O cego e a inclusão

A inclusão social introduz novo modelo no processo de conquistas, por parte das pessoas portadoras de deficiências – PPD. Diferentemente dos apedrejamentos de crianças nascidas com algum defeito físico, na Idade Média, e da esterilização, praticada do século XIX até o início do século XX, os direitos humanos começaram a ser valorizados, depois da Segunda Guerra Mundial, com a igualdade de oportunidade, com direito à participação na vida social e à sua conseqüente integração escolar e profissional. Atualmente não se aceita que alguém chame o cego de ceguinho, por exemplo, pois essa palavra exprime preconceitos.

Na verdade, a sociedade vive a transição entre a integração social e a inclusão. A integração tem sido o esforço de inserir na sociedade as pessoas portadoras de deficiência, mas elas deveriam, de alguma forma, superar as barreiras físicas. Para a socióloga Marta Gil (2002), o conceito de inclusão é um processo de mão dupla: as sociedades e os segmentos, até então excluídos, buscam soluções alternativas para a igualdade dos direitos, por meio dos princípios: a aceitação e a valorização da diversidade; o exercício da cooperação entre diferentes e a aprendizagem da multiplicidade.

No caso do cego, no Brasil, é importante lembrar que, embora o Decreto N. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, considere pessoa com deficiência visual aquela que tem “acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20 (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas as situações”, existem diferentes gradações, inclusive a cegueira total, e existem também diferentes discriminações sociais.

Em entrevista, Leomir Barbosa Bill, cego desde os três anos, residente em Curitiba-PR, graduado em Fisioterapia e Letras, cursando especialização em Gestão de Qualidade na Educação pelo IBPEX-Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão, diretor da Escola de Educação Especial Professor Osny Macedo Saldanha e da Escola de Educação Especial Professor Orlando A. Chaves, mantida pela Adevipar – Associação dos Deficientes Visuais do Paraná, fala de dificuldades e de projetos:

Jorge:

Quais as dificuldades encontradas?

Bill:

Falta de recursos humanos, financeiros e de cursos de atualização.

Jorge:

O Estado tem ajudado?

Bill

: O Estado contribui com convênio de amparo técnico: com a cedência de professores e com verbas para a contratação de outros professores.

Jorge:

As leis referentes à educação de pessoas portadoras de necessidades especiais promovem a inclusão social do cego, no Brasil?

Bill

: Está servindo mais como ponto de apoio, não para inclusão. Na nossa escola, há mais de trinta anos, temos pessoas estudando no ensino comum, chegando, inclusive, às universidades. Não podemos esquecer de salientar que temos um professor que saiu de nossa primeira série e hoje é professor da Universidade Federal do Paraná, professor Paulo Ricardo Ross, o que comprova a eficiência da nossa escola. Acho que ela é fundamental para a educação inclusiva. Se o aluno não tiver esse início, terá muita dificuldade para ter uma seqüência.

Jorge:

Como o cego é considerado pela sociedade?

Bill:

Acho que as pessoas ainda não têm certeza daquilo que vêem. Hoje em dia os cegos já trabalham, estudam, andam sozinhos pelas ruas, e tudo isso pode ser observado pela sociedade. Já melhorou bastante, mas ainda falta muito para a sociedade considerar o cego como pessoa.

Jorge:

Você sente muita discriminação?

Bill:

Discriminação e, muitas vezes, falta de reconhecimento, falta de ser compreendido enquanto ser humano.

Jorge:

O que está faltando no seu ponto de vista?

Bill:

Está faltando apoio na estruturação da nossa escola e continuidade nesse modelo de atividade. A legislação do País não observa as dificuldades específicas das deficiências, ou até mesmo das classes sociais em desvantagem, que, na verdade, vão continuar em desvantagem se não houver um programa social antes do educacional. O Estado, por exemplo, não oportuniza às pessoas cegas funções de relevância. Você nunca viu um cego ser convidado para participar da Secretaria da Educação e, principalmente, na área visual.

Considerações

– É importante observar que a inclusão do cego em escolas regulares precisa ser preparada com a capacitação dos professores, da comunidade escolar e, sobretudo, do próprio aluno com deficiência visual ou cegueira, por meio da promoção de reuniões para discutir dificuldades, contar com material bibliográfico de apoio, convidar pais de alunos com deficiência visual ou cegueira para dar depoimentos, lembrando que as informações chegam até essas pessoas por dois canais principais: pela linguagem e pela exploração tátil, que envolve especialmente as mãos.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva

é pesquisador, especialista em Metodologia do Ensino de História e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail: queirozhistoria@terra.com.br  

Voltar ao topo