José de Anchieta: homem de letras, de ação e de Deus

Embora José de Anchieta tenha nascido “bem longe das nossas florestas, sob um céu sempre azul”, sua vida transcorreu, durante 44 anos, em terras brasileiras. Seu torrão natal foi Tenerife, nas Ilhas Canárias, razão do seu apelido “Canário das nossas florestas”.

Anchieta nasceu a 19 de março de 1534. Entrou no noviciado da Companhia de Jesus em Coimbra, onde aprendeu “em tudo amar e servir”. Por razões de saúde, foi enviado para o Brasil, tendo chegado em 13 de julho de 1553, integrando a comitiva de Duarte da Costa, 2.º governador-geral do Brasil. Seu apostolado esteve ligado aos principais acontecimentos da época, tendo participado da fundação de São Paulo e da reconquista do Rio de Janeiro. “Aqui tu vieste, aqui tu morreste, tu és do Brasil, brasileiro tu és.” (D. Aquino Correia)

Anchieta é brasileiro porque encabeçou um apostolado de duras refregas. Assumiu todos os encargos que a obediência lhe impôs entre os brancos e índios. Tanto assim que, na consciência do povo, Anchieta tornou-se um símbolo nacional. Será inútil pretender limitar o halo de sua glória, com que sua figura aparece iluminada, não só pela veneração dos brasileiros, mas também pelo brilho do Cruzeiro, testemunha ocular do zelo e abnegação com que este humilde filho de Santo Inácio de Loyola realizou suas tarefas em favor da pátria adotiva.

Fundamentalmente, as causas deste fenômeno missionário podem ser reduzidas a três aspectos: Anchiete foi homem de letras, homem de ação e homem de Deus.

a) Homem de letras. Durante mais de 7 anos, o jovem missionário ensinou no Colégio de Piratininga, na formação de jovens jesuítas. Poeta, externou seu estro no poema, dedicado à “Virgem Maria, Mãe de Deus”, escrito em latim. Nos 5.786 versos, o prendado jesuíta mostra sua alma contemplativa perante a grandeza e os privilégios da mãe de Deus. Outro poema de vulto foi dedicado a Mém de Sá, fundador inicial da cidade do Rio de Janeiro e moderador da nossa primeira história.

Neste último poema, de 3.050 versos latinos, Anchieta canta feitos heróicos e as virtudes cristãs e cívicas que ornaram Mém de Sá na difícil defesa e administração do vasto território brasileiro. Além desses dois poemas, Anchieta reúne num “Livrinho de poesias” grande produção literária lírica e dramática. São conhecidos os Autos de São Lourenço, de São Sebastião e de Santa Inês, todas representações teatrais para transmitir aos índios a fé e o heroísmo daqueles santos. Nas suas cartas, escritas aos superiores de Roma, informa sobre a Companhia de Jesus no Brasil, a vida dos padres ilustres e feitos mais importantes da missão evangelizadora dos jesuítas, os quais seriam a fundação de São Paulo, hoje trepidante centro da América Latina, e a reconquista da cidade do Rio de Janeiro. Por tudo isso, Anchieta continua sendo considerado o fundador do teatro e da literatura nacional.

b) Homem de ação. Não se pode reduzir a poucas linhas a maravilhosa obra do “Apóstolo do Brasil”. Título que resume o preito e a gratidão de um povo agradecido a seu pai espiritual, evangelizador e mestre incansável, varando noites inteiras para minorar as arestas da catequese e da liturgia, pela falta de textos apropriados.

Dedicando-se à evangelização do Brasil até o último dia de sua vida, Anchieta compôs Diálogos para as coisas da fé, Instrução para confessar e Ajudar a bem morrer. Onde quer que estivesse, apaziguou discórdias, remediou necessidades, evitou crimes, atraiu as pessoas à prática da religião e concorreu decisivamente para a moralização dos costumes domésticos.

Resumindo, na complexa história do Brasil, sua evangelização ocupa lugar de destaque na formação moral e religiosa da sociedade colonial. Foi a fé cristã que plasmou a cultura nacional de tal forma que a nossa história se torna incompreensível sem uma referência aos acontecimentos, que caracterizam o primeiro período da nossa evangelização e da própria história do Brasil.

c) Homem de Deus. O que mais atraiu o povo foi a santidade de Anchieta, revelada no esplendor de suas virtudes, despojamento total em favor dos pobres índios e escravos, sua paciência nas privações e nos trabalhos, formando um florilégio das virtudes que ornam este beato missionário.

Sua intensa vida de oração e penitência, verdadeiro manancial de graças, eis o testemunho de mais de 200 pessoas a atestar que José de Anchieta é santo e merece com sobras ser chamado “Apóstolo do Brasil”. Podemos afirmar que seu zelo missionário muito contribuiu para o lançamento dos alicerces e cimentação da unidade espiritual e moral do Brasil.

Vendelino Estanislau

é filósofo, teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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