Milagre é bom, mas custa caro

Para quem conheceu Maringá em seus primeiros anos, passou a infância, juventude e parte da vida adulta lá, sabe que há duas coisas marcantes na cidade. A primeira é a poeira vermelha que marca tudo, de muros e roupa clara, à pele das pessoas em dias de calor. O mesmo se pode dizer de Londrina. A segunda é a catedral de concreto, o mais alto monumento religioso da América do Sul, inspirado num ícone comunista, o foguete Sputnik. E a igreja foi idealizada em plena guerra fria, o que é ainda mais misterioso.

Essas duas características de Maringá estão ainda lá e, presumo, são eternas. A primeira igreja de Maringá foi simples, também ainda está lá, na fazenda adquirida pelo padre alemão Emil Clement Scherer, um sujeito culto e misterioso que se embrenhou no mato e construiu a capela em estilo alsaciano. Quando a cidade começou a tomar forma, voltou para a Alemanha deixando a propriedade para sua ordem religiosa, mediante o pagamento anual de uma quantia em dinheiro. Como Emil chegou durante a guerra e tinha um aparelho de rádio, suspeitaram que fosse espião nazista.

Os seus livros foram levados para Londrina e há dez anos encontrei em um sebo chamado Lido o livro de orações diárias do padre, em alemão. Há quatro anos, em Curitiba, encontrei em outro sebo que não existe mais um livro com passagens dos tempos pioneiros de Maringá. Um relato das três viagens de John dos Passos ao Brasil. Dos Passos, de origem portuguesa, é um dos escritores da famosa “geração perdida”, com Hemingway e Fitzgerald. Os três, com Faulkner, formam o quarteto de grandes escritores americanos da primeira metade do século 20. Essas classificações são contestáveis, mas sempre houve certo consenso em torno deles.

Já famoso e amigo de Érico Veríssimo, Dos Passos veio ao Brasil em 1948, 1956 e 1962. Esteve no Paraná, Curitiba, Monte Alegre (hoje Telêmaco Borba) e em Maringá. Em Monte Alegre, nas indústrias de Horácio Klabin, a quem descreveu como “um homem alto, moreno e desencantado”. No dia seguinte, pegou avião e foi para a “cidade nova de Maringá”. E é aí que ficam evidentes essas características da cidade. A primeira coisa que chamou a sua atenção ao pousar “num campo de aspecto primitivo, foi a terra vermelha”. Maringá, na época, tinha sete anos. Ainda hoje é impossível não notar a terra vermelha.

E a segunda foi a catedral, que seria construída para “ser a mais alta da América do Sul”. O escritor viu a maquete na velha catedral de madeira e quis saber de onde viria o dinheiro para o monumento. O guia explicou que o bispo era homem moço e muito empreendedor. O guia “piscou o olho fortemente e disse que o bispo havia prometido aos fazendeiros de café cinco anos sem geadas se eles dessem o dinheiro necessário”.

Se na cidade “a poeira era insuportável, nos arredores era de sufocar”. O guia de Dos Passos era esperto. Olhou o escritor com o lenço manchado de vermelho e o consolou. “Um médico dali, muito bom por sinal, havia descoberto que a poeira de Maringá estava impregnada de terramicina.” E, por isso, “a poeira de Maringá curava qualquer infecção”. E aí o escritor voltou para sua terra convencido de que o bispo negociava milagres para fazer um grande monumento e a poeira era um santo remédio, que não custava nada.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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