Uma mulher e dois destinos

Os saudosos eruditos lageanos dr. Al Neto, desembargador Wilson Antunes Sênior e embaixador Licurgo Costa afirmavam que Anita teria nascido na localidade de Morrinhos, conhecida paragem da estrada das tropas da Coxilha Rica de Lages. Alegavam que seus pais eram serranos e ela sabia andar a cavalo, tecer palas com lã de ovelha, como o que fez para Giuseppe. Mas hoje, de fato e de direito – de papel passado – ela é cidadã de Laguna. Até porque foi Laguna, além da Itália, quem cultuou sua memória, erigindo estátuas e museus. Mais do que nativa da Serra Acima ou da Serra Abaixo ela é a heroína de dois mundos… A amante da liberdade. A deusa de julho. Da Revolução Juliana.

Almirante Vermelho da Itália, capitão-tenente das forças farrapas no sul do Brasil, Garibaldi mostrou aos gaúchos como se peleava no mar. Sempre na ofensiva, enganando o adversário, parecendo ter mais força do que na realidade possuía. Na guerra, quanto nos amores.

Mas foi em Lages, no Passo de Santa Vitória do Rio Pelotas e depois no Rio Marombas de Curitibanos que ele e Anita realmente provaram o gosto de sangue. Nas barrancas do Pelotas, venceram os imperiais. No Capão da Mortandade do Rio Canoas, Anita foi presa e Garibaldi quase morreu. E depois da fuga: a travessia do rio a nado. Os chapadões de Vacaria, a odisséia do Rio das Antas, a Serra da Taquara, a Lagoa dos Patos, onde nasceu o primeiro filho de Anita: Menotti, futuro general da Itália!

Antes da derrota dos Farrapos, Anita Garibaldi e Giuseppe ainda atravessaram as extensas coxilhas do Rio Grande, tocando por diante o soldo guerreiro de oitocentos bois que ganharam de Bento Gonçalves. Tudo perdido na solidão das sangas mortas, nos vãos dos peraus e banhadões. Mais pobres do que nunca, casaram-se em Montevidéu, pagando a cerimônia com um velho relógio. E abrindo um garrafão de vinho. Por cima da sobrecasaca de general italiano, Giuseppe usará – sempre -o pala lageano que Anita lhe teceu.

Eles vão unificar a Itália. E por isso são os maiores heróis da pátria latina, onde escolas, ruas, estradas, vilas e cidade até hoje têm o seu nome. Derrotarão bourbônicos, austríacos e franceses. Botarão para correr reis, monarquistas e papas. Ao lado deles marchará um brasileiro: o negro André Aguiar, símbolo da libertação dos escravos.

A catarinense Anita adoecerá nos Apeninos, com frio e fome. Ela, que ousou trocar os verdejantes campos de Lages e as ensolaradas praias de Laguna pelos gelados caminhos dos Alpes. Pagou caro o sonho de grandeza que teve ao deixar os ranchos de Santa Catarina, para cavalgar ao lado da liberdades. Agonizará em Sant?Angello e em Pietra Rubbia, tentando chegar a San Marino, sonhando com pinheirais e dunas das praias. Morrerá antes. E seu cadáver será enterrado às pressas, numa cova rasa. Apagando-se como lágrima perdida na chuva no meio do mar bravio. Mas sabendo que se viver não é preciso – navegar é preciso!

E a nossa Anita e Giuseppe navegaram muito! Na Revolução Juliana. Nas praias ensolaradas do litoral catarinense. Na íngreme Serra das Antas. Nas correntezas do Passo de Santa Vitória da Coxilha Rica de Lages, onde atravessou o Rio Pelotas a nado. No pampa uruguaio. Ou nas cordilheiras da bela Itália. ?Un barco sobre la mar y un caballo en la montaña? – como disse García Lorca.

A única Heroína de Dois Mundos, a menina de Santa Catarina…

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