Desvendando os limites da intimidade

"Isso é muito íntimo." "Eu não te dei liberdade." Essas são frases bastante utilizadas quando o assunto em questão é intimidade. No entanto, será que é possível definir o conceito – tão pessoal – de uma maneira ampla? Quais são os limites de cada um e o que cada pessoa preserva? Isso seria a intimidade? O dicionário define intimidade como sendo "qualidade de íntimo" e relaciona a palavra íntimo às palavras "interior", ?confiança? e "âmago". A equipe de O Estado procurou um "profissional do divã" e diversos curitibanos para ficar mais íntima do tema.

"Intimidade é o que você preserva e não quer que o outro tenha acesso, um segredo. Já privacidade é o que você constrói às vezes para proteger a intimidade. É extremamente saudável manter esse limite. Independente da relação que se estabelece (afetiva, familiar, de amizade), você deve preservar a sua história, a sua intimidade", explica o psicólogo Alan Galleazzo.

Foto: Aliocha Maurício/O Estado
Andréa: "Minha privacidade não gosto que invadam".

Segundo Galleazzo, o conceito muda ao longo do tempo e varia de acordo com alguns fatores. "A intimidade varia de pessoa para pessoa, de acordo com cultura, idade, educação e como a maneira de lidar com o conceito de invasão", afirma. Ele cita alguns exemplos e diz que o excesso de zelo pela intimidade pode ser patológico. "Tem gente que não permite abraço e toque, alegando serem esses atos muito invasivos. O excesso pode ser considerado doença, a partir do momento que limita as relações sociais e atrapalha as atividades", explica.

Intimidade

O operador de telemarketing Carlos Eduardo Tombely, 26 anos, fala de coisas que considera íntimas e de que tipo de invasão ele não gosta. "Não gosto que ninguém mexa no meu celular. Acho que é um particular meu, assim como meu guarda-roupa e minhas gavetas", conta. Ele mora com amigos, situação esta que afirma ser preciso respeitar os limites. Quando questionado sobre a própria intimidade, ele diz que quando tem um problema bem pessoal não gosta de dividir com ninguém, sejam amigos ou namorada. "Intimidade é uma coisa que só eu tenho acesso", conclui.

Foto: Ciciro Back/O Estado
Carlos: "Não gosto que mexam no meu celular".

"Intimidade é o que eu gosto, o que eu não gosto, quem eu gosto e quem eu não gosto. É o que é meu, íntimo. Eu tenho o meu espaço e minha privacidade, que não gosto que invadam. Quando eu quero ficar quieta em um canto, é um momento íntimo, quebrar isso é invasão", comenta a dona-de-casa Andréa Zechineli, 33 anos. Casada e com duas filhas ela diz que abre sua vida até um limite. Segundo Andréa, até na vida do casal isso dever ser respeitado. "O diálogo e a autenticidade fazem manter esses limites na vida a dois", sugere.

O palhaço Carlos Roberto Teles, 29 anos, mora com os pais e admite que tem um segredo que guarda muito bem guardado e que faz parte de sua intimidade, que não abre a ninguém. Noivo, em breve estará casado, mas já define bem os limites a serem respeitados nele. "Meus DVDs, CDs, são meus e não gosto que ninguém tenha acesso. Acho que são coisas íntimas e fazem parte dos meus momentos. Outra coisa que não acho que deve ser invadida, pelo caráter íntimo, é o quarto do casal. Sou um palhaço, estou sempre rindo, mas todos têm sua intimidade, o pessoal", alerta.

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Anne adora saber da intimidade dos outros.

A estudante Anne Caroline Aureliano, 17 anos, também mora com os pais. Ela diz que adora saber da intimidade dos outros, dos detalhes, mas questionada sobre a própria intimidade muda de opinião. "Não gosto quando os meus pais ficam querendo saber das minhas coisas, principalmente meus relacionamentos. Às vezes eles invadem o meu espaço e eu fico muitos triste", comenta.

Polêmica

Sobre a questão de "invasão", que gera muitas discussões, das empresas que têm acesso ao e-mail dos funcionários, o psicólogo Alan Galleazzo comenta que "não se trata apenas de controle de informação, mas de saber o que o funcionário pensa, ou seja, muitas vezes esse mecanismo é uma maneira de descobrir o íntimo e saber a essência da pessoa". "O ser humano é curioso. Por que quer a intimidade alheia, para quê saber o segredo do outro? Prazer e poder seriam as respostas", conclui.

"Bom senso deve servir como medida"

Para a advogada Camille Jimene, a linha que cerca o tema privacidade, no âmbito corporativo, é bastante tênue. A Constituição Federal traz, no inciso X do artigo 5.º, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". O inciso XII do mesmo artigo traz que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas salvo, no último caso, por ordem judicial". Portanto, em ambiente de trabalho, o que considerar privacidade?

"O bom senso deve servir como medida. Se estamos dentro da empresa, em horário de trabalho, usando a internet paga pelo empregador como ferramenta de trabalho, nada mais coerente do que não existir expectativa de privacidade ao utilizá-la. A cultura do usuário deve mudar, da mesma maneira que usamos trajes mais sóbrios durante a jornada de trabalho e roupas mais confortáveis aos finais de semana", responde a advogada, especialista no tema.

Em relação à punições previstas, Camille explica que o Código Civil define, no artigo 186, "que o ato danoso também pode ser moral". O artigo 927 continua e determina que "aquele por ato ilícito causa dano a alguém, fica obrigado à repará-lo". "Desse modo, se a pessoa sentiu sua privacidade invadida, culminando em dano moral, ela pode pleitear indenização. Os tribunais têm entendido da seguinte maneira: privacidade do uso do e-mail em âmbito corporativo não há, mas o empregado deve ter ciência inequívoca disso; já privacidade do uso da imagem na internet, recentemente, houve decisão do Tribunal condenando uma rádio que publicou fotos do radialista no site da empresa, com máscaras de palhaço e de monstro. Nesse caso, entendendo que existiu sim danos morais, pois o uso da imagem da pessoa é uma questão de privacidade", conclui Jimene.

Respeito às individualidades psicológicas

A psicóloga jurídica Marina Elly Hasson trabalha no Tribunal do Júri de Curitiba e acompanha principalmente casos de homicídio, atende tanto o réu quanto a família da vítima. Na área em que atua, ela diz que a preservação do limite psíquico e pessoal é fator determinante. Ela conta que nesse tipo de crime, como em outros, a família da vítima não teve o limite respeitado e sofre por isso. No entanto, do réu geralmente não é considerada a intimidade, o que o levou a cometer o crime.

"É muito importante trabalhar com os limites de cada ser humano. Você deve respeitar o psicológico do indivíduo que, estando bem, não vai apresentar nenhum comportamento ou atitude antisocial", explica Marina. Ainda de acordo com a psicóloga, vivemos em sociedade, já cheia de limites pré-definidos.

"Por exemplo, eu sei o que gosto de fazer e o que me faz bem, se eu não respeitar isso eu não ficarei em paz. É preciso me conhecer muito, saber quem eu sou e, com isso estar bem, antes de poder estabelecer uma boa relação com os outros", alerta a psicóloga.

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