Chegou a hora delas mostrarem talento

?O futuro do futebol é feminino. Por volta de 2010 o futebol feminino será tão importante quanto o masculino?. Joseph Blatter, então secretário-geral da FIFA, disse isso em 1995, durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino na Suécia. A declaração pode ter sido só para agradar, na época, mas quem a descobre nos dia de hoje garante que é profecia.

?Ele já sabia que a gente ia dominar a área?, diz Daiane de Fátima Rocha, atacante paranaense que joga no Lion, na França, e pela seleção brasileira desde os 16 anos -hoje ela tem 20.

Ela está em férias em Curitiba. Foi dispensada dos treinos com a seleção e está negociando um novo contrato com o time estrangeiro. Enquanto isso exibe para os pais os novos dotes adquiridos em seis meses de trabalho na França. Computador, uniformes, fotos… e nada disso foi mais festejado do que as aventuras da Daiane dona-de-casa.

Ela morou sozinha, no apartamento cedido pelo clube, e pela primeira vez teve que fazer compras de mercado e cozinhar o próprio jantar. ?Eu achava que meu problema seria não saber francês. Consegui aprender a língua e ainda não acerto fazer arroz?.

Daiane é boa de bola. E não é a única. Além dela há mais uma paranaense no Lion, Simone Jatobá, e muitas à espera de uma oportunidade. Segundo dados recentes da Confederação Brasileira de Futebol, o país tem cerca de 400 mil jogadoras. Bem menos que as dez milhões de americanas ou sete mil que participam das partidas na Alemanha, mas é um número bem significativo País onde o futebol já foi até proibido – por lei – para mulheres.

E para quem insiste em achar que futebol é coisa de homem fica a dica do técnico do Novo Mundo, Hamilton Rangel: ?A única coisa que existe no futebol para a gente se envergonhar é o preconceito que as moças ainda sofrem. Mas essa geração da ?Dai? (apelido da Daiane) é muito melhor. Está driblando as dificuldades e com o talento está ganhando os campeonatos e a torcida?.

Rangel tem certeza que daqui há alguns anos vai ser vergonhoso não se orgulhar dessas mulheres vencedoras – de campeonatos e preconceitos.

Revelações de Curitiba

O Paraná tem uma representante na Seleção Brasileira de Futebol Feminino Sub-20: Renata Costa. A volante, que nasceu em Maringá e joga pelo Botucatu (SP), foi convocada para disputar o Mundial da Rússia.

Ela já está com a seleção na Granja Comary, em Teresópolis (RJ), treinando para a competição que vai do dia 17 de agosto a 3 de setembro.

Essa quarta fase de preparação da equipe vai até sexta-feira, dia 7.

A paranaense fez parte da Seleção Feminina Sub-20, que conquistou o Sul-Americano do Chile, em janeiro.

Time adulto

São três as paranaenses na seleção de futebol feminino adulto: Daiane de Fátima Rocha, Simone Jatobá e Karen de Freitas Lang.

Elas estão se preparando para o Campeonato Sul-Americano, que será em novembro, na Argentina.

As três foram reveladas em clubes do futebol amador de Curitiba.

A atacante Daiane de Fátima Rocha e a lateral Simone Jatobá jogavam no Novo Mundo, antes de ir para a França. As duas foram contratadas pelo Lion.

A volante Karen Lang, começou a carreira no Vila Fanny. Hoje joga em São José do Rio Preto (SP).

Rio Bonito na fase final dos jogos colegiais

Pelo segundo ano seguido as meninas do futebol da Escola Estadual José Alves do Santos, de Rio Bonito do Iguaçu, estarão na fase final dos Jogos Colegiais. Os jogos começam nessa sexta-feira, em Curitiba.

O time da escola, que fica no assentamento Ireno Alves dos Santos, se classificou na etapa regional da competição, em maio.No ano passado elas ficaram na nona posição.

As meninas jogam em um campo improvisado no assentamento. Nos sábados o diretor da escola, que também é professor de Educação Física, comanda os treinos.

?É difícil. Têm algumas que comparecem, mas têm outras que moram a 15 km da escola?, explicou o técnico-diretor Nabor Bettega Junior.

O time deste ano tem algumas estreantes. Adriana Carla é uma delas. Ela tem 12 anos e sonha em ser jogadora de futebol. ?Quero mostrar o melhor, ajudar a equipe a vencer?, disse a menina, curiosa em conhecer Curitiba.

Paraná se destaca no cenário nacional

A maioria das jogadoras brasileiras não tem contrato e divide o tempo com outras atividades. Não existe sequer um campeonato nacional para a categoria. Nesse cenário o Paraná é destaque.

