Com a palavra o paraninfo professor doutor Mário Braga de Abreu ( II )

Tema: Ensino Universitário e Progresso Técnico (II)

Continuação do Discurso  de Paraninfo:

?Considerando a imperiosa necessidade da conjunção Escola-Hospital-Biblioteca-Laboratório, prossegue o professor Mário Braga de Abreu?:

?Sem espírito de pesquisa, o Brasil não constituiu o ensino universitário o laboratório em seu amplo sentido de ministrar ensinamentos básicos, a fim de formar profissionais e provocar vocações de pesquisadores indispensáveis ao arcabouço científico criador e doutrinador.

Não conectou os institutos de pesquisas ao seu plano de ensino, e não prestigiou os seus cientistas, como professores; estanque o quadro destes, em normas rígidas de escolha, que nem sempre seleciona o mais capacitado; afasta, muitas vezes, os mais experientes, e não aguça, nem incentiva, o trabalho perseverante.

Não pensou em formar as suas bibliotecas, como se as conhece por muita parte, fartas e abundantes em livros e revistas, dispendiosas, mas extremamente úteis e absolutamente necessárias ao estudo, com organização acessível e incentivante. Não como um departamento avelhantado e secundário, onde se procura o que não se acha, em horas certas e inconvenientes, de modo a ficar esquecida dos que querem estudar.

Como órgão primário essencial do organismo do ensino, o seu papel preponderante exige uma organização sempre modernizada, onde todos possam saber o que por toda parte se escreve, possam ler, todos, o que cada um lê, excitar a curiosidade dos que aprendem a esclarecer, sem dificuldades, as confirmações e informações na elaboração dos trabalhos.

Não conjugou o hospital ao ensino, daquele se fazendo hóspede, sem interferir na sua direção; não padronizou a organização hospitalar, com prejuízo muito sensível da formação profissional. Os serviços isolados e dispersos entregues ao ânimo e entusiasmo dos seus chefes, mais incitavam ao didatismo subjetivo, e a nenhum trabalho de conjunto.

Influenciados pela organização francesa, para cá transportada, sem críticas nem adaptações, permaneceram as nossas formações hospitalares sem requisitos em geral, nem conforto, vivendo de favores e donativos de governos que não compreendem a essencial finalidade social e humana de um hospital e, os de maior número de leitos, subdivididos em seções mais ou menos bem aparelhadas e instaladas, conforme o prestígio para obter o que lhe parecia necessário. Nesta dispersam a incoerência, as enfermarias eram melhores ou piores se os professores dispunham de recursos colhidos por sua própria iniciativa, que aplicavam no serviço, para lhes dar melhor aparência, e possibilidades de observação e tratamentos mais adequados.

Decorre daí o escasso número que se dedica à pesquisa, porque cercado de enormes dificuldades materiais, e de preparação técnica e científica; não recebe real incentivo do meio, associando-se empecilhos à leitura de livros e revistas indispensáveis à consecução de um empreendimento maior e o impedimento, em consultas, a publicações fundamentais. A influência desta organização técnica e científica, profissional foi profunda, e explica grande parte dos nossos problemas. O nosso trabalho depende das instalações materiais e das organizações combinadas. Não se afirma, por certo, ser impossível sucessos isolados, com organizações improvisadas. Porém, a finalidade da técnica hodierna  é atingir a segurança máxima e resultados constantes, em número de conjunto.

Felizmente se esboçou, nestes últimos poucos anos, um programa de realizações, que ultrapassou um período longo de incompreensão e, por certo, terá influência decisiva no desenvolvimento futuro.

