Efeito tesoura

Antes de instituída a reelegibilidade dos chefes de Executivos todos os que terminavam os seus mandatos, principalmente quando logravam eleger seus sucessores, compareciam à boca de cena pela derradeira vez para um discurso grandiloqüente, em que seus feitos eram maximizados e os defeitos ignorados.

Com a reelegibilidade, alguns nem precisam de auto-elogios. A reeleição os consagrou. Lula, por exemplo, inaugura o seu segundo mandato tirando férias. Só vai começar a governar depois do Carnaval, vencidos alguns empecilhos políticos, táticos, administrativos e estratégicos ainda sequer pensados. E, se pensados, não suficientemente pesados.

Mas quando o governante que sai é substituído por outro político que não reza pela mesma cartilha, surge como arma ameaçadora a Lei de Responsabilidade Fiscal. O novo governante pode e deve promover processos contra o seu antecessor pelas impropriedades administrativas que praticou, as contas que fez e não pagou e as que não fez e deveria ter feito. Quase todos falam na maldita herança recebida; nas dívidas herdadas e nos cofres vazios que lhes deixaram. Mas agora não podem nem precisam ficar só nos queixumes. Há a possibilidade e até a exigência de que tomem providências, para que não venham eles próprios a ser acusados de infratores da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pelo menos dezenove dos novos governadores eleitos por quase todas as siglas partidárias e as mais variadas coligações, situacionistas e oposicionistas, estão fazendo o que se convencionou chamar de efeito tesoura: cortar gastos para tentar pagar as dívidas herdadas. E promover dilações de prazos para a execução de obras, cumprimento de contratos e até para o pagamento de benefícios de obrigação do poder público e com clientela certa. Há males que vêm para o bem e, dentre estes, estão os cortes de pessoal já anunciados por esses dezenove governadores. Eles decidiram apertar o cinto pra valer e já anunciaram a exoneração de milhares de ocupantes de cargos de confiança, aqueles funcionários apelidados de assessores – ou aspones -, cuja principal qualidade sempre foi o compadrismo, o parentesco ou os vínculos político-eleitorais com as autoridades nomeantes. Outras providências são um levantamento minucioso do quadro de servidores estatutários; dos beneficiários de programas assistenciais, e dos contratos firmados pelos antecessores. Em muitos estados e municípios há fundadas desconfianças de que há funcionários fantasma encarnados e até desencarnados. Eles próprios recebem seus vencimentos sem trabalhar e há casos em que alguns médiuns o fazem, pois os verdadeiros servidores até já passaram desta para outra. Há quem recebe Bolsa Família ou outros benefícios sem merecer ou mesmo usando fantasmas. Quanto aos ocupantes de cargos em comissão, é coisa sabida que neste País muita gente recebe salários muito maiores que os dos funcionários públicos profissionais. No que toca a seus conhecimentos, muitas vezes não sabem sequer onde ficam as repartições onde estão lotados.

Há ainda os que são nomeados para esses numerosos e dispensáveis cargos com uma secreta combinação com o político que arranjou o emprego. Os vencimentos são rachados, uma parte para o fantasma e outra para outros fantasmas ou até para o próprio governante que nomeou.

Assim, calcula-se que milhares de ocupantes de cargos de confiança engrossarão, neste início de mandatos, o imenso contingente de brasileiros desempregados. Um mal, mas um mal que poderá vir para o bem, iniciando uma nova fase de respeito aos dinheiros públicos.

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