Abandono de bebês: adultas são maioria

Estas foram algumas das notícias veiculadas desde o início do ano que chocaram o País. Pode até ser uma coincidência tantos casos terem aparecido ao mesmo tempo. Porém, eles escancararam o abandono de crianças e o grande número de mulheres que ficam grávidas, mas que não querem os filhos. Muitos desses bebês indesejados nem nasceram. Suas "mães" fizeram aborto, prática ilegal no Brasil. E toda essa questão não é tão simples de se resolver, pois envolve sentimentos, emoções, carência e relacionamentos.

  São as mulheres adultas que abandonam seus filhos na maioria das vezes. Nem sempre as adolescentes têm esse tipo de pensamento e tomam essa atitude, segundo a médica Júlia Valéria Ferreira Cordellini, coordenadora do programa Adolescente Saudável da Secretaria Municipal de Saúde. "A primeira dúvida da adolescente é ter o filho ou abortar. Abandonar é a última opção", explica.

O presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná, Sogipa, Fernando César de Oliveira Júnior, confirma que os casos de abandono são mais freqüentes com mulheres adultas. Ele cita uma pesquisa realizada no Hospital de Clínicas, na qual foi constatado que 58% das gestações de mulheres adultas eram indesejadas. O índice sobe para 67% nas adolescentes grávidas.

O abandono tem diversas causas. Entre elas está uma gravidez que precisava ser escondida da família, depender economicamente de familiares ou do cônjuge e a dificuldade da mãe da criança em lidar com a falta de interesse do pai com o filho recém-nascido. "Às vezes, a mãe projeta nesse filho o abandono do companheiro. O filho é facilmente relegado a segundo plano ou abandonado. A mulher mais independente consegue assumir o filho com menos dificuldades e julgamentos", aponta Júlia. De acordo com ela, as mulheres que não resolvem suas questões emocionais abandonam muito mais fácil.

Outro motivo para o abandono é ter uma gravidez indesejada na seqüência de outra. A mulher que resolve ter o filho, mas que o deixa com familiares, o abandona ou o dá para a adoção, possui mais chances de voltar a engravidar, mesmo não querendo ter filhos. "Ter o filho não quer dizer que ela aprendeu, apesar do sofrimento. Há um risco maior de voltar a engravidar nas mulheres que abandonaram o filho ou que o deixaram com as suas famílias. É importante a mulher sentir que o filho é dela. Sem responsabilidades, fica fácil e ela vai engravidar de novo", completa Oliveira.

Júlia ressalta que, por diversas vezes, já viu a família de adolescente grávida tomar a frente e tentar "assumir" a criança. "Quem não sabe, aprende. É importante acompanhar a mãe adolescente, por justamente estar aprendendo", aconselha.

10 de janeiro de 2006:
"Mãe joga bebê em tambor de lixo no interior paulista".

18 de janeiro de 2006:
"Polícia acha bebê abandonado em matagal".

28 de janeiro de 2006:
"Bebê é resgatado na Lagoa da Pampulha".

1.º de fevereiro de 2006:
"Outro bebê é abandonado em Belo Horizonte".

1.º de fevereiro de 2006:
"Mulher confessa que jogou filho recém-nascido em riacho no Rio Grande do Sul".

8 de fevereiro de 2006:
"Mulher flagrada abandonando recém-nascido é presa no Rio de Janeiro".

Dificuldades no planejamento familiar

O grande número de mulheres que engravidam e não querem o filho expõe a necessidade do planejamento familiar, programa em que a mulher é orientada a adotar um método anticoncepcional. Os mais utilizados são a pílula, o dispositivo intra-uterino (DIU) e a camisinha. "Mesmo conhecendo os métodos, muitas mulheres têm dificuldade em usá-los", destaca Fernando César de Oliveira Júnior, da Sogipa. De acordo com ele, o planejamento familiar é fundamental para evitar a gravidez indesejada, aliado aos programas de educação sexual e prevenção de doenças.

A coordenadora do programa do adolescente da Secretaria de Estado da Saúde, Eloísa Pacheco Guimarães, explica que os adolescentes sentem medo de assumir que possuem uma vida sexual perante a família. Por isso, não adotam métodos anticoncepcionais. Além disso, acreditam que nada vai ocorrer porque possuem relações eventuais.

No planejamento familiar, a mulher que procura um posto de saúde é orientada sobre prevenção de gravidez. Lá, ela recebe todas as informações sobre os métodos existentes. "Todos os métodos são esclarecidos para dar opção a ela", enfatiza Oliveira. O planejamento familiar ainda prevê a entrega gratuita do método escolhido pela mulher. "O acesso torna o processo mais fácil. Em Curitiba, isso é uma realidade. Mas existem mulheres que não conseguem comprar o método anticonceptivo e, por isso, deixam de tomar."

