Morrer pela boca

Embora Luiz Inácio Lula da Silva venha encimando as pesquisas que avaliam as preferências do eleitorado, por diversas vezes correu o risco de “morrer pela boca”. Habituado a uma linguagem sem papas e com uma longa vida de lutas sindicais, foi-lhe difícil, no início da campanha ou enquanto pré-candidato, policiar seus pronunciamentos e discursos para não usar expressões e idéias capazes de gerar rejeições perigosas ou tumultuar as delicadas relações do Brasil com o mercado financeiro internacional. O justo desejo de, desta vez, chegar à Presidência da República, depois de repetidas tentativas; o aprendizado e amadurecimento, que todos reconhecemos, e os compromissos com o centro, que vem assumindo, inclusive aliando PT e PL, adoçaram essa linguagem.

O Lula que hoje se ouve é um político de discurso que privilegia o social, mas que é temperado de bom humor, sem ataques ferinos contra adversários, e condescendente para com os compromissos assumidos pelo País, inclusive com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Torna-se, assim, palatável para forças de centro e admissível até por grupos de direita. Mais lhe fazem oposição as esquerdas extremadas, das quais se afastou.

Ciro Gomes, pelo contrário, na medida em que começou a aparecer nas pesquisas com possibilidades de ir para o segundo turno e até com chances de vitória, começou a usar demasiada empáfia em sua linguagem, frases de efeito e busca abocanhar posições de esquerda extremadas, já abandonadas por Lula.

Quando do anúncio do terceiro acordo do Brasil com o FMI, na semana passada, entendimento que surpreendeu pelo volume de crédito aberto – US$ 30 bilhões – Ciro foi o único candidato a presidente que o criticou ferozmente. Disse que o acordo “é um desastre” e que “o Brasil pratica a cartilha do bom moço internacional”. O FMI e o mercado financeiro já começavam a entender que uma eventual eleição de Lula não significava perigo de radicalizações e rompimento de contratos e compromissos. Mas com as declarações de Ciro, voltou a temer, já que o candidato da Frente Trabalhista aparece com reais possibilidades de vitória. E o dólar insiste em não baixar. Certamente sentindo que exagerara em sua crítica, na verdade discurso para conquistar platéia, emendou dizendo que o acordo desastroso talvez fosse a única saída. Com isso, buscou vender um paradoxo: um acordo desastroso é a única saída, portanto o desastre é solução inescapável.

Agora, volta a emendar, dizendo que não conhece o teor do acordo e que reitera seus compromissos de busca do equilíbrio econômico e cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, se chegar a ser seu presidente.

Se não conhece o acordo, como pode considerá-lo um desastre? Se não o conhece, como admitir que seja a única saída? O candidato não é muito diferente em relação a outros políticos em campanha, que se perdem pela verborragia e, na incansável busca de expressões e frases de efeito e impacto, muitas vezes dizem bobagens ou impropriedades, com grandiloqüência.

Podem, com isso, somar alguns votos, mas ao longo da campanha e quando começarem os horários gratuitos da Justiça Eleitoral, correm o risco de morrer pela boca. Com o tempo, o povo, e principalmente os formadores de opinião e os adversários desmascararão as mentiras, revelarão os equívocos e desnudarão a demagogia. Serão desmascarados como incongruentes, desmentirão a si mesmos e serão flagrados pelo eleitorado. O falastrão morre pela boca.

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