Aqui a Federação de Futebol, ligada à Confederação Brasileira de Futebol, patrocina competições e ha cerca de 300 atletas federadas.

?É um absurdo.

A gente tem tantos talentos e nenhuma ajuda da CBF. Pior é que quando eles vão convocar para a seleção brasileira precisam pedir indicação. Eu mesmo já trouxe o pessoal da CBF para ver os jogos e mostrar as nossas atletas?, desabafa Tide Wuick, diretor da Federação Paranaense de Futebol.

Esse trabalho dá resultado. Desde que a Federação instituiu o calendário de jogos do futebol feminino, em 97, mais de 40 jogadoras paranaenses foram convocadas. Numa única convocação em 99 foram nove jogadoras. Nesse ano já foram três.

A Confederação Brasileira de Futebol convoca jogadoras para as equipes sub-20 e adulta que representam o País nas competições internacionais.

Paraná

A Federação Paranaense de Futebol promove quatro competições da categoria por temporada:

O Paranaense, o Metropolitano (adulto e júnior) e o Sub-17.

No ano passado, Curitiba foi sede da Copa Sul-Brasileira de futebol Feminino, envolvendo também times de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Olimpíadas

O futebol feminino foi incluído nos Jogos Olímpicos em 1996 nas Olímpiadas de Atlanta (EUA), onde foi comemorada a 100.º Olímpiada da era moderna e também a centésima participação do futebol nos jogos olímpicos, que foi um dos primeiros esportes coletivos dos jogos.

As atuais campeãs são as americanas que venceram as brasileiras (medalha de prata) na prorrogação, em Atenas, em 2004.

Copa do Mundo

A Copa do Mundo de Futebol Feminino é a competição mais importante no futebol internacional para mulheres. Ele é organizado pela FIFA desde 1991.

A Atual campeã é a Alemanha.

A próxima Copa será no ano que vem na China.

Rodada de hoje

Hoje tem futebol feminino em Curitiba e Maringá. É a 9.ª Rodada do Campeonato paranaense. O Vila Fanny e o Jaborá jogam no estádio Ismael Gabado, na rua Coronel Vicente de Castro, 54, na Vila Fanny. O Novo Mundo vai até Maringá jogar com o Galo Maringá e o São José enfrenta o Vila Hauer no estádio Donato Gulin, Rua Hipólito da Costa, 513.

Duro é driblar o CIÚME

Foto: Evandro Monteiro/O Estado

Gabriela é atacante e organiza partidas no ?Buzatão?.

Semana passada teve jogo no ?Buzatão? – o ginásio de esportes de Almirante Tamandaré.

A torcida, masculina, ficou de olho no desempenho dos times formados por meninas entre 16 e 23 anos. De tanto jogar, as moças ganharam o direito de representar a cidade e no ano passado estrearam nos Jogos Abertos, em Guaratuba.

Idéia da estudante Gabriela Winhaski, que organiza as partidas, recolhe o dinheiro para pagar o aluguel da quadra e é atacante. Segundo ela a diferença entre o jogo de homens e mulheres é que no delas não tem cerveja, nem churrasco. ?Também não tem machismo, porque só entra menina?, brinca Gabriela, que de vez em quando precisa explicar para o namorado que não há muita gente na torcida, só os homens que esperam a vez de entrar na quadra -depois do horário delas.

As vezes dá briga – não no jogo – com os namorados. Eles morrem de ciúmes. ?Não sei se os homens têm ciúme da gente jogar ou da bola, que eles acham ser só deles?, provoca Selma Angelita, zagueira e manicure.

Preconceito faz jogadoras sofrerem de estresse

O preconceito é a principal causa de estresse entre as jogadoras de futebol. É o que mostra uma pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

?Esta foi minha primeira constatação. E é bom lembrar que o estresse emocional é prejudicial à saúde?, diz o professor Jorge Dorfman Knijnik, autor do estudo.

Dorfman lembra que saúde e esporte são direitos garantidos a todos, e eles são violados quando o preconceito gera estresse ou quando a participação da mulher no futebol é limitada.

O pesquisador escolheu futebol como tema do doutorado porque o esporte representa uma marca cultural brasileira. ?O objetivo é discutir as relações sociais de gênero numa sociedade em que existe uma comparação da mulher com o homem. E também provocar uma tomada de consciência que leve à criação de espaços esportivos não sexistas?.

Resultados

Mais da metade das entrevistadas, 57,14% das jogadoras de 16 a 21 anos e 50% entre 22 e 27 anos, apontaram o preconceito como principal causa de estresse no futebol.

A maioria também disse ter apoio da família para jogar.

O pesquisador entrevistou 33 atletas que disputaram o Campeonato Paulista Feminino de Futebol de 2004. Algumas dessas jogadoras compunham a Seleção Brasileira de Futebol Feminino que ganhou medalha de prata nas Olimpíadas de Atenas, em 2004.

