Duas visões e uma sugestão sobre Direito Autoral na obra de arte, texto e propriedade industrial

Este artigo trata do problema da autoria e da originalidade na obra de arte, na música e no texto escrito, tecendo considerações filosóficas a partir da visão de dois autores: Dondi e Durant. Ao final, apresenta-se uma sugestão fundamentada na lógica filosófica, visando a colaborar com a discussão do assunto, envolvendo também a propriedade industrial. Aspectos legais e históricos são considerados.A proposta apresentada consiste em novos tópicos para o debate e para pesquisa a ser desenvolvida posteriormente, por equipes interdisciplinares.O assunto é matéria aberta e possivelmente só poderá ser compreendido englobando abordagens interdisciplinares e novos tópicos para o debate.

1. DIREITO AUTORAL NA OBRA DE ARTE, MÚSICA E TEXTO

A regulamentação jurídica dos direitos autorais, no caso brasileiro, tem passado por várias e sucessivas atualizações e, possivelmente, em breve novas normatizações hão de vir a público. Para exemplificar, veja se a Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que revogou a Lei n.º 5.988, de 14 de dezembro de 1973, a qual modificou os prazos de vigência a dos direitos autorais. Por seu turno, a matéria remonta a Lei n.º 5.772, de 21 de dezembro de 1971, que institui o Código da Propriedade Industrial em face dos dois que lhe antecederam, promulgados por Decreto-Lei em 1967 e em 1945, respectivamente.

Como sabido, o assunto é vasto e tem ensejado discussões que se complexizam mormente ao alçar a esfera do Direito Internacional, envolvendo tópicos como a pirataria e o registro de marcas.

Todavia, visando a apresentar uma sugestão inicial para colaborar com a discussão do assunto, no presente artigo, por ora, vamos considerar apenas a questão básica e elementar do direito autoral sobre a escrita do texto, a composição da partitura musical e a criação original da obra de arte. Em futuros ensaios, tencionamos aprofundar outros aspectos do debate.

Vejamos:

Tanto no texto escrito, como na partitura musical e na obra de arte em geral, a autoria enseja diferentes momentos: inspiração, concepção, criação, execução e interpretação. Curioso é que, a cada uma dessas etapas, novas possibilidades de criação portanto, de autoria vão surgindo, inclusive para o executor e para o intérprete da música, do teatro e da arte em geral, bem como do texto escrito. Assim, um leque de infinitas possibilidades criativas vai se abrindo mais e mais, dificultando, desse modo, a delimitação dos direitos autorais.

Parte do problema, a nosso ver, reside no modo pelo qual foram estabelecidas as bases do direito autoral no Brasil e, por conseguinte, nos ordenamentos jurídicos nos quais o nosso País se inspirou.

Entendemos que a separação jurídica entre direito autoral, direito de execução e direito de interpretação é um modo de retalhar esse tipo de criação, do mesmo modo como se retalhou a propriedade do solo. A intuição que imbuiu tais tarefas normativas parece ser a mesma. Portanto, é perceptível a derivação advinda dos códigos oitocentistas do período napoleônico, bem como de uma bidimensionalidade que deriva da visão euclidiana de mundo.

A seguir, examinaremos aspectos das visões de dois autores Dondis e Durant, respectivamente para, ao final, apresentarmos a nossa sugestão para a discussão do tema.

2. A VISÃO DE DONDIS

Para Dondis(1), a invenção da câmera e de todas as suas formas paralelas constitui um marco na história da propriedade intelectual e dos direitos autorais.

Diz ele que a arte e o seu significado, a função e a forma do componente visual da expressão e da comunicação na era tecnológica ocorreram sem que se tenha verificado uma mudança correspondente na arte e na Estética.

Dondis(2) nos fala de um ?alfabetismo visual?, afirmando que a disciplina estrutural verbal é a sua base, sendo que dela um grupo compartilha o significado. A essa base é atribuído um corpo comum de informações. O alfabetismo visual deve operar, de alguma maneira, dentro desses limites. Para Dondis, não se pode controlá-lo mais rigidamente que a comunicação verbal; nem mais nem menos, indagando quem teria interesse em controlá-lo assim, mais rigidamente.

Nessa idéia de alfabetismo visual, Dondis nos fala sobre a existência de grupos de unidades. Essas unidades podem ser funcionais ou de elevados domínios da expressão artística. A definição das unidades e dos conjuntos de unidades podem se dar através de provas, exercícios, definições, demonstrações e principalmente pelo estabelecimento de linhas mestras, capazes de estabelecer relações entre todos os níveis de expressão e todos os significados.

