Improviso indigesto

O chefe maior do Poder Judiciário, ministro Marco Aurélio Mello, reagiu com indignação às declarações do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, feitas de improviso num discurso em que falava basicamente sobre o combate ao crime organizado, terça-feira, em Vitória do Espírito Santo. “As palavras do chefe do Poder Executivo atingem o Judiciário como um todo, desservindo à sociedade brasileira”, escreveu Mello em nota oficial que emitiu no mesmo dia. “O Judiciário nacional – acrescentou – estranha o improviso.” Outros graduados representantes do Judiciário reagiram no mesmo tom.

Foi um dia de muitas emoções para Lula. Pela enésima vez ele disse que o governo quer vencer a guerra contra o crime organizado que, tendo o Rio de Janeiro à frente, segue desafiando abertamente a polícia. Mas, para Lula, isso só vai acontecer no dia em que a inteligência da polícia for mais ousada e mais forte que a força bruta e quando “a gente não precise invadir uma favela, mas subir numa cobertura numa grande cidade e chegar ao verdadeiro culpado pelo narcotráfico”. O crime organizado, disse, tem seu braço na política, tem seu braço no Judiciário, na polícia e nos empresários.

O chefe do Executivo tocou numa ferida antiga. Defendeu o controle externo da magistratura, porque “é preciso saber como funciona a caixa-preta desse poder que se considera intocável”. Queremos – ponderou – que a Justiça seja igual para todos e “não uma Justiça que cuida com mais carinho dos que têm alguns contos de réis, como dizia Lampião em 1927”. Repetiu que o controle externo defendido não é para meter a mão na decisão de um juiz, mas para, pelo menos, “saber como funciona a caixa-preta do Judiciário”. No mesmo dia, Lula advertiu o funcionalismo público que muitos vão sair perdendo na reforma da Previdência e deu um puxão de orelha nos empresários e governantes que vivem criticando “imperialismos” para justificar a “nossa incompetência”.

A reação ao discurso do presidente Lula veio de imediato. O presidente do Supremo Tribunal Federal foi o primeiro, já não mais referindo os frutos do mar de sua preferência, mas dizendo que “a paz social pressupõe o respeito e a harmonia entre os poderes, prevalecendo as balizas da Constituição”. Abaixo de Marco Aurélio Mello, cada um embarcou nas opiniões já conhecidas, inclusive das da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, que defendem o controle externo da magistratura, porque “um órgão do tamanho do Judiciário, com a importância que tem para a democracia, deve ser transparente”. O controle é defendido, não para ingerir na independência funcional do juiz, mas para verificar eventuais falhas administrativas ou erros de procedimento.

O termo “caixa-preta” referido por Lula pode ter sido um pouco exagerado, mas acima de tudo é lamentável que um debate que tem na raiz a busca de solução para o grande mal da atualidade – a (in)segurança pública – derive para esse já conhecido confronto entre chefes de Poderes, com motivação também fundada em outras questiúnculas. Isso só serve a bandidos e quadrilheiros que, fazendo Executivo e Judiciário brigar, seguem distribuindo o terror entre os cidadãos e zombando das instituições.

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