Já se sabe que a pesquisa é necessária e se procura incentivá-la; as bibliotecas surgem, embora com muitas objeções, e as escolas instalam os seus hospitais, que serão fatores de grande progresso, pelo exemplo de organização e elevada instrução. Porém, tudo se faz lento, lento demais para o mundo de hoje. Assistimos essa evolução há 25 anos, mas a idéia venceu, e os homens, de um modo geral, apesar do nosso feitio personalista, parecem mais compreensivos. É indiscutível, em sua grande maioria, em virtude da falta de recursos e da incompreensão dos nossos dirigentes, o baixo padrão dos nossos hospitais, de um modo geral, com organizações muito aquém dos recursos técnicos atuais, sem nenhum trabalho associado, e com freqüência sem norma e sem distribuição de trabalho concatenado. O hospital deverá ser ordenado como unidade, a fim de estabelecer trabalho de cooperação entre suas partes, eficiente, produtivo e incentivante, e conseguir, deste modo, prestígio científico que o torne de elevada e notória reputação nacional e internacional; e prático, em relação aos doentes que o procurem pelo seu próprio renome, como se conhecem muitos exemplos. Mister se faz, é lógico, e não será esta a primeira vez que ao fato nos referimos, e se a ele retornarmos, desta feita, é por nos parecer de primeiro plano a formação da carreira hospitalar, naturalmente entrosada ao currículo profissional. Seriam a escola e o hospital concatenados no mesmo roteiro de formação de profissionais hábeis e habilitados ao exercício prático da profissão, em sua atividade hospitalar, ao mesmo tempo conjugando, pelo seu natural preparo técnico, diariamente exercitado e aperfeiçoado, as normas do ensino, pelo exemplo e confecção de trabalhos.

Nada de novo nestas afirmações, assim é em toda parte do mundo civilizado. Não há outra maneira de formar o espírito científico, realizador, honesto e criador nas atividades clínicas. Esta idéia norteadora vai lentamente se difundindo, e algumas regiões do Brasil se aparelham embora em escala muito inferior às nossas necessidades, e sem obediência a qualquer plano geral, capaz de atingir a uma finalidade mais ampla.

As especialidades exigem um preparo geral e, por isso, só devem vir depois de um curso metódico, regular e geral. ?O especialista melhor qualificado, disse Harvey Cushing, é o homem cujos conhecimentos médicos são os mais preciosos em seu conjunto e, que, num segundo tempo, adquiriu conhecimentos especiais de certas perturbações mórbidas? (De Formestraux Congres Français de Chirurgie 1946).

Para um estudo especializado, é primordial um ambiente de técnico e material particulares, adequados ao mesmo fim, para possibilitar mais difundida e fácil orientação. Assim, é imposição formal que os organismos hospitalares disponham de serviços especiais, para preencherem a dupla finalidade de atender aos doentes, com recursos bem adaptados, e formar escolas de especialistas, capazes de determinar elevado padrão de trabalho. Deste modo, seria possível a instituição tão necessária do curso de pós-graduação, com a especialidade de escolha, ao tempo em que surgiria a nossa natural valorização, e o estágio no estrangeiro seria útil, mas dispensável. Lembra Calvin Smith Jor, em alocução pronunciada perante a Academia de Cirurgia de Filadélfia (Anales de Cirurgia 807 vol. 4 1945 ). Aspectos do mesmo problema nos Estados Unidos, em princípios deste século, com muita semelhança aos nossos ainda atuais. Mas lá não houve conformação e, se não se empreendeu a oficialização, como em tantos países europeus, nos moldes de seus próprios órgãos de Estado, provocou-se, de livre iniciativa, um alto padrão de ensino universitário, cuja seleção se fez pelos seus próprios valores, na imposição de requisitos exigentes de estudo, de padronização técnica alta e seleção natural pela competência.

Os resultados práticos dessas iniciativas são evidentes por si mesmos, pois transformaram um país onde se aprendia no alheio, e só o alheio tinha valor, em algumas décadas, num dos maiores centros de ensinamento da técnica moderna. Não se diga que a riqueza da nação teve mais influência que a organização dos seus homens e instituições. Na verdade, é fator de relevo, mas como explicar por ele só, quando se vê as instituições de países europeus, de relativos poucos recursos e organizações técnicas, até certo ponto, pobres, conservarem, pela sua sistemática organização, posto de destaque no progresso geral…?

( Continua )

Ary de Christan – Membro Fundador da Academia Paranaense de Medicina

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