Entre as opções estão a laqueadura e a vasectomia. Estas técnicas são indicadas dependendo da situação socioeconômica onde a mulher e sua família estão inseridas. "É fundamental levantar a realidade socioeconômica da paciente e até aconselhar um método definitivo", esclarece Oliveira.

Oliveira ainda destaca que as mulheres podem evitar uma gravidez indesejada com o anticonceptivo de emergência, conhecido como pílula do dia seguinte. "É um método indicado para quem esqueceu de tomar a pílula ou quando a camisinha se rompeu. Tem uma eficácia de 85% e pode se utilizado até 3 dias depois da relação. Mas aconselhamos a tomar até um dia após, pois há maiores chances de prevenir a gravidez", fala. A pílula do dia seguinte é distribuída nos postos de saúde.

A médica hebiatra Júlia Valéria Ferreira Cordellini, coordenadora do programa Adolescente Saudável da Secretaria Municipal de Saúde, defende a discussão sobre prazer, responsabilidade, poderes e deveres para evitar a gravidez indesejada, além da prática do planejamento familiar. "A mulher tem que ser atendida, orientada, ter escolha e acesso. Às vezes tem o método e a orientação, mas a mulher não sabe fazer a escolha por medos ou tabus. Tem que ser um planejamento que aborde a educação sexual e também o afeto envolvido nessas situações", argumenta. A pessoa interessada em fazer o planejamento familiar pode procurar qualquer posto de saúde. (JC)

Muitas optam pelo aborto

Quando as mulheres não abandonam seus filhos, muitas cometem uma agressão contra os bebês e elas mesmas. Elas optam pelo aborto para acabar com a gravidez indesejada, apesar de essa técnica ser proibida no Brasil. As grávidas tomam remédios para abortar ou param em clínicas clandestinas. "Muitas acabam interrompendo a gravidez, mas não há estatísticas sobre isso, por ser ilegal. Utilizam medicamentos para eliminar o bebê. Isso acontece nas mulheres que possuem um projeto de vida", conta Fernando César de Oliveira Júnior, presidente da Sogipa.

A médica Eloísa Pacheco Guimarães, coordenadora do programa do adolescente da Secretaria de Estado da Saúde, indica uma pesquisa feita no Hospital de Clínicas de São Paulo que revela que 22% das adolescentes grávidas pensaram em interromper a gravidez, mas 5% realmente tentaram o aborto. "O aborto é cogitado por mulheres de todas as classes sociais."

Ao cometer atos como o abandono e o aborto, muitas mulheres alegam sofrer de depressão pós-parto. Cerca de 10% das gestantes passam por essa fase, em graus variados, segundo o presidente da Sogipa. "Nos casos mais graves, é até possível a mãe matar o bebê. Mas a depressão não pode servir de justificativa para nenhuma atitude. É uma alteração mental e precisa ser tratada", diz. Nos casos leves, a mãe sente apatia e dificuldades em cuidar do bebê. De uma maneira geral, todas as gestantes precisam de apoio no pós-parto, para que possam descansar e dormir. "Cuidar de um bebê é muito trabalhoso. Às vezes, existem dificuldades para assumir esse papel. Mas a depressão já é mais aceita na sociedade e tem tratamento", avisa Oliveira. (JC)

Vara da Infância prepara processo de adoção

Qualquer mãe que não queira ficar com seu filho pode procurar a Vara da Infância para encaminhá-lo à adoção, conforme a conselheira tutelar Áurea Martins. Esse processo pode ser feito inclusive durante a gravidez. "Nenhuma mãe é penalizada por isso. Enquanto está grávida, a vara faz todo o acompanhamento para depois a criança ser adotada. Há casos em que o bebê sai direto da maternidade para a adoção", afirma.

A adoção da criança é rápida quando a mãe desiste do filho. Uma família escolhida pelo juiz fica com a guarda até sairem os documentos oficiais. "Assim, a criança não sofre riscos", opina Áurea. Ela ressalta que a mãe tem um tempo para pensar e tomar a decisão. Se desistir, o filho retorna para ela, desde que seja antes da consumação do processo de adoção.

Quem encontra um bebê abandonado deve levá-lo ao hospital para verificar o estado de saúde dele. A pessoa deve descrever toda a situação e o estabelecimento comunica o caso para a Vara da Infância ou comarca da cidade. "O primeiro passo é tentar localizar os pais. As causas do abandono são investigadas. O processo de adoção só é iniciado após o esgotamento de todas as tentativas", revela Áurea. Quem abandona uma criança pode responder pelo crime de abandono de incapaz, cuja pena varia de seis meses a três anos de detenção, segundo o Código Penal. Caso o abandono origine uma lesão corporal de natureza grave, a pena é de 1 a 5 anos; se resulta em morte, salta para quatro a 12 anos. As penas podem ainda aumentar em um terço quando o abandono ocorre em lugar ermo (deserto) ou se o agente é ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. (JC)

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