O perigo mora dentro da sala de aula

A professora de português e inglês Albertina de Alcântara leciona no Colégio Estadual Eurides Brandão, na Cidade Industrial de Curitiba. Hoje ela dá aulas à tarde e os maiores problemas que enfrenta dizem respeito à indisciplina dos estudantes. Mas, no ano passado, Albertina dava aulas no período noturno no Colégio Estadual Etelvina Cordeiro Ribas, no Pinheirinho, e seu cotidiano era de medo, em função das ameaças constantes que recebia dos alunos. Ela conta que o colégio tinha fama de violento por causa de alguns acontecimentos, como o assassinato de um aluno dentro da própria escola.

"Eu ia para casa com medo, pensando como seria a aula seguinte, qual seria a reação daquele aluno com quem eu havia discutido", conta. Mas com o passar do tempo, a relação com os estudantes foi ficando diferente, até que eles perceberam que a implicância da professora não era com o aluno e sim com a postura adotada em sala de aula. "A linguagem corrente dentro da sala de aula era uma mistura de Linha Direta com filme pornô. Era terrível", recorda.

Enquanto passava lições no quadro, Albertina escutava as conversas de alunos que estavam armados, do assalto do qual tal estudante participou ou ainda do aluno que havia atirado em alguém no fim de semana. "Com o tempo, eles vinham até contar os delitos que praticavam, se abriam. Mas nós tínhamos consciência de que estávamos trabalhando com alunos fora de controle. Volta e meia vinham drogados para a aula e, nessas ocasiões, o melhor era fingir que não estávamos vendo nada", disse.

A realidade vivida por Albertina é compartilhada por centenas de professores que enfrentam diariamente o problema da violência dentro das escolas. Não existem muitos dados estatísticos que quantifiquem o problema. A Unesco está desenvolvendo uma pesquisa inédita, que será lançada em dois meses e vai quantificar e qualificar os tipos de violência ocorridos nas escolas brasileiras para que, através desses números, possam ser desenvolvidos mecanismos de prevenção, redução e erradicação da violência nas escolas.

A pesquisa "Cotidiano das Escolas: Entre Violências", que foi coordenada pela pesquisadora e socióloga Miriam Abramovay, ouviu cerca de 1.400 pessoas entre o final de 2003 e início de 2004. Foram aplicados questionários a 10.069 alunos e outros 1.927 a adultos de 113 escolas de cinco capitais: São Paulo, Porto Alegre, Belém, Rio de Janeiro e Distrito Federal.

Segundo Miriam, o principal aspecto observado pela pesquisa é que o medo dos professores vêm das ameaças sofridas. Ela afirma que estas ameaças geralmente surgem de conflitos banais como notas, faltas ou uso de uniforme. "Com a pesquisa, pudemos observar que a violência nas escolas está presente nas ameaças, nas relações. É a violência da briga, do insulto do bater, que abre caminho para que outros tipos de violências mais graves entrem nas escolas. Dessa forma, pequenos conflitos podem causar grandes problemas", explica a pesquisadora.

"Um aluno perguntou se eu tinha medo de tiro"

Nas entrevistas feitas com professores para pesquisa da Unesco, foi possível perceber o tom das ameaças sofridas pelos docentes. Um dos professores entrevistados relatou o seguinte: "O aluno disse que, no final do ano, ia comprar um 38 e que era bom eu me cuidar". Outro professor contou: "Um aluno veio me perguntar se eu tinha medo de tiro".

Segundo Miriam Abramovay, coordenadora da pesquisa, o que torna o problema da violência escolar mais grave é o fato de que, pela falta de estudos comprovando a situação, não se consegue perceber como esta pequena violência pode se tornar algo grande. Um exemplo disso é a entrada de armas nas escolas. Como não existe estudo anterior, é impossível fazer qualquer comparativo e apontar crescimento ou queda nos registros. Mas, com o estudo, verificou-se que cerca de 35% dos alunos (585.860) e de 29% dos adultos já viram algum tipo de arma na escola.

O Colégio Estadual Eurides Brandão está localizado numa das regiões mais violentas de Curitiba. Segundo a diretora Cláudia Antônio da Costa Pilon, os problemas mais comuns enfrentados no colégio são de indisciplina e desrespeito. Para ela, eles são decorrentes de um sistema no qual os alunos não respeitam os pais e também não respeitam os professores, formando um ciclo.

Cláudia conta que já houve casos de professores serem ameaçados por alunos dentro do colégio, mas a direção adota uma postura de não permitir que casos assim ocorram. Isso tudo para evitar que voltem a acontecer problemas graves como os registrados em 2002, quando o carro de uma professora foi baleado quando ela saía da escola e um aluno do colégio foi assassinado em frente do portão da escola, com diversos tiros.

