Um pé na aldeia, outro na cidade

A dissertação de mestrado ?Entre a aldeia e a cidade: O ?trânsito? dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul? foi apresentada em junho de 2005 por José Maria Trajano Vieira, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPR, que contou com a orientação do doutor e professor Ricardo Cid Fernandes.

Trajano, que começou seu trabalho em 1995, ressalta que ?a importância de realizar estudos com as sociedades indígenas se deve ao fato de que um dos papéis sociais do antropólogo é produzir conhecimentos teóricos/etnográficos quantitativos e qualitativamente consistentes sobre os povos indígenas, que venham não somente a desenvolver a disciplina e a promover a realização pessoal, mas que, sobretudo, possa sair do compartimento acadêmico e ser divulgado e aceito no seio da sociedade em geral?.

Entende que ?uma maior divulgação de dados etnográficos possibilita que a sociedade entenda também o ponto de vista dos índios e possa ter uma visão mais ética e humana sobre essas sociedades que desde o encontro com a civilização ocidental aos dias de hoje têm sido massacradas e sofrido diversos tipos de violências. Mas, que, mesmo assim, continuam mantendo sua integridade enquanto povos específicos, com seus valores e sua cultura?.

Kaiowá descansa
com sua enxada
durante a capinação.

Por que estariam os Guaranis e Kaiowás no MS com um pé na aldeia e outro na cidade? Trajano explica que ?muitos deles estão ?forçados? a estarem na cidade em parte devido à ocupação de suas terras por não-índios. Entretanto, também há que se considerar a liberdade de escolha de onde morar. É nessa inter-relação de espaços aldeia/cidade que se estabelecem as bases de sua territorialidade?.

Dentre os diversos fatores que motivam ou forçam os deslocamentos para o meio urbano, o antropólogo ressalta que os motivos relatados pelos próprios Guaranis e Kaiowás são acusações de feitiçaria, escassez de recursos naturais nas aldeias, casamentos com não-índios, disputa interna de poder, manutenção dos filhos na escola após o término das séries iniciais, divisão entre índios não católicos e índios católicos, aspectos que geram muitos conflitos, dividem famílias e causam tensões e violência entre as parentelas.

Guarani Ñandeva a
caminho de Mundo Novo, Mato
Grosso do Sul.

Nesse contexto, a história dos Guaranis e Kaiowás é a história de contínuos trânsitos e migrações. José Maria comenta que ?eles sempre procuraram uma distribuição espacial ?esparramada? das próprias famílias. As áreas por onde os Guaranis e Kaiowás transitam para desenvolver suas atividades econômicas, alianças matrimoniais e políticas são bastante dispersas. A identidade guarani se realiza em múltiplos locais e, até mesmo, se realiza no limite entre a aldeia e a cidade, ocupando a periferia?.

Trajano observa que ?nas pesquisas atuais sobre o contato, o discurso da vitimização cede lugar ao da criatividade dos agentes históricos na situação de contato. Há uma tentativa em se demonstrar que a cultura é um processo criativo e dinâmico, que implica resistência, reelaboração e não simples descaracterização. A manipulação de símbolos e identidades faz parte desse processo transformacional. A tradição Guarani e Kaiowá vai se preservando, mesmo na cidade, mas passando por profundas transformações.?

Zélia Maria Bonamigo é Jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. zeliabonamigo@terra.com.br

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