Estado Novo proibiu disputas femininas

A história do futebol feminino não tem registros muito precisos. A Fifa afirma que a primeira partida entre mulheres aconteceu na Inglaterra, em 1880. Afa -federação inglesa -, discorda e diz que o primeiro jogo ocorreu em 1895.

No Brasil, em 1913, teria sido realizado o primeiro jogo com mulheres em São Paulo. Os jornais da época contam que foi um evento beneficente para a construção do Hospital da Cruz Vermelha e um time de homens – o Americano – teria enfrentado um de mulheres.

Segundo o pesquisador Eriberto Moura, da Universidade Estadual de Campinas, a partida foi anunciada pelos jornais e atraiu grande público. Mas o que impressionou o professor de Educação Física que estudou a origem da prática feminina foi a dificuldade imposta pelos preconceitos.

Proibido por lei

?As dificuldades para a mulher jogar futebol foram grandes, mas elas se tornaram ainda maiores durante o Estado Novo (período do governo Vargas entre 1937 e 1945). Nessa época o governo criou leis até para controlar a prática esportiva e impedir o futebol de ser um esporte misto ou feminino?, disse Moura.

O Estado Novo criou o decreto 3.199, que proibia as mulheres à prática de esportes considerados incompatíveis com as condições femininas. Segundo Moura, o futebol estava incluso entre eles, ao lado de halterofilismo, beisebol e de lutas de qualquer natureza.

Quando o decreto foi regulamentado pelo regime militar (1964-1985), em 1965, o futebol feminino foi proibido no Brasil. Só 17 anos depois foi revogado pelo Conselho Nacional do Desporto.

O rigor é ainda maior no Afeganistão

No Afeganistão, futebol é coisa de homem, mas as jovens jogadoras burlam o preconceito e treinam, longe dos homens. ?Não é uma questão religiosa, é a sociedade afegã. Trata-se de uma sociedade machista, ainda muito conservadora para aceitar que as mulheres se exibam em público?, afirma Ali Askar Lali, ex-capitão da seleção nacional, que nos anos 80s pediu asilo político na Alemanha.

O futebol feminino é novo no Afeganistão, e elas não podem jogar no exterior. Mas a federação nacional já existe e conta com 250 inscritas.

As atletas jogam com calça comprida. A maioria cobre os cabelos com um lenço. E não podem se misturar com os homens.

Alemãs são as melhores do mundo

O melhor futebol do mundo é o da Alemanha, ou melhor, é o das alemãs.

A equipe feminina alemã ocupa o primeiro lugar no ranking mundial da Fifa. Só para comparar: o time masculino deles é o quinto colocado no mundo, segundo a pontuação da Fifa.

Foram as próprias jogadoras que, com seus sucessos esportivos, derrubaram o preconceito e os clichês existentes. Elas ganharam popularidade vencendo os campeonatos europeus e se consagraram com a vitória na Copa do Mundo de 2003, nos Estados Unidos.

Hoje em dia, são quase 7 mil jogadoras que participam regularmente das partidas de futebol feminino na Alemanha.

Na Europa, onde os campeonatos acontecem desde 82, elas recebem salário e são aplaudidas em campo.

Campeonato europeu

No último Campeonato da Europa de Futebol Feminino, a Alemanha conquistou o título pela quarta vez consecutiva, derrotando a Noruega na final, como tinha acontecido nas duas edições anteriores.

O torneio, na Inglaterra, bateu vários recordes. No jogo de estréia (Inglaterra e Finlândia): 30 mil pessoas no estádio.

No total, 117.384 espectadores assistiram aos 15 jogos em cinco estádios do noroeste de Inglaterra, incluindo mais de 20 mil na final disputada em Blackburn.

Mais de três milhões de pessoas assistiram pela televisão a Inglaterra ser derrotada pela Suécia e se despedir do campeonato na primeira fase.

 

Mulherada dá banho nos EUA

Os americanos também adoram futebol. E lá há mais mulheres que gostam do nosso futebol – jogado com os pés – do que aquele – americano – jogado com as mãos. Nos Estados Unidos aproximadamente 10 milhões de mulheres praticam o futebol. E a maioria aprende nas escolas, em aulas de Educação Física.

O esporte é reconhecido como feminino. A final do Mundial Feminino de 1996, contra a China, aconteceu num 4 de julho (dia da Independência deles) e com 100 mil pessoas no estádio. Quem entregou o troféu às campeãs americanas foi Bill Clinton, então presidente.

Só para comparar: na final da Copa do Mundo de 94, quem entregou o troféu ao Dunga foi o vice, Al Gore.

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