Conflito agrário denuncia situação dos índios guaranis na Bolívia

A resistência dos produtores agropecuários obrigou o governo boliviano a declarar uma pausa no processo de redistribuição de terras no sudeste do país, região do Gran Chaco, composta pelos departamentos (estados) de Santa Cruz, Tarija e Chuquisaca, mas colocou novamente em evidência o regime de servidão em que vivem milhares de indígenas guaranis.

"Vamos fazer uma pausa para acalmar os ânimos e esperar alguns dias para que se restabeleça a compostura para iniciar um diálogo e continuar com o trabalho", disse a ministra do Desenvolvimento Rural, Susana Rivero.

O anúncio foi feito após o violento enfrentamento, neste domingo, entre produtores rurais e uma missão de índios guaranis chefiados pelo vice-ministro de Terras, Alejando Almaraz, que tentaram entrar na cidade de Cuevo, em Santa Cruz, para ultrapassar o bloqueio dos agropecuários e entrar em sua comunidade, mas foram expulsos pelos produtores.

No entanto, mesmo após a declaração oficial, os produtores agropecuários não interromperam o bloqueio às vias de acesso à Argentina e Paraguai, que impede o trafego de dezenas de veículos transportadores de cargas. "Continuaremos em estado de emergência, porque tememos que o governo tente entrar em nossas terras novamente", declarou por telefone o presidente a Associação dos Produtores Agropecuários, Javier Antúnez.

Segundo os produtores, o governo pretende criar na região do Chaco, onde 23% da população é guarani, um território indígena para controlar as reservar de hidrocarbonetos locais, assim que entrar em vigência a autonomia para os povos originários do país.

O governo do presidente Evo Morales, por sua vez, afirma que seu objetivo é solucionar o drama dos índios guaranis que vivem em regime de servidão em propriedades rurais da região.

Segundo um informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2005, "o caso do Chaco (boliviano) é o mais dramático de trabalho forçado na região andina" e "trata-se de um sistema onde os trabalhadores indígenas guaranis trabalham sob um regime servil e algumas comunidades estão presas no interior de grandes fazendas agrícolas ou pecuárias, onde são utilizados meios (de controle) violentos".

O chefe sa assembléia do povo guarani em Tarija, Wilson Cahngaray, explicou que os proprietários rurais "impõem sua lei" para obrigar os índios a trabalhar sob um sistema de "contratos verbais de relação trabalhista".

Os trabalhadores recebem apenas moradia e comida. As roupas, geralmente usadas, são ‘entregues’ a preços determinados pelo patrão, o que gera um endividamento progressivo que descer ser pago com mais trabalho.

A jornada de trabalho "da família toda" é de 10 a 12 horas, em troca de um salário diferenciado para homens, mulheres e crianças, que varia de 12 a 5 bolivianos por dia, o equivalente a entre US$1,6 e US$0,75.

As denúncias sobre a situação dos indígenas em servidão têm mais de uma década, mas o atual conflito com os proprietários rurais, que já ocorre a mais de dez dias, trouxe o tema à tona, o que levou o fiscal geral da Bolívia, Mario Uribe, a anunciar hoje que abrirá uma investigação sobre o caso. A coordenadoria de povos indígenas de Santa Cruz pediu ao governo "mecanismos para libertar os guaranis da escravidão".

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