Para Dondis, o analfabetismo visual não pode se da peça inteira. O imenso potencial comunicativo implícito no alfabetismo visual aguarda um acurado desenvolvimento.

3. A VISÃO DE DURANT

Durant(3) afirma que no século XX edificou-se o que se pode chamar de uma ?civilização da imagem?, graças ao gigantesco progresso das técnicas de produção e reprodução das imagens e do modo de transmissão dessas imagens, o que provocou uma verdadeira inflação no imaginário humano, ocasionando uma inovação na civilização, como se fosse uma nova galáxia (remontando à 1.ª galáxia de Guttemberg).

Ao historiar o assunto, Durant(4) comenta que o problema das imagens pode ser revisto desde as iconoclastia, verificada inicialmente no Império de Bizâncio, passando pela Idade Média e pelos momentos históricos sucessivos, demonstrando a persistência das imagens até os nossos dias.

Entende o autor que as raízes da gramática grega, onde está o berço da civilização ocidental, ocasiona uma ruptura entre o sujeito e as suas predicações, com as decorrentes conseqüências lógicas, binárias e silogísticas, que redundam em uma possível fragmentação, por exemplo, entre a autoria das imagens, da arte e do texto e outras fragmentações que daí defluem.

Para Durant, a retomada da mitologia e das suas origens, em especial das formações pré-lógicas do conhecimento, podem colaborar para a elucidação do assunto.

4. SUGESTÃO (À GUISA DE CONCLUSÃO)

A seguir apresentaremos alguns tópicos, visando a contribuir com a discussão renovada dos direitos autorais e da propriedade industrial, conforme expusemos no item 1 deste artigo.

Apresentaremos a nossa sugestão em forma de proposições, dispostas em alíneas, como se fossem etapas de uma pesquisa ou ações de um projeto, assim:

a) Indague-se se deve haver uma necessária correspondência(5) entre a regulamentação jurídica da imagem, da música e do texto, ou se, diferentemente, poder-se-ia aplicar critérios de verdade pragmática, de modo a evitar paralelismo e facilitar as transversalidades e imbricações;

b) Observe-se as diferenças e as similitudes entre a invenção da câmera e a invenção do livro, conforme propõe Dondis(6);

c) Identifique-se as áreas e as unidades do saber compartilhado, estabelecendo-se padrões para a rigidez e a flexibilidade da autoria, descoberta, invenção ou inovação. Tal identificação poderá ser considerada ?linguagem? e a ela corresponderão sintaxes e semânticas;

d) Trate-se as diversas unidades de conhecimento compartilhado nos termos das teorias de conjuntos;

e) Observe-se variações padrões compartilhados paralelos em relações a padrões compartilhados transversos (complexos e transdisciplinares);

f) Considere-se a possível diferença filosófica e, portanto, epistêmica entre os conceitos ?reprodução? e ?re-produção?;

g) Entenda-se as unidades do saber compartilhado em suas propriedades relacionais e técnicas compositivas e possibilidades de manipulação;

h) Compreenda-se a problemática que envolve a invenção, a inovação, a descoberta e a autoria a partir do Construtivismo(7), em especial com o movimento da Bauhaus;

Por derradeiro, advertimos que as presentes sugestões serão entendidas e só poderão ser desenvolvidas por equipes multidisciplinares, o que se constitui num exercício democrático da ciência e na autêntica prática da solidariedade acadêmica, profissional e humana.

Referências

CRUZ, Maury Rodrigues da. Cadernos de psicofonias de 2004 (pelo espírito Antonio Grimm). Curitiba: SBEE, 2005.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguaguem visual. (Trad. Jefferson Luiz Camargo), 2.ª ed., São Paulo: Martins

DURANT, Gilbert. L?imaginaire Essai sur lês siences et la philosophie de l?image. Paris: Hatier, 1994.

Notas

(1)     DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguaguem visual. (Trad. Jefferson Luiz Camargo), 2.ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1997.

(2)     Idem, ibidem.

(3)     DURANT, Gilbert. L?imaginaire Essai sur lês siences et la philosophie de l?image. Paris: Hatier, 1994.

(4)     Idem, ibidem.

(5)     A fundamentação dessa proposição está nas ?teorias da verdade?, inicialmente formuladas pelo lógico polonês Alfred Tarski, na década de 30, desenvolvidas também pelos seus pósteros.

(6)     Dondis, op. cit., p. 2.

(7)    CRUZ, Maury Rodrigues da. Cadernos de psicofonias de 2004 (pelo espírito Antonio Grimm). Curitiba: SBEE, 2005.

Maria Francisca Carneiro é doutora em Direito, mestre em Educação, bacharel em Filosofia, pós-doutoranda em Direito e em Filosofia.

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