Emancipação de menores no novo Código Civil e os reflexos trabalhistas e previdenciários

Conforme já noticiado pela imprensa nacional, o novo Código Civil brasileiro entrou em vigor no dia 11/1/2003. E tema de grande importância, em nosso entender, é a emancipação dos menores.

A emancipação dos menores, que possibilita a aquisição da capacidade civil antes da idade legal, foi um dos institutos que também sofreu alterações, ainda não amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Tais modificações, em nosso entender, influenciarão diretamente as relações trabalhistas e previdenciárias.

O Código Civil de 1916 informava em seu art. 9.º que apenas aos vinte e um anos cessava a menoridade, contudo sendo possível a emancipação:

I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos.

II – pelo casamento.

III – pelo exercício de emprego público efetivo.

IV – pela colação de grau científico em curso de ensino superior.

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.

O art. 5.º do código vigente, que disciplina o instituto, além de reduzir para 18 anos o limite da menoridade, acresceu em seu inciso V a possibilidade de emancipação aos menores quando se observar “a existência de relação de emprego, desde que, em função dele, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”.

Como a Constituição Federal, em seu artigo 7.º, garante a todos os trabalhadores, menores ou maiores de idade, a percepção do salário mínimo, sendo este de valor suficiente para atender todas as necessidades vitais básicas e às de sua família, podemos afirmar que o trabalhador menor que possuir relação de emprego, ou seja, que possuir vínculo empregatício, possuirá, automaticamente, “economia própria”, estando assim compulsoriamente emancipado.

A nova disposição legal, ao autorizar a emancipação do menor de dezesseis anos assim que conquiste colocação com vínculo empregatício no mercado de trabalho, possibilita uma série de situações práticas ainda não vislumbradas pela doutrina e a jurisprudência, mas de impacto imediato nas relações obrigacionais.

De imediato observamos que o limite para emancipação do menor à idade de dezesseis anos (através do vínculo empregatício) observa a disposição do art. 403 da CLT, com redação dada pela Lei n.º 10.097, de 19/12/2000, que por sua vez contempla a previsão da norma constitucional, art. 7.º, inciso XXXIII, proveniente da Emenda Constitucional n.º 20, de 15/12/1998.

Como o menor entre 16 e 18 anos de idade, conforme artigo 5.º do Código Civil é relativamente capaz, e o vínculo empregatício, ante sua natureza contratual, é negócio jurídico que exige agente legalmente capaz (art. 104 do Código Civil), permanece obrigatória a assistência do responsável legal (pais ou tutores, conforme o caso) quando da contratação (art. 1.634, inc. V do Código Civil).

Contudo, o responsável legal, ao assistir o menor, possibilitando o regular vínculo empregatício, indiretamente estará autorizando também a emancipação do jovem, tornando este capaz para o pleno exercício dos direitos e obrigações decorrentes, extinguindo o denominado poder familiar (anterior pátrio poder), na forma do art. 1.635 do CCB.

Com tal premissa, passa a ser possível ao jovem contrair as mais diversas obrigações, incluindo matrimônio, empréstimos, comprar e vender bens, prestar fiança e até mesmo renunciar a direitos sucessórios.

Entendemos, ainda, que na seara trabalhista, ante a emancipação, torna-se inócua a previsão do art. 408 da CLT, que possibilitava ao responsável legal pleitear a extinção do contrato de trabalho quando o exercício da atividade laborativa puder acarretar prejuízos de ordem física ou moral, ou mesmo o art. 424, também da CLT, que determinava aos responsáveis legais a obrigação de afastar o menor do emprego quando houvesse redução do tempo de repouso ou estudo.

Quanto ao art. 439 da CLT, que vedava a quitação de verbas rescisórias pelo menor sem assistência do responsável legal, ante a extinção do poder familiar pela nova redação do Código Civil, também se impõe sua ineficácia, sendo regular a rescisão contratual diretamente com o trabalhador menor de dezoito e maior de dezesseis anos.

Todavia, é de âmbito previdenciário o maior prejuízo verificado ao trabalhador menor de dezoito anos automaticamente emancipado pelo contrato de trabalho.

Conforme estabelece o art. 16 da Lei n.º 8.213, de 24/7/1991, é beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

Em face da nova previsão do Código Civil, assim que regular a contratação do trabalhador menor de dezoito anos, e sua automática emancipação, estará o mesmo excluído como dependente do segurado, não podendo ser contemplado com os benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão.

Entendemos que nos benefícios já concedidos, em face do direito adquirido, não poderá haver suspensão do pagamento das parcelas legais deferidas. Tal premissa não se aplica, todavia, àqueles dependentes que ainda não obtiveram o benefício, e que se encontram atualmente trabalhando.

Como o vínculo empregatício é uma relação contratual de trato sucessivo, vale dizer, os direitos e obrigações dos contratantes são renovados de forma continuada, assim que vigente o novo Código Civil, todos os trabalhadores com regular vínculo empregatício, e que possuam entre dezesseis e dezoito anos de idade, encontram-se automaticamente emancipados, não mais sendo dependentes do segurado do INSS.

Note-se, ainda, que o art. 5.º, inciso V do CCB, ao mencionar a figura da relação de emprego, lato sensu, não exclui a relação laboral do trabalhador doméstico ou rural, possuindo esses empregados os mesmos limites anteriormente expostos.

Aparenta-nos que a manutenção da atual redação do art. 5.º do CCB terá o condão de reduzir o número de jovens, nesta faixa etária, dispostos a ingressar no mercado de trabalho ou, em maior prejuízo, ante a atual necessidade de elevar a renda familiar, sujeitar o menor ao trabalho informal, sem regular vínculo, afastando a emancipação compulsória, procedimento que trará, por conseqüência, fraudes ao Sistema Previdenciário.

Ainda: como a legislação previdenciária institui como dependentes apenas os filhos “não emancipados, de qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos”, o fato de a maioridade passar a 18 anos com a nova redação do Código Civil traz por conseqüência a maioridade para a Previdência Social também aos 18 anos. Isto porque o jovem com idade de 18 anos, a contar de 11/1/2003, adquire capacidade para todos os atos da vida civil, não se encontrando mais sujeito à emancipação.

Vigente o novo Código Civil, portanto, os filhos de segurados do Regime Geral de Previdência Social somente serão considerados “dependentes”, para fins de percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão, até a idade de 18 anos.

Charles Michel Lima Dias

é advogado. Cláudia Salles Vilela Vianna é advogada, autora de diversas obras, com destaque para Manual Prático das Relações Trabalhistas, 5.a ed. LTr, SP – 2002.

Voltar ao topo