Dedo da Fazenda não abala meta de inflação colombiana

Se você acha que a proximidade entre o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, causa um estrago irreparável para a credibilidade da política monetária, então mire-se no exemplo da Colômbia. No país andino, onde o ministro da Fazenda, Juan Carlos Echeverry, preside a diretoria do BC colombiano e vota nas decisões sobre a taxa básica de juros, a autoridade monetária máxima colombiana entregará em 2011 a inflação dentro da meta pelo terceiro ano consecutivo.

Desde que Tombini surpreendeu o mercado financeiro brasileiro ao cortar a taxa Selic em 0,50 ponto porcentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 31 de agosto, após uma semana de declarações da presidente Dilma Rousseff e do ministro Mantega pressionando por redução de juros, a autonomia do BC brasileiro foi posta em xeque e a decisão do corte de juros foi questionada como politicamente motivada. Na Colômbia, a ingerência do ministro da Fazenda no banco central não é vista como problemática para as expectativas inflacionárias nem para a avaliação do BC como guardião na luta para a estabilidade de preços.

“No caso da Colômbia, embora tenha sido uma prática antiga de o ministro da Fazenda ter assento na diretoria do banco central, isso não tem afetado o compromisso da autoridade monetária com o regime de metas de inflação”, disse à Agência Estado o vice-presidente da classificação de risco Moody’s, Mauro Leos. A Moody’s elevou o rating em moeda estrangeira para Colômbia de Ba1 para Baa3, o nível mais baixo de grau de investimento, equivalente ao rating do Brasil.

Para Leos, mesmo que a visão do ministro da Fazenda não esteja necessariamente em sintonia com a do banco central, isso não tem representado um viés para as decisões de política monetária. “No final das contas, a independência do banco central é determinada pela capacidade da autoridade monetária de adotar medidas que reflitam suas prioridades, particularmente quando um regime de meta de inflação está operando, e não aquelas medidas de grupos de interesses que tentam influenciar as decisões de política monetária”, afirmou.

O presidente do BC colombiano, José Darío Uribe, anunciou a manutenção da taxa de juros básica em 4,5% na sua reunião do dia 30 de setembro. A inflação acumulada em 12 meses em setembro subiu para 3,73% ante 3,23% em agosto, ainda dentro da meta de longo prazo, fixada entre 2% e 4%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma inflação em 2011 de 3,1%. Em 2010, a inflação colombiana ficou em 3,17%, depois de ter atingido apenas 2% em 2009.

“Historicamente, o banco central da Colômbia não está entre os mais independentes na América Latina”, disse Gustavo Arteta, economista para Colômbia do banco UBS em Nova York e cuja tese de PhD pela George Mason University versou sobre a independência do banco central. “Mas nos últimos oito anos o banco central colombiano tem construído uma reputação de ser uma autoridade monetária que prioriza o combate à inflação”.

Na opinião de Arteta, os ministros da Fazenda colombianos nos últimos oito anos têm tido um perfil mais conservador em termos de combate à inflação e também de manter sob rígido controle os gastos públicos, o que ajudou ao trabalho dos presidentes do BC daquele país andino. “Neste momento, porque Echeverry é mais ortodoxo em termos de política monetária e gestão macroeconômica, o fato de ele ter assento na diretoria do banco central é algo positivo para o regime de metas colombiano”, explicou. E esse trabalho ficou mais fortalecido desde 1991, quando houve uma reforma das atribuições do banco central colombiano e quando foi fixada pela primeira vez uma meta quantitativa para a inflação. “Antes disso, se o banco central queria focar o seu trabalho no combate à inflação, o governo, na figura do ministro da Fazenda, puxava a corda para o outro lado.”

Na opinião do economista do banco Goldman Sachs em Nova York, Alberto Ramos, do ponto de vista institucional, seria muito melhor se o ministro da Fazenda colombiano não participasse nem votasse nas reuniões de política monetária. “Mas o ‘track record’ (desempenho histórico) do BC colombiano é o que importa, pois, dado que os últimos ministros da Fazenda não têm tido uma visão diferente da do presidente do BC, na prática isso não tem preocupado os investidores”, explicou Ramos à Agência Estado. Ele ressaltou a inflação colombiana sob controle e na meta desde 2009, ou seja, o BC colombiano tem entregado uma inflação baixa e dentro da meta.

No Brasil, principalmente na gestão do ex-presidente do BC Henrique Meirelles, o que se via era uma visão completamente diferente entre a Fazenda e o BC. “Agora, infelizmente, o BC brasileiro e a Fazenda estão alinhados do lado errado da questão, mas pelo menos eles estão de acordo”, disse Ramos. “O que significa que as últimas decisões do Copom não foram frutos de pressão política, mas de um grau de convicção do banco central de que esse é o caminho a seguir”, afirmou o economista do Goldman Sachs.

“Lá na Colômbia o alinhamento do BC e da Fazenda é para o combate à inflação, não é um pensamento desenvolvimentista como no Brasil”, afirma Ramos. “É importante haver uma coordenação entre política fiscal e política monetária, mas isso não significa que a política monetária tem de estar subordinada a objetivos de crescimento e objetivos mais fiscais. Afinal, variáveis monetárias podem estimular a economia no curto prazo, mas no longo prazo o crescimento depende de fatores reais e não nominais”, disse o economista.