Mandatos de araque

A interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, tomada por 6 votos a 1, é de que os detentores de mandatos parlamentares (deputados federais, estaduais, distritais e vereadores) que trocaram de legenda são de araque. A expressão é chula, mas não é diferente o que acontece principalmente na Câmara dos Deputados, onde liberais viram socialistas, capitalistas se travestem de trabalhistas e ocorrem as mais estranhas metamorfoses após a diplomação dos eleitos, sempre que lhes são oferecidas vantagens para trocar de partidos. Pouquíssimos políticos são eleitos porque acreditam no programa de seus partidos, quase sempre letra morta em folhetos guardados em gavetas. Não são obedecidos nem lidos. Há uma força de atração muito grande no poder. O governo sempre tem o que oferecer. Na legislatura passada foram os mensalões. E isso é irresistível a essa laia de políticos para os quais é preciso levar vantagem em tudo, não importa se estão traindo a confiança do eleitorado e apropriando-se de mandatos alheios. A solução é a reforma política, mas como ela só pode ser feita por quem é beneficiado com as regras duvidosas ou falta de regras atuais, este sonho é distante. Não obstante, Lula chegou a colocar a reforma política como primeira prioridade do seu segundo mandato, dela logo se esquecendo e jogando a bola para o Congresso. A Ordem dos Advogados do Brasil, uma entidade que tem primado pela defesa do aperfeiçoamento da democracia, insiste e até apresentou uma proposta de reforma. Mas será preciso muita pressão popular para que ela aconteça.

Quando o TSE, julgando uma consulta do PFL, afirmou por maioria quase absoluta que os mandatos em eleições proporcionais pertencem aos partidos e não aos proclamados eleitos, na verdade começou essa reforma política. Como se tratava de uma consulta e não uma ação em busca de um julgamento, o entendimento mais corrente é de que os interessados devem, agora, dirigir-se às mesas das casas legislativas, as siglas reclamando as vagas abertas com o troca-troca de legendas e nelas colocando os suplentes que deveriam ter sido proclamados eleitos. Isso não só porque houve trocas de legendas, mas ainda porque muitos dos que hoje posam de deputados não atingiram votação suficiente para ocupar uma cadeira parlamentar. Tiveram de somar votos da legenda, que logo abandonaram. Se o mandato é do partido e não deles, não podem apropriar-se desses votos de legenda e dar o fora, abraçando outra sigla que lhes esteja oferecendo maiores vantagens.

Com a decisão do TSE, o PR, que ganhou 16 vira-casacas, perde-os. O PMDB perde 6 deputados; o PAN, 4; o PSB, 3; o PTB, 2; o PSC, 1; o PT, 1, e o PP, 1. Não é por coincidência que os partidos de oposição nada perdem e podem sair ganhando. É que a oposição não tinha moeda de troca para ?adquirir? novos deputados. Ninguém, no troca-troca, abandonou legendas situacionistas e entrou nos partidos da oposição.

Dois caminhos têm sido apontados para recuperação das vagas perdidas e declaração de extinção dos mandatos de nada menos de 37 deputados federais, fora os distritais, estaduais e vereadores. São a busca de deliberações das mesas das casas legislativas, a requerimento das partes interessadas, ou a hipótese que parece mais efetiva: o recurso ao Supremo Tribunal Federal. De início, houve uma dúvida crucial: valeria a interpretação do TSE já para esta legislatura ou só para a próxima. O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Mello, foi enfático: vale e para já. Difícil de acreditar que assim esteja nascendo a sonhada reforma política, a Justiça separando alhos de bugalhos e plantando esperanças de que um dia tenhamos casas parlamentares mais respeitáveis.

Voltar ao topo