Medidas provisórias

O Congresso Nacional está debruçado sobre o tema medidas provisórias, buscando um acordo que diminua a sua edição e devolva ao parlamento sua importância no nosso regime democrático. As MPs vêm trancando a pauta e impedindo a aprovação de leis e PECs propostas de emendas constitucionais, inclusive a reforma tributária.

Como instrumento de legislar, as MPs substituíram, no final da ditadura, os decretos-lei. Foram criadas no afã de acabar com todos os resquícios do autoritarismo, mas seu uso, com evidentes abusos, por este e governos anteriores, trocou seis por meia dúzia. Sucessivas administrações, inclusive, senão principalmente as duas de Lula, baixam medidas provisórias por qualquer razão, não seguindo sequer as condicionantes básicas para que possam ser utilizadas. Uma MP, para ser constitucional, precisa tratar de assunto de urgência e relevância. Entretanto, tem bastado a vontade do governo, que goza de maioria parlamentar, para que ditatorialmente legisle por esse meio, tratando de assuntos que não têm nenhuma urgência e bem poderiam ser propostos da forma normal numa democracia, ou seja, com a tramitação de uma mensagem no Congresso. Quanto à relevância, é um quesito subjetivo. Para o Executivo, relevante é a matéria que ele quer que seja aprovada e transformada em lei, ou passe a ter força de lei, não importa o quanto seja necessária para a nação.

Uma das idéias que vêm sendo cogitadas é que as medidas provisórias, antes de mais nada, passem pelas comissões de Constituição e Justiça das duas casas do Congresso. Estas examinariam a urgência e relevância e se não as tivessem, não teriam prosseguimento, obstruindo a pauta legislativa. Ou teriam andamento, mas sem obstruir.

De qualquer forma, difícil despolitizar tal tipo de decisão, pois nas duas comissões ou mesmo que uma só fosse formada por deputados e senadores, funcionará a vontade da maioria e esta não deixará de ser política.

A realidade é que o Brasil, se seus parlamentares tivessem coragem e fossem capazes de decisões radicais, não precisaria de medidas provisórias. Elas não são mais que substitutas dos decretos-lei e estes, quando existiam no tempo da ditadura, eram baixados de forma limitada a determinados temas e circunstâncias. Numa democracia, a maneira-normal e correta de legislar é o Executivo ou os deputados e senadores propondo a feitura de leis e modificações constitucionais e o Congresso as discutindo, emendando, substituindo e, afinal, votando pela aprovação ou rejeição. Muitos países – certamente a maioria vivem muito bem em sólidas democracias sem o instrumento contundente e muitas vezes antidemocrático das medidas provisórias. Elas enfraquecem o Poder Legislativo e, ao fazê-lo, enfraquecem a própria democracia.

Mas existem poucas esperanças de que deste debate resulte em algo positivo. A única coisa que está levando a colocar em pauta o tema medidas provisórias é a ameaça das oposições de obstaculizarem a tramitação de propostas de interesse do governo, dentre elas a reforma tributária, através de ferrenha obstrução.

Não podemos nos esquecer que as MPs foram atacadas pelas oposições em sucessivos governos. E quando as oposições tomaram o poder, as usaram até com mais prodigalidade que as administrações que condenavam. Sem urgência e relevância relegadas a condições subjetivas, as MPs são uma arma de fortalecimento do Executivo que, usando-a, transforma o Congresso em mero chancelador de suas decisões. Fortalecem o Executivo e enfraquecem o Legislativo a ponto de torná-lo ?vaquinha de presépio?. Suas aprovações não servem mais do que mascarar uma ditadura travestida de regime democrático, não muito diferente do que aconteceu no tempo da ditadura que estamos descobrindo poder existir mesmo quando o poder está nas mãos de civis, como agora.

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