Medidas socioeducativas (IV)

A inserção em regime de semiliberdade é medida mais branda do que a internação, porque não priva totalmente o adolescente da liberdade, situando-se entre a internação e as medidas de meio aberto. Sua execução ocorre portanto nem regime semi-aberto e supõe que o adolescente tenha senso de responsabilidade e autodisciplina. Pode ser determinada desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto. Comporta a realização de atividades externas, sem escolta, independentemente de autorização judicial.

A entidade de atendimento correspondente está prevista no art. 90, VI do ECA. É importante, na prática, que tal estabelecimento esteja ao alcance do magistrado, como solução viável, pois a sua ausência impõe limites ao julgador na escolha da medida adequada. Logicamente, o critério a preside tal decisão, na ausência do estabelecimento, deverá ser o mais favorável ao adolescente. Porém, especialmente quando a infração é grave mas não há base legal para a internação, a falta do estabelecimento de regime semi-aberto se torna um dado preocupante, pois leva o julgador a optar entre uma internação ilegal ou uma medida fraca demais em termos pedagógicos.

A semiliberdade facilita a realização de atividades educativas, se comparada com a internação, implicando assim maiores benefícios a um custo menor.

Não se aplicam ao regime de semiliberdade as restrições do art. 122, mas pressupõe o devido processo legal, de acordo com o art. 110. Pode, portanto, ser aplicada sempre que o juiz considere necessária e adequada a internação, mas esta não encontre base legal em alguma das hipóteses do art. 122.

V

As medidas socioeducativas em meio aberto são todas as demais, afora a internação e a semiliberdade. São de longe as mais atraentes, porque permitem a realização de atividades pedagógicas sem privar, total ou parcialmente, o adolescente de sua liberdade. Por isso, configuram alternativas disponíveis à privação da liberdade, devendo ser adotadas sempre que possível, ou seja, sempre que sejam suficientes ao atendimento das necessidades pedagógicas do adolescente e à sua reinserção sócio-familiar.

É da maior importância que as medidas socioeducativas em meio aberto sejam efetivas, a fim de se evitar que caiam no descrédito, cedendo com isso preferência às de meio fechado ou semi-aberto. Para isso, sua execução deve ser levada a efeito através de serviços estruturados de modo adequado, com os recursos materiais e humanos necessários. Esses investimentos sempre representarão economia para o Estado, pois evitarão a superlotação dos estabelecimentos de internação, além de diminuir a clientela das varas criminais, com referência aos jovens que superam o limite etário da imputabilidade penal.

Por outro ângulo, vemos que as medidas em meio aberto formam uma espécie de contraponto à medida de internação. Como esta é regida pelo princípio da excepcionalidade, daí resulta que as medidas em meio aberto surgem como as conseqüências legais naturais da prática do ato infracional, somente podendo ser afastadas se houver base legal e motivos suficientes que justifiquem a medida de exceção.

De notar que as medidas socioeducativas em meio aberto são susceptíveis de serem incluídas na remissão, como foma de exclusão ou suspensão do processo, conforme consta da parte final do art. 127 do ECA.

Sabemos que a discussão a respeito da autoridade competente para a aplicação das medidas, em se tratando de remissão como forma de exclusão do processo, redundou na súmula n.º 108 do Superior

Tribunal de Justiça (“A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.).

A questão que pode surgir, nesse ponto, é a seguinte: o que fazer, se a medida embutida na remissão não for cumprida?

Para analisar essa questão, tomo como ponto de partida os esclarecedores comentários de Julio Fabbrini Mirabete ao artigo 127 do ECA. Diz o Mestre:

” A remissão pode ser concedida como perdão puro e simples, sem a aplicação de qualquer medida, ou, a critério do representante do Ministério Público ou da autoridade judiciária, como uma espécie de transação, como mitigação das conseqüências do ato infracional. Nesta última hipótese ocorre a aplicação de medida específica de proteção ou socioeducativa, excluídas as que implicam privação da liberdade (encaminhamento aos pais ou responsáveis, advertência etc.). Excluem-se as medidas de semiliberdade e internação, diante do princípio do devido processo legal, consagrado no Constituição Federal (art.5.º, LVI). Essa transação sem a instauração ou conclusão do procedimento tem o mérito de antecipar a execução da medida adequada, a baixo custo, sem maiores formalidades, diminuindo também o constrangimento decorrente do próprio desenvolvimento do processo.

Quando a remissão constituir perdão puro e simples ou vier acompanhada de mediada que se esgote em se mesma, ocorrerá a exclusão do processo, se concedida pelo representante do Ministério Público, ou a extinção do processo, se concedida pelo juiz. Não ocorrendo uma dessas hipóteses, o processo ficará suspenso até que se cumpra a medida eventualmente aplicada pela remissão.” (ECA Comentado, Munir Cury e outros, 3.ª. Ed., pg 412/413).

A partir desse ponto de vista, podemos logicamente prosseguir: se no curso do procedimento a remissão, com medida em meio aberto, implica suspensão do processo, seu descumprimento provoca a continuidade deste. Ora, quando a medida corresponder a remissão, como forma de exclusão do processo, seu descumprimento só pode ocasionar a instauração deste. Outra solução colide frontalmente o princípio do devido processo legal, estabelecido no art. 110 do ECA e 5.º., LIV, da Constituição Federal, não se vislumbrando como ser possível compatibilizar exclusão do processo com tal princípio. De resto, a própria vedação do art. 127 leva a essa mesma conclusão, pois o que não é possível antes também não pode ser possível depois.

Ruy Mugiatti

é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Foz do Iguaçu, é membro do Conselho Técnico e Científico da Associação de Magistrados Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná

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