O professor de matemática Cláudio Ramos do Nascimento leciona no período da tarde, e seus maiores problemas são por causa da indisciplina dos alunos. Mas ele já enfrentou situações piores. Até dezembro do ano passado, ele lecionava no período da noite no Colégio Estadual Santa Rosa, no bairro do Cajuru, e conta que já foi ameaçado diversas vezes. "O professor precisa mostrar autoridade e, o mais importante de tudo, não demonstrar medo. É só não dar abertura para que o aluno veja que essas ameaças estão intimidando. Uma vez que o estudante passe a respeitar o professor, casos assim não acontecem mais", afirma. (SR)

Medo nas escolas: exagero ou escândalo?

Joyce Pescarollo é psicóloga escolar da Associação Projeto Não Violência e pesquisadora do Centro de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ela, esta discussão em voga na sociedade, sobre o medo nas escolas, é equivocada. "É um exagero afirmar que existe um medo tão grande assim por parte dos professores. Isso é mais um alvo midiático que quer tornar a questão um espetáculo", afirma.

Joyce afirma que os maiores problemas nas escolas são decorrentes da indisciplina e brigas. Casos graves de violência são pontuais e por isso não podem ser tomados como regra ou padrão da sociedade. Apesar de não haver estatísticas sobre a questão, a pesquisadora garante que o problema se encontra nos arredores das escolas e o que está se pregando é uma cultura do medo, fazendo com que as pessoas acreditem que o problema é maior do que o real. "A escola tem um respeito dentro da comunidade, que procura zelar aquele local. A violência escolar que temos hoje diz respeito às relações cotidianas", afirma.

Para a pesquisadora, o próprio ambiente escolar produz essa violência, uma vez que os professores não sabem lidar com a autoridade, as regras são estabelecidas de maneira não democrática e, pior do que isso, não são cobradas. "A violência nasce dessa desorganização. Os professores adoram relacionar os problemas encontrados na sala de aula com a desestrutura familiar, mas isso não é pertinente. Todos têm, hoje em dia, um família desestruturada, pais separados ou qualquer outro tipo de problema corriqueiro. Porém, mesmo o aluno que não têm esses tais problemas em casa apresenta problemas na escola. Então é preciso rever as causas disso", afirma.

Miriam Abramovay, pesquisadora da Unesco, afirma divergir completamente do posicionamento de quem acredita que há uma exposição exagerada do tema. "Eu acho que a violência escolar é um escândalo. Nós demoramos cinco anos para trazer esse assunto á tona. É preciso divulgar e falar sim que existe droga dentro das escolas, existem armas, as gangues estão presentes assim como a violência simbólica. Quanto mais se discute e divulga esse assunto é benéfico para tentar encontrar as soluções", afirma a pesquisadora.

Patrulha Escolar apreendeu 16 armas este ano

Desde fevereiro do ano passado, a Polícia Militar, em conjunto com a Secretaria Estadual de Educação, está desenvolvendo o programa Patrulha Escolar Comunitária (PEC). Desde então, além de ter se aproximado da comunidade escolar, a PM realiza operações constantes para verificar se alunos estão indo armados para a escola ou ainda usando drogas. Só este ano, até o último dia 10, a patrulha já apreendeu 16 armas com alunos dentro das escolas. De 1.º de janeiro até 3 de junho, haviam sido apreendidas nove armas. Em apenas uma semana de trabalho intensificado, o número de armas apreendidas quase dobrou. De acordo com o capitão Vanderley Rothenburg, coordenador do PEC, o aumento no número de armas encontradas nas escolas em poder dos alunos não significa necessariamente que a violência está aumentando. "Isso é decorrente da intensificação do trabalho. Mas podemos afirmar que antes da patrulha começar a agir, os professores enfrentavam uma realidade completamente diferente. Hoje essa realidade mudou e o pavor não impera mais entre os professores", afirma.

Desde o início das atividades, a patrulha já realizou operações em 166 colégios estaduais de Curitiba, 178 da Região Metropolitana de Curitiba e 288 do interior do Estado.

Enquanto o poder público tenta fazer a sua parte, organizações da sociedade também ajudam como podem para mudar a realidade escolar. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelo Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDEHA). José Luiz Ventura Leal, coordenador de projetos do instituto, explica que atualmente estão sendo desenvolvidos dois programas que visam minimizar os efeitos da violência. O primeiro é o Arte da Paz, que procura desenvolver a cultura da paz entre os alunos, utilizando para isso elementos da cultura hip hop.

Outro programa do IDDEHA é o Escola Participativa Construindo Segurança. Neste, são mobilizadas lideranças da comunidade que são capacitadas através de oficinas práticas e teóricas. O objetivo é, ao final do trabalho, conseguir elaborar um plano de ação para resolver os problemas enfrentados pela comunidade. (SR)

Voltar ao topo