Juiz e sindicalista analisam a reforma sindical

O governo federal promete enviar ao Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional sobre a organização sindical (artigo 8.º da CF/88). O Ministério do Trabalho ultima seu anteprojeto a ser submetido ao Presidente da República.Os membros do grupo temático Organização Sindical, do Fórum Nacional do Trabalho, realizarão reunião dias 21 e 22 de janeiro para tentar consensuar as propostas a serem encaminhadas à Comissão de Sistematização. Algumas sugestões circularam no final de 2003 revelando objetivos básicos das alterações pretendidas como (1) liberdade sindical com representatividade das entidades como fator principal (2) a legalização e subordinação do sistema sindical às Centrais Sindicais (3) a extinção das categorias profissionais e o surgimento das entidades sindicais por ramo de atividade e/ou produção (4) a extinção gradativa da contribuição sindical obrigatória prevista na CF/88 e na CLT e o surgimento de nova formas de custeio das entidades e (6) necessidade de implantar a organização sindical no local de trabalho.

Unicidade e pluralismo: Como não há, ainda, um texto base para ser analisado, somente depois dessa formulação será possível estabelecer um juízo crítico a respeito. Entretanto, foi revelado no Fórum Nacional do Trabalho, em especial em suas Conferências Regionais, um forte movimento pela manutenção do artigo 8.º da CF e, em conseqüência, da unicidade sindical. Mesmo na CUT, a principal defensora das mudanças sindicais em direção ao pluralismo, muitas entidades filiadas à Central querem permanência do atual sistema. Os defensores da unicidade sindical propõem aperfeiçoamentos ao sistema atual, como a aprovação de uma lei de regulamentação da atividade sindical, em especial sobre o controle do registro e funcionamento das entidades por organismo formado pelos trabalhadores e empregadores, reconhecimento de categorias econômicas e profissionais, regras eleitorais básicas e comuns a todas as entidades, contribuições financeiras obrigatórias a todas as empresas e trabalhadores para sustentação das entidades derivadas das negociações coletivas, prestação de contas perante organismo público, regras estatutárias mínimas comuns às entidades, implantação da organização no local de trabalho.

Dificuldades para a mudança: Um dos pontos de maior dificuldade situa-se em alterar um sistema que vem funcionando há mais de setenta anos e que está formatado não apenas quanto a organização sindical dos trabalhadores, mas também das empresas, assim como é responsável pela encaminhamento das convenções, acordos e dissídios coletivos de trabalho, bem como controla um amplo aparelho social e assistencial constituído pelos sindicatos de trabalhadores e pelo sistema S ( Senai, Sesi, Sesc, etc). Para desconstituir esse sistema, haverá necessidade de medidas abrangentes dos demais campos relacionados com a atividade sindical propriamente dita. Finalmente, muitos consideram que outra dificuldade está situada na conjuntura política, não sendo aconselhável que o debate no Congresso Nacional seja efetivado este ano em virtude do momento eleitoral municipal. O mesmo inconveniente apontado sobre o debate da reforma trabalhista, adiado para 2005, seria aplicado à questão da reforma sindical. Aparentemente menos desgastante que a reforma da lei trabalhista, há opiniões de que a reforma sindical poderia ser enfrentada em um ano eleitoral. Nossa opinião é contrária, uma vez que os dirigentes sindicais – como líderes sociais e profissionais – se envolverão no processo eleitoral e inevitavelmente o tema sindical será motivo de debates partidários e entre os candidatos a prefeito e a vereador, extrapolando a esfera normal de análise. Melhor será que o ano de 2004 seja dedicado ao debate entre governo, trabalhadores e empresários, visando que o anteprojeto oficial seja balisado pela vontade da grande maioria dos dirigentes sindicais e dos integrantes do governo, incluindo o sistema de negociação coletiva. .

Entrevistas: Dentro deste debate, julgamos oportuno transcrever parte das entrevistas de dois especialistas sobre matéria sindical. Foram entrevistados pela Carta Maior o ex-advogado sindical, Ivan Alemão, atualmente juiz da 4.ª Vara do Trabalho de Niterói (RJ), professor de Direito do Trabalho na Universidade Federal Fluminense, autor dos livros “Garantia do Crédito Salarial”, “Direito das Relações de Trabalho”, “Execução do Devedor, Satisfação do Devedor”, “Desemprego e Direito ao Trabalho” e de um estudo sobre “Marxismo e Direito do Trabalho”, e Aurélio Fernandes, professor de História no Rio de Janeiro, integrante da Unidade Sindical Trabalhista (UST), corrente da CUT, diretor no Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) e na Central Única dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (CUT-RJ). Destacamos alguns pontos das entrevistas, a seguir.

Novos parâmetros da organização sindical: O juiz Ivan Alemão assinala que “o projeto (dos deputados Vicentinho e Maurício Rands – PEC 29/2003), pela importância que tem em função de quem o apresenta, deveria ser mais ousado. Ele é demasiadamente preocupado com questões internas de conflitos sindicais e perde a oportunidade de fortalecer os sindicatos frente aos órgãos estatais e empresariais. Hoje, os problemas do sindicalismo estão relacionados com a falta de intervenção do mercado de trabalho, na política de emprego e condições de trabalho. A questão trabalhista de hoje não é de mera negociação entre empregados e empregadores, individual e coletivamente, mas em relação às políticas econômicas e administrativas gerais. As políticas neoliberais procuram flexibilizar a negociação coletiva e individual, mas não dão força aos trabalhadores e aos sindicatos no mercado de trabalho, o que seria a contrapartida razoável. Acho que a questão relativa à base territorial do sindicato, se municipal ou por empresa, é algo pequeno quando não se valoriza a própria finalidade da filiação. O que adianta ter vários tipos de sindicatos se o trabalhador não vê na filiação uma forma de se organizar no mercado de trabalho?”.

