Não é louco, não!

A observação do secretário do Tesouro norte-americano, Paul O?Neill, segundo a qual o mercado financeiro ficará de olho nos primeiros pronunciamentos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para ver se ele não é louco, foi de todo infeliz e descabida. Lula não é louco, não, e já deu provas disso. Quando ele se diz otimista e observa sentir que um Brasil novo está nascendo, isso pode incomodar a alguns. Mas diz a verdade do alto de seus quase 60 milhões de votos: há muita esperança no ar. Quando ele anuncia como primeira medida de seu governo o combate sem tréguas à fome, está apenas elegendo uma prioridade básica para suas ações imediatas. Longe de ser uma medida populista, trata-se de uma prioridade que já havíamos comentado aqui, ditada por uma iniciativa capitaneada, entre outras entidades, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ? CNBB. O grande banquete já fora anunciado.

Há algo errado no sonho desse nordestino retirante tornado presidente da República pela vontade popular, que diz dar-se por realizado caso, ao final de seu governo, todos os brasileiros e brasileiras tiverem a oportunidade de fazer três refeições diárias (café da manhã, almoço e jantar)? Ninguém programou isso antes com tais palavras, mas barriga vazia é, sempre, um mau conselheiro. Há qualquer sinal de loucura no anúncio da criação de uma secretaria para gerir esse projeto, que, de resto, já vinha sendo desenvolvido desde que o governo, em vez de distribuir anzóis e ensinar a pescar, optou pelo fornecimento dos peixes? Lula vai apenas ampliar o que já existe, com lanches, merendas, cestas básicas, vales-refeição e quejandos.

Contrariando as expectativas (inclusive aquelas internas do PT), Lula tem assegurado e repetido que procurará fazer um governo amplo, para todos os brasileiros. Isso implica a busca de nomes e pessoas fora dos quadros partidários para alcançar “o melhor ministério possível”. Continuamos esperando pelo melhor, em lugar de temer pelo pior. O espetáculo democrático até aqui assistido em clima de carnaval e futebol desarmou espíritos e arrancou promessas de colaboração de inúmeros setores, incluindo aqueles tradicionalmente mais arredios à idéia de “Lula lá”, como os empresários ligados à poderosa Federação das Indústrias de São Paulo. Seria este o pacto ? termo que o presidente FHC acha desapropriado, à vista da falta de rupturas ? anunciado pelo candidato?

Há um evidente clima de euforia, de um lado, e de perplexidade, de outro, diante da forma como as coisas vêm se sucedendo. A virada à esquerda, saudada pela imprensa de um Velho Mundo que se volta à direita, até aqui foi uma festa, na qual se envolveram milhões de brasileiros. O espetáculo levou o ator principal ? no caso, Lula ? a acompanhar (e comentar) um dos principais telejornais diante das câmeras, ao lado dos apresentadores, que o convidaram a comentar as observações do próprio O?Neill. Em seu primeiro pronunciamento, o presidente eleito chegou a brincar, dizendo que nem tudo pode ser levado a sério. Mas governar, com certeza, não será um espetáculo permanente. O cumprimento minucioso de todas as promessas e compromissos de campanha requer mais que trabalho sério e árduo. Requer também um pouco de sorte.

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