Esquerda e direita

A campanha eleitoral tomou rumos inesperados. A oposição aposta numa virada, insistindo no combate aos escândalos que efetivamente aconteceram, mas que, por incrível que pareça, nem arranharam a imagem popular do presidente. O PT fisiológico, entendido como tal aquele que deu mais valor ao poder que aos programas que pregou por mais de duas décadas, está destruído. Está envolvido nos escândalos e raros dos membros de sua cúpula escaparam aos processos, sejam na área política, administrativa ou judicial. Seu conceito não mais é de um partido ético. O governo atual também não é olhado como ético e é visto como eclético, pois formou-se das mais variadas e diferentes siglas.

Mas Lula continua indene. Ele ainda representa a esperança de quase toda a sociedade brasileira por mudanças que signifiquem uma preocupação maior com o social, a ascensão da classe pobre, o apagamento, o quanto possível, das linhas divisórias entre classes que sempre caracterizaram a sociedade brasileira. A sensibilidade da sociedade para com os problemas sociais se dá por tomada de consciência, mas também por medo. Há uma verdadeira guerra urbana, o crime organizado montando um governo paralelo e aprisionando os cidadãos ditos de bem. De bem porque não praticaram atos contrários à lei, embora sejam coniventes com as injustiças sociais e delas permanentes beneficiários.

É difícil para o povo, diante da acusação de omissão de Lula ou incapacidade de formação de um quadro adequado de auxiliares, aceitar que a revolução que significa a subida ao poder de um operário venha a ser frustrada. O povo aceita um governo sem PT, sem PL, sem parcelas do PMDB e outras forças que se transformaram nas bases de apoio à administração Lula. Mas não aceita o fim da era Lula e tem esperanças que ele, o metalúrgico do ABC e ex-pau-de-arara pernambucano, possa continuar a significar as mudanças desejadas pelas classes mais oprimidas e, diante do aumento da criminalidade, da insegurança, do medo, da guerra urbana, esperança das classes mais abonadas.

O segundo turno, que indicaria uma vitória apertada, já caminha para um desfecho em que o atual presidente pode conquistar uma reeleição com votação esmagadora.

A grande indagação é sobre o que será o seu segundo mandato. No primeiro, embora os programas sociais, a maioria deles continuidade de outros já existentes no governo anterior, porém com mais ênfase, maior propaganda e alarido, conseguiu a marca de governo de esquerda, socialista. Isso porque a grande massa não está habilitada a definir com exatidão o que é um governo de esquerda e socialista. Pelo menos no que toca à política econômica e fiscal, o governo Lula foi tão ou mais neoliberal que o de FHC. E, em diversos aspectos, mostrou-se despreparado, sem programas e sem equipe habilitada.

O segundo mandato, que se prenuncia, cria uma indagação que já é levantada até mesmo pela imprensa do exterior. Comenta-a o Financial Times, dizendo que a dúvida é se o novo governo de Lula será capaz de fazer as reformas a que se propunha em campanha e foi incapaz de realizar no governo. Isso dependerá de quem reúna ao redor de si para governar. Poderá, por exemplo, tentar recuperar os verdadeiros esquerdistas do PT e partidos aliados, que dele se afastaram ou foram afastados. E, aí, teremos um governo socialista de esquerda, com vezos de capitalista. Isso já acontece até com a ditadura comunista chinesa. Por que não ocorreria no Brasil?

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