Governo apela a discursos; mercado desconfia de uso político do BC

Em meio a tamanha crise de confiança  o governo lançou mão, ontem, de uma das poucas armas que ainda restam para tentar influenciar as expectativas e conter o caos até a definição do processo eleitoral: o discurso. Pela manhã, o secretário do Tesouro Nacional, Eduardo Guardia, reforçou a tese de que o dinheiro disponível em caixa cobre os vencimentos até o fim do ano.

À tarde, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, tentou emprestar ao País um pouco da credibilidade pessoal que tem no mercado financeiro em geral. Falou muito sobre a economia mas, na avaliação de especialistas, disse pouco. E pior: deixou a impressão de que um órgão absolutamente técnico avançou em terreno político.

“O discurso não trouxe nada de novo. Fraga está usando um instrumento que tem, que é a sua própria credibilidade, para interferir no mercado”, avalia o economista Ricardo Amorim, chefe do Departamento de Pesquisa Econômica da Consultor IdeaGlobal, em Nova York. No entanto, ele afirma que isso não tem efeito neste momento e aposta em taxas de câmbio ainda mais elevadas pela frente. “O real deverá continuar se desvalorizando”, diz. Hoje, a cotação do dólar chegou a R$ 4.

“Não há o que segure essa escalada agora”, aposta o analista para mercados emergentes de um grande banco estrangeiro, em Nova York. Segundo ele, o mercado está focado na concentração de vencimentos nos próximos dias. Entre títulos cambiais, contratos especiais de câmbio (swap) e dívidas do setor privado, estariam vencendo quase US$ 8,5 bilhões, nas próximas duas semanas.

“O Fraga gosta de falar com o mercado em momentos de tensão. Ele fez isso outras vezes. Desta vez, ele tentou dar um recado ao Lula, que há poucos dias disse que a responsabilidade de acalmar os mercados é do governo que está aí”, afirma.

Para o ex-ministro Maílson da Nóbrega, “é legítimo ele (Fraga) usar a sua credibilidade”, mas “não deveria ter se prestado a ser porta-voz de uma reunião política”, afirma, referindo-se à reunião da área econômica com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que ocorreu antes da entrevista do presidente do BC. “É delicado falar nesta hora em que o mercado está num estresse absoluto e tende a fazer análises apressadas, como a de que o BC está sendo usado politicamente”, afirmou.

Segundo ele, no cenário atual, o câmbio se presta a interpretações de acordo com o gosto do freguês. “Isso é típico de períodos de crises. O discurso do presidente do BC criou a expectativa de que viria alguma medida administrativa para tentar influenciar o mercado. Não veio nada. Nessa hora, se você falar pode errar e se ficar calado também”, observou Maílson. Na avaliação, o humor do mercado, ontem, teria piorado com ou sem as declarações de Fraga. “Esse clima é uma combinação do cenário externo com o processo eleitoral.”

Compulsório

Uma das alternativas apontadas pelos especialistas e que poderiam ser adotadas pelo BC é o aumento do depósito compulsório que as instituições financeiras são obrigadas a recolher ao BC. O problema é que isso significa retirar reais da economia, o que teria reflexos também num mercado de crédito já bastante restrito.

Novas alterações no limite de exposição dos bancos em operações com câmbio também são cogitadas, mas há quem acredite que isso poderia trazer mais distorções num momento de tensão. “Ser mais agressivo nas intervenções, agora, é jogar dinheiro fora”, diz o economista-chefe de um banco estrangeiro. O próprio presidente do BC disse que o “cardápio de instrumentos do BC” é conhecido e é o clássico.

“Não há solução mágica”, enfatizou, ressaltando que não há solução para tudo. Com isso, levando em conta que o Brasil tem atualmente cerca de US$ 18 bilhões de reservas líquidas, já descontados os empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o recado para o mercado foi: espera-se mais do mesmo.

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