A importância dos sindicatos mudou: Ao analisar a situação atual dos sindicatos, Ivan Alemão faz comparativo entre situações anteriores e o papel do sindicalismo nos dias de hoje: “A importância dos sindicatos mudou muito com o aumento do desemprego, do subemprego e da terceirização. O que o movimento sindical defendia em décadas anteriores não tem o mesmo efeito hoje. Numa época em que as negociações coletivas também estão sendo utilizadas para perda de direitos dos trabalhadores (cláusulas in pejus), falar em liberdade de negociação, de organização e autonomia, não soa da mesma forma que na época da repressão aos sindicatos e seus líderes. Falar em fim do imposto sindical já não tem a mesma conotação da época das intervenções sindicais do Estado nos sindicatos e do antigo peleguismo, que separava com nitidez os adesistas do sistema e o sindicalismo combativo, de oposição sindical da década de 70 e início de 1980. Se até hoje existe o imposto sindical no Brasil é porque nunca houve aqui a filiação compulsória, como ocorreu nos EUA e na Inglaterra. Aqui a filiação sempre foi livre e sem qualquer compensação ao trabalhador, salvo a prática associativa (tipo clube: atendimento médico, jurídico etc., que qualquer associação pode fazer), dissociada do contrato de trabalho. Os não filiados se beneficiam nas negociações coletivas da mesma forma que o filiado. Se vamos discutir pluralismo sindical, temos que enfrentar estes tabus. Se os não filiados não contribuem financeiramente e não participam do sindicato, também não devem ser beneficiados com a negociação do sindicato. Isso exige uma mudança radical de concepção e modificação na legislação do trabalho, não só sindical, mas também na lei de contrato individual, com a criação de mais uma exceção à equiparação salarial do art. 461 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).”

Ação social dos sindicatos: Por sua vez, o sindicalista Aurélio Fernandes destaca questões fundamentais: “Ao invés da debater essa Reforma Sindical, que abre o caminho para uma futura Reforma de “flexibilização” Trabalhista que significará a retirada de direitos, as centrais sindicais, principalmente a CUT, deveriam propor a discussão de mecanismos de distribuição da riqueza e renda num país que é campeão em desigualdades sociais. Deveriam propor ao governo medidas de caráter emergencial de combate à informalidade, à terceirização, às falsas cooperativas, ao trabalho escravo e à prorrogação da jornada. Deveriam defender sistemas de relações de trabalho que permitissem um maior controle dos trabalhadores sobre o uso de sua força de trabalho e não mudanças que contribuam para aprofundar a desregulamentação de direitos sociais e para ampliar o grau de flexibilidade das relações de trabalho no Brasil, que sempre foram bastante flexíveis apesar de uma legislação extensa e bem detalhada. Necessitamos de mudanças que prioritariamente apontem para a necessidade de sanções para que o empregador seja compelido a negociar, a fornecer aos sindicatos de trabalhadores a transparência na sua situação econômico-financeira, para só daí poder recusar a conceder melhores condições de vida, de trabalho e de salário. Os trabalhadores foram as principais vítimas do modelo neoliberal e não devem “ceder” mais nada. Devemos defender intransigentemente a manutenção da CLT, que deve permanecer intocada em seus pontos essenciais e funcionar como legislação de sustento, garantindo-se um mínimo de proteção e uma trincheira de resistência contra a precarização dos contratos, obstando a terceirização desenfreada, o tráfico de mão-de-obra, a “coooperfraudização” do trabalho etc.”

Defesa do sistema atual: O dirigente da CUT defende o atual sistema da unicidade sindical ao enfatizar:” O atual sistema garantiu ao longo de décadas, a organização e a representação dos trabalhadores, inclusive com entidades de grande expressão, tradição de luta e importantes dirigentes sindicais e deve ser mantido, com algumas alterações: reconhecimento da organização sindical por local de trabalho vinculada ao sindicato da categoria; aprovação de um estatuto de garantias sindicais com prioridade para as OLTs; reconhecimento constitucional das centrais sindicais, apesar de entendermos a necessidade de uma central única que seja plural e abrigue todas as forças que atuam no movimento sindical; manutenção da contribuição sindical compulsória apenas dos não associados, alterando a sua destinação para as centrais sindicais; e regulamentação da contribuição federativa, inclusive a favor da central sindical. Como afirmamos anteriormente, as possibilidades de melhorias substanciais no atual sistema de relações de trabalho estão bloqueadas pela debilidade dos sindicatos e das centrais e pela hegemonia das concepções neoliberais no governo Lula e nos debates do Fórum Nacional do Trabalho. Assim, o papel do movimento sindical deve ser o de impedir e/ou dificultar ao máximo a proposta de Reforma Sindical do governo Lula e preservar as posições duramente conquistadas em mais de 60 anos de lutas sindicais” ( a íntegra da entrevista concedida a Henrique Júdice Magalhães pode ser lida no site www.cartamaior.uol.com.br).

Edésio Passos

é advogado e foi mediador da Conferência Estadual do Trabalho coordenada pela DRTPR. E.mail:
edesiopassos@terra.com.br 

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