Brasil tem o juro mais alto entre os emergentes

A taxa de juros cobrada do setor privado no Brasil é a maior entre as principais economias emergentes. Na comparação com todos os países, os juros brasileiros só são mais baixos, na média, do que os praticados em Angola. A conclusão é de um levantamento realizado pelo Iedi (Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial) com base em dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), que mensalmente recolhe informações com autoridades financeiras de 146 países.

É importante ressaltar que a pesquisa não compara exatamente as mesmas taxas de juros entre os países. Mas serve como referência para mostrar qual, em média, é o custo para obter um empréstimo privado em outras localidades.

As peculiaridades do sistema financeiro brasileiro – como a elevada taxa básica (16,5% ao ano, que serve de referência para as demais operações de crédito) e a falta de concorrência entre bancos – são terreno fértil para que, no Brasil, a taxa média cobrada por bancos, de pessoas físicas e jurídicas, chegue a 56,6% ao ano, segundo dados de janeiro.

Uma diferença abismal para a praticada em outro país emergente da América Latina, o México: 5,3% ao ano em dezembro de 2003 (último dado disponível).

Na comparação com os países que informam ao FMI suas taxas a partir do mesmo conceito do Brasil (uma média entre as diferentes modalidades de empréstimo para consumidores e empresas), os juros nacionais só perdem para os praticados em Angola (88% ao ano).

Na Indonésia, que informa ao Fundo seus juros em apenas uma modalidade de crédito – capital de giro para empresas -, a taxa de empréstimo ao ano é de 15,5%.

As taxas para pessoas jurídicas são mais baixas porque a inadimplência de empresas é menor. Mesmo assim, no Brasil a taxa média cobrada para empresas é de 42,1% ao ano.

As discrepâncias entre o sistema financeiro brasileiro e o do resto do mundo se tornam ainda maiores quando as taxas de empréstimos locais são comparadas com as de países desenvolvidos. No Japão, por exemplo, a média dos juros cobrados de empresas e consumidores é de 1,8% ao ano.

Nos EUA e no Canadá, que informam ao Fundo suas taxas “prime” (as mais baixas), o sistema financeiro cobra, em média, 4% e 4,5% ao ano, respectivamente.

“A comparação internacional de taxas de juros é tão contundente ao mostrar a distância do Brasil em relação a vários outros países, que dispensa maiores comentários”, afirma Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi.

De acordo com ele, uma das conseqüências das diferenças entre taxas de juros no Brasil e em outros países é que “a produção brasileira compete em desvantagem com a concorrência estrangeira, tendo que descontar a diferença em padrões salariais ou desvalorizações cambiais”.

“A produção doméstica, especialmente a indústria, está assistindo as suas vendas para o mercado interno definharem, em virtude não só da queda da renda real, mas também da escassez de crédito e dos “spreads” cobrados no mercado interno”, diz Almeida.

“Spread” é a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa efetiva cobrada dos clientes.

Crédito restrito

Uma das principais razões para essa desproporcionalidade nos juros cobrados no Brasil é que, por aqui, é muito mais atrativo para os bancos alocar recursos para títulos da dívida pública – atrelados à taxa básica de juros da economia, a Selic, que possuem boa rentabilidade e baixíssimo risco – do que direcioná-los para crédito ao setor privado.

Segundo estudo divulgado no ano passado por uma pesquisadora do FMI, Agnès Belaisch, grandes bancos, com mais de R$ 5 bilhões de ativos, têm mais recursos aplicados em títulos do que em operações de crédito.

O mesmo estudo mostra que o percentual de empréstimos em relação ao PIB no Brasil é de 24,8%, um dos menores do mundo. Nos EUA, por exemplo, a relação é de 45,3%.

Concentração

Além disso, os bancos brasileiros são poucos – houve uma grande concentração nos últimos anos – e cobram tarifas muito parecidas, o que elimina a concorrência e joga os juros para cima.

De acordo com o economista Fernando Cardim, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), nos países onde há uma intervenção maior do Estado no sistema financeiro os juros ao consumidor e empresas são menores.

“Na Argentina, por exemplo, as taxas finais são mais baixas, porque há controle de capital. Isso ocorreu também na Malásia há alguns anos. Mas no Brasil o governo não tem poder de barganha.”

Segundo o economista Francisco Petros, “todo o sistema tributário no Brasil é contra juros baixos”. “Outro ponto é que os procedimentos judiciais para recuperação de crédito são extremamente demorados. Não existem mecanismos com os quais você possa provocar reestruturação rápida de dívidas, por exemplo.”

A falta de garantias dos bancos em relação à inadimplência é um dos fatores citados pelo sistema financeiro como responsável pelas altas taxas de juros.

De acordo com alguns economistas, a aprovação da Lei de Falências, em tramitação no Congresso, pode reduzir os juros finais, ao conceder maior garantia de recuperação de empresas em dificuldade. Alberto Borges Matías, sócio da ABM Consulting, discorda. “Não vai haver redução de juros, porque o impacto será muito pequeno”, diz. “O volume de insolvência dos bancos não justifica esse nível de taxa de juros ao consumidor e empresas. E receber atrasado é um grande negócio para os bancos exatamente por causa dos juros altos.”

Faltam garantias para baratear o crédito

Para o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Roberto Luis Troster, os dados do FMI para taxa de empréstimo têm algumas distorções.

Segundo Troster, os dados informados pelo México, por exemplo, levam em conta também as taxas dos chamados “recursos direcionados” (juros do crédito imobiliário ou rural, por exemplo, que são menores), enquanto os do Brasil informam apenas os recursos livres (crédito concedido a pessoas físicas e empresas sem destinação prévia).

Independentemente disso, o economista admite que os juros ao consumidor são altos no país. “Mesmo se tirarmos a inflação, ou colocarmos os recursos direcionados no dado do Brasil, o custo do dinheiro é muito alto no país.”

Segundo ele, o que ocorre é que “os canais de transmissão estão obstruídos”. Os juros são altos a empresas e consumidor, de acordo com o economista, devido ao excesso de tributação, ao baixo nível de bancarização no Brasil (o que diminui a possibilidade de ganho em escala) e ao compulsório alto (percentual de recursos que os bancos são obrigados a depositar no Banco Central).

Ele critica também o que chama de um “quadro institucional obsoleto”, o que diminui as garantias aos bancos em caso de insolvência.

“Falta eficiência, falta rapidez e falta respeito aos direitos em relação à execução dos contratos”, afirma o economista.

Para Troster, é preciso haver mudanças nesses quatro pontos para os juros baixarem. “Com juros desse tamanho, o país não vai crescer.”

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