Homens separados assumem criação de filhos

Quando a filha de 14 anos veio morar com o comerciante André (nome fictício), ele teve dificuldades em lidar com a logística da casa. Vieram dúvidas de como tratar essas “coisas de meninas”, que envolvem compra de roupa, absorventes, levar ao ginecologista e até mesmo o tempero usado na comida. Depois de cinco anos o filho – que na época estava com 9 anos – também veio dividir o mesmo espaço, e novos conflitos surgiram. Hoje, André afirma que formou uma família, e acredita que se tivesse a figura da esposa, não teria vivido intensamente a relação com os filhos.

Essa experiência de André está se tornado cada vez mais comum nos dias de hoje, em função do grande número de separações. A mudança de papéis e da própria cultura está sofrendo alterações, diz a psicoterapeuta sistêmica de família e casal e mediadora de conflitos familiares, Josete Cesarina Túlio. “Os papéis dentro do casamento começam a ser definidos desde a criação desse casal, quando a mulher fica com a incumbência de proteção e criação, e ao homem fica determinado o poder financeiro”, comenta. Segundo ela, o que vem acontecendo hoje é uma lenta transformação, onde meninos e meninas estão sendo criados com igualdade. Mas o reflexo dessa igualdade só vai ser possível analisar daqui a alguns anos.

De acordo com a psicoterapeuta de família Maria Luiza Vieira Fava, existe um estudo que indica que a dor da separação é a segunda maior depois da morte. “E a essa dor sempre vêm agregadas as frustrações de um projeto”, diz. Quando dessa relação quebrada ainda existem filhos, as dificuldades são maiores. O comerciante André acabou procurando apoio psicológico em função do comportamento do filho. “Devido as suas insatisfações e conflitos, ele começou a ter problemas na escola”, comenta, acrescentado que depois do filho, ele também iniciou uma terapia.

Essa decisão, avalia, foi muito importante para toda a família, já que assumindo as funções do pai e mãe na casa, não tinha com quem trocar idéias e dividir as aflições. “A terapia me ajudou muito com eles, pois trabalhei minhas inseguranças, refletindo qual era a hora de deixar sair sozinho, ir a festas, entre outras decisões”, comentou. Segundo Josete Túlio, assumir os dois papeis na criação dos filhos é difícil, mas fundamental para quem assume essa responsabilidade. Ela comenta ainda que existem estudos que indicam que a criança vinda desse ambiente monoparental, acaba crescendo com mais maturidade.

Tranqüilo

O cartunista Marco Jacobsen acredita que não precisou de grandes adaptações na sua vida quando assumiu a criação da filha Yasmin, de 9 anos. “Quando ainda estava casado, trabalhava meio período e ficava muito tempo com ela em casa”, comenta. Jacobsen acrescenta que as principais preocupações depois da separação foram os aspectos psicológicos da menina, tendo cuidado para não mimar ou dar uma atenção excessiva. Ele disse que sentiu dificuldades quando teve um segundo relacionamento, e precisou administrar o ciúme. “Afinal, eram duas mulheres e tive que administrar a atenção para as duas”, afirmou.

O ciúme também foi um sentimento que o comerciante André enfrentou. A filha foi morar com ele quando estava vivendo um segundo casamento – que acabou não dando certo. “Isso foi difícil. Dá vontade de pedir para parar o ônibus e dizer que vou descer”, brinca. Superada essa fase, André afirma que hoje não tem mais espaço na sua vida para uma esposa. “Eu já tenho a minha família, meus filhos, e para o futuro, quem sabe, apenas uma grande amiga, com quem possa passar bons momentos, porque os maus eu já passei”, comentou.

Para André, experiências iguais à dele estão se tornando comuns. Ele garante que não é fácil, pois ainda sente algumas dificuldades diante da sociedade “convencional”, como nas reuniões na escola, por exemplo, “onde as mulheres andam em grupo e ficam com receio quando um homem se aproxima”. Porém, avalia que nunca teria vivido o relacionamento tão intenso com os filhos se estivesse em um casamento, já que dividiria ou suprimiria as tarefas. “Além disso, eles não me deixam envelhecer, porque estou me atualizando o tempo todo”, finalizou.

Site discute soluções

Mostrar que o pai pode exercer bem o seu papel na parentalidade e ser um bom companheiro no relacionamento com os filhos. Esse é o objetivo de um portal na internet criado por um grupo de pais separados. O site quer discutir e propor soluções para o problema do distanciamento com os filhos após a separação do casal.

O site PaiLegal foi criado pelo analista de sistemas Paulo Habl. A idéia surgiu quando Habl sentiu desejo de melhorar o seu relacionamento e conviver com o filho – que na época tinha 3 anos – após sua separação. “Morávamos na Inglaterra e, com a separação, minha ex-mulher voltou para o Brasil e trouxe nosso filho. Naquela época, eu já me questionava por que o filho deveria ficar sempre com a mãe. Por estar despreparado como cidadão, eu aceitei as condições impostas no divórcio que se seguiu, pois acreditava que com o diálogo seria possível ultrapassar as barreiras impostas pela lei. Também voltei ao Brasil para morar próximo dele, mas mesmo estando a cinco minutos de sua casa, pouco consegui, além de vê-lo conforme as tradicionais e burocráticas visitas quinzenais”, conta.

Segundo Paulo Habl, a idéia do site é defender o “direito de ser pai enquanto também se promove a melhoria de sua qualidade”. O portal oferece informações que vão desde como melhorar o relacionamento entre pais e filhos, até o debate da guarda compartilhada, do ponto de vista psicológico, psicanalítico, jurídico e social. Além disso, o site tem um grupo de discussão onde profissionais e pessoas leigas trocam informações, experiências e principalmente auxiliam-se mutuamente.

O público alvo do Pai- Legal são os pais, mas 35% dos visitantes e associados são mulheres. A equipe do site é formada por profissionais como advogados, sexólogos, escritores e médicos, que contribuem com artigos informativos. O site pode ser acessado pelo endereço www.pailegal.net.  (RO)

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