Fila de transplantes

Há mais gente precisando receber um transplante de órgãos que o número de doadores. Essa perversa equação entende-se, mas não merece justificativas, pois os doadores em potencial, se melhor esclarecidos, motivados e imbuídos de um consistente espírito de solidariedade, a aumentariam propiciando que muitas vidas sejam salvas. E isso sem que os doadores sofram qualquer perda importante e que comprometa sua própria saúde.

Para aumento do número de doadores têm havido esforços esporádicos, geralmente através de campanhas movidas por entidades particulares e pelo poder público.

Números de maio de 2005, os últimos disponíveis, revelam que estavam na fila esperando transplantes, no Brasil, 62.785 doentes. Certamente esse número, desde então, aumentou. E aumentou porque não houve um acréscimo substancial da quantidade de atendidos, porque a fila dos doadores cresce de forma insatisfatória e porque, como denuncia o Tribunal de Contas da União, o sistema de doação de transplantes, no Brasil, é extremamente sujeito a fraudes, a ordem da fila de doentes na espera pode ser facilmente alterada e há uma burocracia criminosa que dificulta as providências que poderiam salvar milhares de vidas.

O programa nacional de transplantes, criado por um decreto de 1997, consome mais de R$ 400 milhões por ano dos cofres públicos. O SUS financia todos os tipos de transplantes e o Brasil é hoje o país que detém o maior sistema público de transplantes do mundo. Mas não funciona a contento.

Auditoria inusitada e importantíssima do Tribunal de Contas da União revela que as centrais estaduais de transplantes são desorganizadas e falta segurança nos sistemas de informática que deveriam disciplinar as filas dos doentes a serem atendidos. Doentes que constam dos primeiros lugares da lista de candidatos a receptores não são chamados e não há explicação plausível para essa injustiça.

?Cada vez que o telefone toca, penso que chegou a minha vez?, diz um paciente que espera o transplante de um rim há onze anos, em São Paulo, como revela o jornal Folha de S. Paulo. Essa espera é desesperadora, pois para sobreviver e ainda viver em constante risco, esse paciente tem de ficar ligado a uma máquina de hemodiálise geralmente por quatro horas, três vezes por semana. O que dizer das crianças que estão nessa fila, ameaçadas de perder a vida mal iniciada?

A auditoria do TCU mostrou que nas 22 centrais estaduais e nas 8 regionais, os sistemas de informação são incompatíveis. Isto impede a existência de uma lista única. Foi providenciado um sistema computadorizado para viabilizar essa fila única, de forma a que um doente de qualquer canto do País, na cabeça da lista nacional, recebesse um órgão por transplante dentro da ordem de preferência estabelecido. O programa começou no ano 2000 e após cinco anos o sistema ainda está em teste nos estados. Há incompatibilidade entre os sistemas de informação de estado para estado, o que impede o funcionamento da fila única.

Recentemente, aconteceram casos de doentes que furaram a fila. Num e noutro, houve justificativas. Mas em quantos não há nenhuma explicação, salvo a desorganização e, quem sabe, o pistolão. Enquanto isso, pobres doentes morrem esperando a sua vez, embora ela devesse já ter chegado.

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