociais das políticas deprevenção. De um modo geral, a sociedade civil precisa ser uma participanteativa nesse processo, tanto ajudando a formular, quanto pressionando para queessas políticas possam acontecer. Também é preciso aperfeiçoar determinadospontos da legislação. Mas muito mais do que mudar uma pena ou outra, como sediscute, deve-se mudar pontos na legislação que tornem nossa Justiça maisrápida e o Judiciário mais eficiente – tanto na legislação quanto naadministração – para que a gente não fique convivendo com esse ar geral deimpunidade que acaba favorecendo a criminalidade. Se a gente conseguir fazerisso num prazo que nem é assim tão longo, três ou quatro anos, a gente já começa a verresultados de salvar milhares de vida. Isso precisa ser uma prioridade no país.

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