OMC começa reunião com países divididos

Os países da Organização Mundial do Comércio abrem hoje uma conferência ministerial, cujo principal objetivo é tentar liberalizar setores, como a agricultura, e reduzir taxas para beneficiar a economia global, sobretudo os países em desenvolvimento. No entanto, as divergências são tão grandes que esse objetivo maior pode estar ameaçado. ?Aproveitaremos a ocasião para construir uma plataforma para as negociações do ano que vem. Temos pouco tempo e muito o que fazer?, afirmou ontem o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy.

O tempo escasso é, no entanto, um dos poucos pontos em que as 149 delegações ministeriais que assistirão à reunião, de 13 a 18 de dezembro, em Hong Kong, concordam. Lamy insiste ser necessário que, no início de 2006, os acordos sobre o comércio de produtos agrícolas e industriais já estejam concluídos.

No entanto, as profundas divergências entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos – inclusive nestes últimos – sobre as reduções a serem aplicadas sobre os subsídios agrícolas, as ajudas à exportação e o nível de abertura dos mercados dos produtos agrícolas, assim como essa mesma abertura no capítulo de bens industriais, já obrigaram a cortar a lista dos objetivos iniciais.

Sobre a mesa de negociação está o projeto de declaração ministerial, adotado em Genebra no início do mês pelos chefes de delegação e que constitui a base dessas conversações.

Cerca de 6 mil delegados representando os 149 países-membros da OMC e das organizações ou nações com status de observador assistirão à reunião ministerial. Outros 2 mil representantes de organizações não-governamentais e 4 mil jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas também estarão presentes.

?O importante é deixar Hong Kong com o sentimento de ter obtido algo claro e real que permita o fim da negociação em 2006?, afirmou o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson. Acrescentou, no entanto, que as dificuldades persistem nas três principais áreas de negociação, como a agricultura, acesso aos mercados para os bens industriais e de serviços.

Além disso, insistiu que, desta reunião, marcada por expectativas baixas, dadas as profundas divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em quase todos os pontos, ?tem que sair também as fórmulas para que todas as modalidades de negociação sejam aprovadas em 2006?.

Por sua vez, o representante de Comércio dos EUA, Rob Portman, disse esperar que a reunião ?seja um exercício produtivo, no qual se solidifiquem os ganhos que já obtivemos e que as atenções estejam voltadas para que o fim da Rodada de Doha ocorra em 2006?.

Segundo ele, as negociações dessa rodada têm pouco tempo pela frente, lembrando que, no caso dos EUA, o prazo no qual expira a Autoridade de Promoção Comercial, conhecido como ?fast track?, é junho de 2007.

O ?fast track? permite aos EUA negociar acordos de comércio intrnacional sem ter que submetê-los ao processo de emendas do congresso, que só pode se pronunciar a favor ou contra.

?Creio que os grandes líderes europeus, que freqüentemente falam e falam com sinceridade do combate à pobreza no terceiro mundo, também têm que fazer o que mais favorece a esses países, que é eliminar os subsídios?, afirmou o chanceler brasileiro, Celso Amorim.

?A oferta européia, tal como está hoje, oferece menos do que na Rodada do Uruguai, logo, não é substancial. A Rodada de Doha não está sendo cumprida?, afirmou Amorim.

Encontro pode repetir decepções anteriores

Uma disputa aumenta depois de alguns dias. Hong Kong, ou seja, a grande reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) já é um fracasso. É verdade que a OMC, apesar de sua jovem idade (dez anos apenas), já se habituou aos fiascos: Seattle, em 1999 e Cancún, em 2003, foram completas decepções. Em 2001, Doha conseguiu lançar o ?ciclo do desenvolvimento? que deve ser inaugurado mais tarde em 2006. Não resta, portanto, muito tempo. É o que dá a Hong Kong o caráter de necessidade, de urgência e de drama.

As razões do fracasso são variadas, especialmente no domínio da agricultura. É nesse campo, na verdade, que os países subdesenvolvidos e os países emergentes sofrem, segundo eles, as mais graves injustiças por parte dos países ricos. E eles denunciam a ancestral hipocrisia dos países dominantes que pregam a globalização, o mercado, mas só depois de ter manipulado as regras em seu favor.

Na verdade, esses países ricos subvencionam ao máximo seus próprios agricultores (subvenções ou ajuda para a exportação), mesmo que isso signifique asfixiar os camponeses dos países pobres. E em troca de pequenos ajustes, em troca de pequenas reduções nessas subvenções, eles querem obter um acesso maior aos mercados dos países em desenvolvimento.

O Financial Times, de Londres, escreveu: ?Acreditamos que o Brasil defende seus próprios interesses ao pretender falar em nome do Terceiro Mundo. O dossiê do algodão terá, talvez, conseqüências positivas para os produtores da África ocidental graças ao aumento dos preços. O do açúcar, em compensação, vai penalizar os produtores da África, do Caribe e do Pacífico que são beneficiados com acesso privilegiado aos mercados europeus?.

Os seis mil delegados que vão se encontrar em Hong Kong terão de desembaraçar nós mais complicados do que esse. E isso porque foram extraídos apenas alguns problemas da imensa matéria do comércio mundial. Há outros, inúmeros – como a posição vertiginosa da China, que é ao mesmo tempo um dos cruéis beneficiários da globalização econômica e partidária do grupo de países em desenvolvimento, que critica ferozmente as regras e o funcionamento dessa globalização.

Subsídios do algodão nos EUA nas mãos do congresso

O congresso americano deve resolver nesta semana o problema dos subsídios ao algodão condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), disse ontem o secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Mike Johanns. A solução será um ajuste no orçamento. ?Fizemos tudo que podíamos?, havia dito o secretário pela manhã, numa entrevista coletiva. ?Mas a solução?, acrescentou ?envolve legislação sobre subsídios a exportações, e isso depende do congresso.?

Os cortes provavelmente não bastarão para os Estados Unidos cumprirem a decisão dos juízes da OMC, disse o empresário Pedro Camargo Netto, diretor da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura. Segundo Camargo, que foi o principal incentivador do processo contra os subsídios americanos ao algodão, o corte será de US$ 500 milhões e ainda sobrarão subvenções ilegais no valor de US$ 1,5 bilhão.

Mike Johanns e Robert Portman, o representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior (USTR), tentaram mostrar em duas entrevistas que seu governo está comprometido com a reforma do comércio agrícola e que o principal obstáculo ao progresso das negociações, nesse tema, é a resistência da União Européia.

O secretário da Agricultura reafirmou a posição de seu governo a favor da eliminação completa dos subsídios à exportação agrícola até 2010 (os europeus até se opunham à fixação de um prazo). Portman foi mais longe na tentativa de mostrar os europeus como grandes adversários da reforma do comércio agrícola. Sem mencionar diretamente a União Européia, chamou de cinismo a tática de ?se esconder atrás da erosão tarifária? para evitar a abertura de mercado.

Bové

A intervenção do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, evitou ontem a expulsão do ativista José Bové, detido no aeroporto de Hong Kong, onde acontece a reunião ministerial dos países-membros da OMC. Bové foi detido ao desembarcar por ser considerado ?persona non grata? pela Imigração, que imediatamente ordenou sua expulsão, segundo disse o ativista em entrevista a uma rádio francesa.

 

Voltar ao topo