E mentir, pode?

Não foram as peripécias ou preferências sexuais de Bill Clinton com a estagiária Mônica, nem mesmo o fato de ele ter se ocupado dessas atividades em pleno expediente de seu nobre trabalho que quase o levaram ao impeachment, mas a ira do povo americano (de seus opositores e da Justiça) decorria da mentira que o presidente contava. Pilhado faltando com a verdade, teve que renunciar, alguns anos antes, o então presidente Nixon. Clinton safou-se por um triz, mas até hoje, na condição de advogado, paga tributo caro por ter ensaiado, no exercício da presidência, uma quase mentira ou uma meia-verdade.

Não que os exemplos que vêm dos EUA sejam sempre os melhores, mas esse princípio tem lastro também em nossa cultura. Ou tinha. Alguém que mente, seja lá por qual motivo, não merece apreço. Nem consideração. Nem respeito. Muito menos admiração e confiança. Isso vale para qualquer do povo. Muito mais para os que, em postos de relevância social ou imbuídos de representação ou poder, têm por obrigação dar o exemplo dos justos e honrados.

Cultiva-se, entre políticos que sobem os palanques, um hábito que oscila entre o heroísmo e a covardia. Tem a ver com a coragem de prometer, criticar, produzir a fórmula mágica da solução do que resolvido não está e a pusilanimidade da dissimulação, da meia-verdade, da mentira. Temos visto no cenário nacional casos de juras de inocência continuarem sendo realizadas solenemente mesmo quando todas as provas conduzem para a culpa formalizada. Graças a isso, o inocente e o honrado se assemelha ao sem honra; o que fala a verdade se parece com o que conta mentiras. O benefício da dúvida de um é o proveito e regalo do outro.

Esta campanha presidencial, pelo que até aqui foi possível ver, ouvir e ler, está sendo pródiga nesses aspectos. Está evidente que a honradez e a honestidade foram condenadas a virtudes menores para quase todos os candidatos que desdizem hoje o que afirmaram (ou fizeram) categoricamente ontem.

Há o exemplo das inimizades antes intransponíveis que subitamente se transformam em elogios, abraços e beijos. Há o espetáculo das coligações entre pregoeiros de ideologias tão diversas quão adversas. Há, também, o caso de quem, na sistemática oposição, passa a fazer apologia daquilo que condenava com força e organização, ou o exemplo dos que até ontem participavam do butim e hoje criticam a mesa e a sobremesa. Mas tudo isso, por ser inerente à política e à natureza humana (ou, como está na moda dizer, faz parte), é café pequeno diante das contradições nas afirmações, números e fatos em que foram pilhados neste início de campanha alguns candidatos à suprema magistratura da nação. São inverdades motivadas apenas pela vontade de impressionar, torcer fatos e coisas a seu favor e proveito, mentiras, enfim.

Para não cometer a deselegância de nominar este ou aquele, remeta-se por enquanto a questão à vigilância do eleitor que se presume bem informado pelo que a imprensa vem levantando nos últimos dias. Há candidatos mentindo deslavadamente. E sem enrubescer, quando questionados, tergiversam e explicam a mentira com outra mentira…, a diabólica persistência no erro que distingue os bem-intencionados dos que agem com má-fé.

Se imaginar mentirosos no exercício do poder maior da República é terrível, quem dirá tê-los que suportar no desgoverno que virá depois!

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