Histórias que despertam a curiosidade

Dona Maria Ladi de Souza Schamberg nasceu em 6 de abril de 1934. Hoje, aos 71 anos, ainda na ativa, revende lingerie e cosméticos, mas até chegar aqui, ela conta que deu muita aula no interior de Guarapuava, lidou com ferro-velho em Curitiba, enquanto criava os oito filhos, trabalhou no cais do Porto de Paranaguá e lá aplicou muita injeção.

"Em 1964, como eu tinha curso de primeiros-socorros, na Santa Casa de Paranaguá, eu saía dando injeção no povo. Era uma época que para qualquer gripe, qualquer coisa, era receitada penicilina. Enfiava a criança no meio da perna e aplicava a injeção. Ninguém morria por isso. Mas a criançada tinha medo de mim. Alguns nem passavam em frente à minha casa", conta.

Dona Ladi é de Joinville, em Santa Catarina, onde foi a primeira moça a estudar à noite. "Fiquei, Nossa Senhora, mal falada. Falavam que eu era à-toa, que andava atrás de homem. Que eu era namoradeira – isso eu era -, mas a gente não era boba", lembra.

Altevir Lopes, 72 anos, também relembra de seu passado com nostalgia. "Há várias maneiras de se contar uma história. Tem gente que marca por datas, nomes, detalhes. Eu guardo o conjunto. Sou avesso a datas, tanto que a única vez que repeti de ano foi no segundo, em História", conta. Muito além de datas, nomes, rostos e lugares, uma longa vida reúne sabedoria, experiência, memória preservada, e traz saudades. É toda essa carga que as boas e velhas histórias transmitem ao serem contadas e recontadas por quem as viveu. É a história oral, do narrador clássico.

Além de prazer para quem ouve, ao contar um momento especial, que jamais volta, a pessoa o revive e também se satisfaz. "Quando chegam à terceira idade, as pessoas têm bagagem traduzida em palavras. Se revive o momento com alegria. Geralmente essa pessoa tem uma série de doenças e, ao contar uma história, é carregada de energia. A catarse, isso faz bem, é a transferência do que está dentro dela", explica o médico geriatra Paulo Luiz Honaiser. Além de grandes fontes de história, o médico afirma que os idosos são fontes de equilíbrio. "Eles conhecem o que não conhecemos. Têm o que contar. Têm história. São pessoas que representam épocas. Por sua experiência, o idoso é o que equilibra a família", afirma.

Fatos históricos

Nascido no Pará, onde ficou até os 14 anos, ?seu? Armando Mello, com quase 80 anos, lembra bem, e faz questão de contar, dos tempos de guerra. "Meu pai, na época, era funcionário do Ministério da Fazenda, e foi transferido para o Sul, então embarcamos no navio. No último dia em Recife, 21 de abril de 1945, ninguém podia desembarcar, era regime de guerra, às 15 horas deu apito e o navio de guerra da Bahia nos acompanhou até altomar. Seguíamos ao Rio", lembra-se Armando. Mas as histórias que ele mais gosta de contar são as da época em que seu pai era reservista naval. "Prefiro contar as aventuras do meu pai lá no Pará. Eu tinha uns nove, dez anos, quando ele participou da repressão ao exército quando os soldados se rebelaram, o chefe da rebelião era Ismaelito de Castro", lembra-se. 

Resgatando os valores de uma época

"Não se trata de restaurar uma moralidade perdida ou algo assim. Os valores recebidos nessas histórias são valores de uma época. A forma pela qual as pessoas viviam aquele seu presente, como viveram aquele fato. Mais do que boas recordações, são memórias que não se perdem", afirma o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Adriano Codato.

De acordo com o professor, a história trabalha com fragmentos do passado que, sem a existência de um local que condense os fatos, seria como um quebra-cabeça. A história oral tem uma importante participação no juntar das peças.

"É importante preservar porque essas coisas tendem a desaparecer. A importância da história oral é que as pessoas não têm meios de registrar toda essa memória, não escrevem, não imprimem. Não se trata da verdade sobre os acontecimentos, mas um ponto de vista. O passado é constituído de múltiplos pontos de vista. E contar história é dar voz para quem não teve voz na história oficial, que é contada a partir da visão da elite", explica o professor Codato.

