entrevista a o estado

Falta planejamento para Brasil consolidar crescimento, diz presidente do Ipea

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, esteve em Curitiba nesta sexta-feira (18) para palestrar dentro da programação Projeto Unibrasil Futuro, que está no terceiro ano, com a finalidade de trazer os grandes pensadores da atualidade para discutir o Brasil de hoje. Para ele, planejar é a palavra de ordem para a consolidação do desenvolvimento nacional. Em entrevista concedida a O Estado, ele traça uma análise do cenário econômico mundial e diz que está na hora de abandonar o imediatismo que pautou as políticas públicas das últimas duas décadas e adotar meios de resolver os problemas estruturais ocasionados pela falta de investimentos estratégicos neste período.

O EstadoNos últimos anos, o Ipea tem ampliado a diversidade dos temas pesquisados e divulgados para a sociedade. Houve alguma mudança no direcionamento dos estudos elaborados pelo instituto?

Marcio Pochmann – Isso é a função de uma instituição de economia aplicada. Não geramos conhecimento abstrato, nossa função é produzir conteúdo para avaliação, monitoramento e aprimoramento das políticas públicas, tanto no âmbito do Poder Executivo, quanto do Judiciário e Legislativo. O que ocorreu no período recente foi uma ampliação da agenda de trabalho. Anteriormente o Ipea era quase monotemático, devido à orientação que tinha, mas ocorreu um concurso e nós ampliamos e, hoje, o Ipea tem condições de se debruçar sobre mais de cem temas. Isso envolve desde energia nuclear à defesa nacional, que era um tema de domínio exclusivamente militar. Também pesquisamos temas relacionados à sustentabilidade ambiental e macroeconomia, tudo isso porque um país como o Brasil junto com a China e a Índia já respondem por quase metade do crescimento econômico mundial. Esses países são as locomotivas do mundo. E é fundamental que tais locomotivas tenham instituições capazes de olhar a médio e longo prazo. Os governos, de um modo geral, ainda estão prisioneiros do curto prazo, para resolver a emergência. E dessa forma o importante fica no segundo plano. Nesse sentido, uma instituição como o Ipea tem sua singularidade no sentido de assessorar os governos nas tomadas de decisões, bem como permitir que a sociedade tenha conhecimento para poder avaliar se as decisões tomadas são adequadas.

OEComo fica a autonomia do Ipea na produção desses estudos?

MP – De maneira geral, por meio de acordos de cooperação, temos acompanhado praticamente todas as políticas públicas e isso é feito, por exemplo, em parceria com os ministérios. E isso se dá ao mesmo tempo que temos autonomia de nos posicionarmos. Nossos técnicos em planejamento de pesquisa reúnem condições para fazerem uma avaliação autônoma. Isso nem sempre é muito bem entendido. De um lado, pelo próprio governo, que faz críticas muitas vezes, e também por parte da sociedade, que algumas vezes nos considera chapa branca porque algumas avaliações coincidem com algo favorável ao governo. No fim, acabamos sendo criticados pelos dois lados. No meu modo de ver, isso é sinal de que a instituição vem operando de maneira adequada. Receber críticas dos dois lados é uma demonstração de que estamos no rumo correto.

OE Diante disso, que análise você faz do Brasil neste momento? Quais oportunidades o País está e não está aproveitando?

MP – Nós ainda sentimos as consequências de problemas herdados pelas últimas duas décadas com a perda de dinamismo econômico, com a drástica redução de investimentos em infraestrutura. Precisamos administrar muito bem a expansão econômica. Se de um lado o crescimento econômico gera mais oportunidades, mas também ele gera fracassos. Um dos problemas, hoje, é o transporte nos grandes centros. Nós não investimos em transporte público, houve um avanço do transporte individual e nós estamos tendo uma condição de locomoção que está gerando custos brutais com a perda de tempo. As pessoas adotam o carro como meio de transporte, principalmente porque não foram feitos investimentos no transporte coletivo que permitissem uma alternativa de transporte. É constrangedor reconhecer que as nossas principais cidades, por exemplo, não possuem aneis viários, com parte da carga passando por dentro das cidades. São Paulo não tem nenhum anel viário completo, enquanto Pequim já conta com cinco anéis viários. É estranho que um país que tenha um fluxo de deslocamento de pessoas como Rio de Janeiro e São Paulo não tenha um meio de transporte ágil. Isso evidencia um atraso do ponto de vista dos investimentos que o Brasil poderia ter feito. O mesmo vale para as usinas hidrelétricas. Na parte de infraestrutura, não fizemos o dever de casa e, agora, isso se coloca como problema.

OEO senhor já citou o desempenho chinês duas vezes. No que a “locomotiva” asiática se diferencia da brasileira?

MP – Planejamento de cinco anos. Essa é a riqueza daquele país e de qualquer outro para um desenvolvimento forte. Nós tínhamos um grupo de executivos que pensava o transporte, mas desapareceu nos anos 90. Porque se acreditou que o mercado por si só resolveria. O mercado é importante em uma economia capitalista, mas não substitui o Estado. Não pode operar sozinho, pressupõe um planejamento. Os empresários planejam seu negócio, seu setor, mas quem planeja o todo é o Estado. E nós perdemos essa capacidade, a ponto de termos dificuldades em processos licitatórios. Há recursos, mas não se tem o projeto. Isso se deve à escassez de quadros no setor público no âmbito federal, estadual e municipal. O Ministério de Minas e Energia, em 2003, só contava com dois engenheiros. Evidentemente que se pode recompor tudo isso, mas não é do dia para a noite.

OE Avaliando esse vácuo criado pelos anos de paralisação no crescimento, durante a estagnação algumas profissões se mostraram inviáveis, como as engenharias. Como estão os quadros?

MP – Isso levou até mesmo a um desvio de função. Hoje temos um dado de que 68% dos engenheiros exercem atividades fora daquelas pelas quais se capacitaram, ou seja, fora das engenharias.

OE E o tempo entre graduação e vivência profissional para se ter um profissional de engenharia capaz de trabalhar em projetos estratégicos é de quase uma década, não é?

MP – Temos um problema mais grave, que é a evasão, que é um problema geral do ensino superior. E nesse sentido, temos a informação de que apenas 15% dos estudantes de engenharia conseguem se formar no prazo de cinco anos. É uma evasão enorme. São 332 mil vagas que formam 47 mil engenheiros por ano. Na melhor das situações, o aluno não consegue se formar no prazo. Sem falar no fato de que 42% dos engenheiros que se formam provêm de instituições de ensino consideradas pelo MEC (Ministério da Educação) de baixo desempenho.

OE E o que o senhor visualiza de positivo no Brasil atual?

MP – O Brasil não é uma ilha, mas tem uma condição diferente diante do mundo. Olhando a situação mundial, fomos surpreendidos por dois eventos muito negativos. A instabilidade no Oriente Médio traz um impacto na formação de preços básicos na economia mundial, principalmente por conta do aumento do preço do petróleo e a consequente inflação. O outro problema foi o que se sucedeu no Japão, a terceira economia do mundo, que vai crescer negativamente, o que vai impactar todo o comércio mundial. E mesmo com essa desaceleração, encontramos no Brasil uma busca pela contenção do nosso rápido crescimento. A ponto da presidente que instituiu no governo anterior o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançar neste início de governo uma espécie de PDC, ou seja, Plano de Desaceleração de Crescimento, no que tange ao aumento da taxa de juros e contenção do crédito. Tais medidas, apesar de buscarem um freio, diferenciam-se da década de 90 pelo objetivo, já que, agora, tais ações buscam dar sustentação ao nosso desenvolvimento.