Queda do dólar derruba rendimento de catadores de rua

A desvalorização do dólar frente ao Real, que só no primeiro semestre atingiu 9,4%, traz prejuízos a importantes setores da economia nacional. A queda da moeda norte-americana é um dos principais motivos de a indústria de calçados deixar de exportar cerca de cinco milhões de pares de sapatos de janeiro a maio. É também o grande fator pelo qual a indústria têxtil trabalha com um déficit de US$ 1 bilhão na balança comercial do setor em 2007. Sem falar nos prejuízos causados ao agronegócio, à indústria moveleira e a de eletro-eletrônicos, o que pode resultar em milhares de demissões. O que as estatísticas não mostram é que, na ponta de um grande setor da indústria, o da reciclagem, os cerca de um milhão de catadores de latinha e de papel do Brasil também sentem no bolso o reflexo do câmbio.

É comum os catadores ouvirem dos aparistas – os compradores de papel usado – que a desvalorização do dólar é um dos principais motivos para os baixos preços pagos pelas latinhas de cerveja, caixas de papelão e garrafas de refrigerante. É o caso de Adauto Nogueira de Lima, de 46 anos, há cinco anos catador de papel nas ruas da capital paulista. "Eu ouço falar que é por causa do dólar, mas não entendo bem o porquê", diz.

Lima é um dos 20 mil catadores existentes só na cidade de São Paulo, segundo pesquisa do Instituto Polis, tomada como referência pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Ele conta que, para compensar os preços, tem de puxar mais rápido sua carroça e coletar maiores quantidades de caixas de papelão, jornais e revistas durante o dia. Com isso consegue tirar em torno de R$ 500,00 por mês e sustentar a mulher e os quatro filhos. Lima diz que acorda às 5 da manhã para começar a trabalhar por volta das 7 horas. E só vai se deitar às 23 horas. Ele não sabe quantificar o valor perdido com o câmbio, mas não tem dúvida de que quanto mais o dólar cai, mais ele precisa se esforçar.

Não existe um dado nacional dos preços pagos aos catadores de materiais recicláveis pelas matérias-primas, mas os dados regionais disponíveis, fornecidos pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), uma associação de empresários dedicada à promoção da reciclagem, confirmam que a variação do custo das mercadorias acompanha a do dólar. No primeiro bimestre de 2002, o preço pago aos catadores de Salvador, na Bahia, pelo papelão estava em R$ 100,00 a tonelada. Nesse período, o dólar era cotado a R$ 2,33. Os catadores chegaram a vender a mercadoria por R$ 300,00, o triplo do preço pago anteriormente, com o dólar a R$ 2,93, no quarto bimestre de 2003. Hoje, a moeda norte-americana não ultrapassa a casa dos R$ 2 e a tonelada do papelão não sai por mais de R$ 150,00.

Demanda

Em Campinas, no interior de São Paulo, a mesma mercadoria era vendida a R$ 120,00 no primeiro bimestre de 2002 e atingiu o pico de R$ 230,00 em março e abril do ano seguinte, época em que o dólar estava cotado a R$ 3,27. Atualmente os catadores recebem R$ 180,00 pela tonelada do papelão no município e região. O preço do papel reciclado só não caiu na mesma proporção do dólar porque a demanda aumentou, segundo o coordenador e gerente do Serviço Franciscano de Apoio à Reciclagem (Recifran), uma cooperativa de catadores, Nataniel Airton Luft.

O que catadores como Lima não sabem é que a relação entre a moeda norte-americana e os preços pagos a eles se dá porque os materiais recicláveis – latinha de alumínio e de aço, papel de todos os tipos, vidro, plástico, garrafa PET e embalagens do tipo longa vida – são commodities, produtos negociados nas bolsas de mercadorias. Logo, os preços são estimados em dólar. A queda nos preços das commodities é repassada ao longo da cadeia que negocia os materiais, até chegar aos catadores. Angelo Di Sarno, conselheiro administrativo da Associação Nacional dos Aparistas de Papel (Anap), diz que "toda a cadeia produtiva sofre um desgaste e o catador também é atingido pela lei da oferta e da procura". Ele informa ainda que o problema já dura três "longos" anos.

Importação

O dólar é a principal referência na formulação dos preços das mercadorias, mas não é a única. Há ainda a concorrência das importações, também muito influenciada pela cotação da moeda norte-americana. David Amorim, assessor de comunicação do MNCR, explica que o preço do papel reciclado é mais baixo que o do papel novo. Porém, há mais desperdício na produção. "O papel reciclado precisa ser triturado, exige mais produtos químicos, e não tem a qualidade nem a pureza do papel novo", disse. Com a desvalorização do dólar, segundo Amorim, o preço do papel novo chega próximo ao do reciclado. Os compradores, então, optam pelo papel que desperdiça menos – o novo, grande parte dele importado.

Voltar ao topo