A história oral, e as experiências de pessoas com histórias, longas e cheias de conteúdo, são elementos com os quais o professor da UFPR trabalhou, e uniu, para fazer o livro que será lançado ainda este ano. Com o título Velhos Vermelhos: memórias e histórias dos dirigentes comunistas no Paraná, Adriano Codato reuniu os depoimentos de dez pessoas que participaram da organização do partido no Estado, desde 1945 até 64. "É uma espécie de testemunho de como eles viveram o período e as dificuldades de se criar um partido comunista, na clandestinidade. Muitos depoimentos entram para a história", conta.(NF)

Flamengo, guerra e Getúlio Vargas

"Eu tenho uma grande paixão na minha vida, o Flamengo. Quando acabou o Andaraí, eu passei a acompanhar todos os jogos do Flamengo, até hoje", afirma a simpática Áurea Bastos, de 77 anos. Sobre esse antigo clube, o Andaraí,  dona Áurea se lembra muito bem e afirma ter saudades até hoje. "Em frente à vila onde eu morava, a Vila Isabel, lá no Rio de Janeiro, tinha um clube, o Andaraí, onde todos que jogavam eram conhecidos. No dia que eu nasci, era um domingo, foi um acontecimento, o clube empatou com o América, que era um grande clube", conta.

Carioca, dona Áurea viveu na capital fluminense quando era distrito federal, por isso boa parte das lembranças de infância são também histórias que complementam aquelas que muita gente estudou.

 "Na época de Getúlio, em 1938, os alunos da escola primária se reuniam no campo do Vasco para aplaudir os discursos políticos e cantar aquele monte de hinos. E lembro quando Getúlio mandou incendiar as bandeiras dos Estados, lá no campo, e criou o estado Novo. Para nós, que éramos criança de nível médio e baixo, era divertido. Ia um bonde especial nos buscar na escola e, chegando lá, ganhávamos refresco, lanche, cantávamos. E sabe quem era o nosso coordenador de canto? O maestro Villa-Lobos", lembra-se muito orgulhosa.

Essas não são as únicas memórias que dona Áurea preserva e conta a filhos e netos. Como muitos da mesma idade, ela passou por uma guerra e sabe o que isso significou. "Gente da minha idade tem muita história para contar. Ainda ontem eu estava comentando, que aqui mesmo no Brasil, durante a guerra, a gente corria atrás dos caminhões para pegar coisas que estavam em falta. Até carne de baleia nós comemos naquela época", lembra-se. (NF)

Muita aventura e adrenalina na profissão de bombeiro

A profissão, por si só, já é uma aventura. Nascido em Curitiba, Altevir Lopes, de 72 anos, desde criança tinha o sonho de ser bombeiro. Hoje, aposentado, com 30 anos de carreira, se enche de satisfação ao contar algumas das histórias de sua memória aventureira. Por conta da atividade, ele já morou em Londrina, Rio de Janeiro, Brasília e Manaus e, até passar um ano em uma base americana no Canal do Panamá, ele passou.

"Na minha profissão é um turbilhão de atividades. Me apresentei numa terça-feira e na quarta estava escalado para chefe de socorro, sem experiência, e o meu primeiro atendimento foi às 15h30, na empresa da Mate Leão, um incêndio de mate. Nunca esqueci. Gravei porque já fui com a intenção de ser um bom profissional, na prática", lembra-se.

Altevir é da primeira turma da academia de Polícia Militar (PM), com formação específica para bombeiro. Foi o primeiro coronel bombeiro militar. Ele criou o serviço de busca e salvamento dos bombeiros de Curitiba, e também os salva-vidas, que até então não havia. "Já passei 17 dias na Serra do Mar, atrás de um caminhão que caiu. Cansei de remover pessoas da Praça Zacarias, com as constantes enchentes que aconteciam naquela época. Teve aquele avião que caiu aqui perto, com políticos conhecidos", conta.

"Quando o obscuro acontece, ninguém sabe quem chamar, chama o bombeiro. Por essa mania de chamarem bombeiros para tudo, eu já era primeiro-tenente, lá da Rui Barbosa, e um cidadão me chateou tanto, até que fui. Havia uma cobra enorme em cima de uma árvore. Coloquei uma lona preta no chão e com o croque (uma espécie de gancho) derrubei a cobra e amarrei a lona", conta Altevir. (NF)

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