Dos Delitos e das Penas no Brasil

A atual falência do sistema prisional quanto aos objetivos da pena (art. 1.º LEP c.c. art. 91, I CP e art. 144 CF) força aos profissionais do direito a ter e exigir das autoridades públicas a responsabilidade social ante o ?discurso da verdade?; porque ?o melhor sistema penitenciário é o que não existe? (Aniyar de Castro, Lola – Venezuela -: in ?Notas para um Sistema penitenciário Alternativo? Rev. Jurisprudência Brasileira Criminal vol 35, Ed. Juruá, Curitiba, 1995, trad. Maia Neto, Cândido Furtado), o cárcere não serve para o que diz servir ressocialização ou reintegração social -, se não para outras coisas, sua função é reproduzir delinqüentes, sendo mais de 70% dos presos reincidentes.

O direito penal é composto de mitos, falsidades, demagogias e acima de tudo, hipocresia oficial, nada de concreto ou de cientificidade nas estórias e histerias universais (Maia Neto, Cândido Furtado: in ?Promotor de Justiça e Direitos Humanos?, Ed Juruá, Curitiba, 2007), na contra-mão da história, da boa política e especialmente em choque com a verdade e com a ciência, ademais de atropelar os postulados da criminologia e da vitimologia moderna.

Devemos fazer valer os direitos humanos das vítimas de delito e implementar o modelo de justiça reparadora ou restauradora (Beristain, Antonio: in ?Nova Criminologia à luz do direito penal e da vitimologia?; Ed UNB, Brasília-DF, 2000, trad. Maia Neto, Cândido Furtado), para a solução do problema crime, oportunizando responsabilidades e obrigações a todos e olhar para o futuro e não somente ao passado, como faz e pretende o direito penal atual com seu modelo retributivo inócuo.

Como exemplo, a lei n.º 7.492/86, pura demagogia e de verdadeiro ?aberratio iuris?, por se apresentar falsamente e dar aparência de legislação eficiente para a repressão da criminalidade de alto nível no combate aos desfalques financeiros. Segundo o quantum da pena cominada para cada delito, na pior das hipóteses, ou seja de condenação do réu, a privativa de liberdade não será aplicado acima de 4 (quatro) anos, portanto, o defraudador dos cofres públicos, poderá continuar em liberdade, sendo a sanção, mesmo que de prisão, cumprida no regime aberto, nos termos do artigo 33, § 1.º ?c? e ?§ 2.º ?c? do código penal. De outro lado, quanto a condenação a pena de multa, a lei não faz remete o cálculo para a sua aplicação a parte geral do código penal (lei n.º 7.209/84), e faz menção ao § 1.º do art. 49 do Decreto-lei n.º 2.848/40, da parte geral do código penal já revogado em janeiro de 1985 (art. 33 da lei n.º 7.492/86), sendo que este dispositivo não trata da pena de multa como quer a norma dos crimes contra o sistema financeiro; portanto, torna-se inaplicável por impossibilidade legal do magistrado sentenciar em base a norma que não diz respeito ao assunto, é inexistente ou está revogada, impedindo, desta forma a condenação em multa dos autores de delitos contra a ordem financeira nacional, restando mais uma vez a impunidade para todos os causadores de ?quebras de bancos? ou desvios de verbas públicas ou privadas.

Indagamos:

1 – Será erro de digitação ou de impressão? Na lei devidamente publicada vale o que está escrito – princípio da taxatividade e da interpretação restritiva -, qualquer falha legislativa erro deve ser necessariamente sanada com outra publicação, e até agora isto não foi feito pelo Poder Legislativo.

2 – Será incompetência, amadorismo ou falta de atenção dos vários órgãos governamentais, dentre eles cito: as assessorias jurídicas e comissões da câmara dos deputados federais e do senado, o ministério da justiça, a secretaria nacional de assuntos legislativos, o conselho nacional de política criminal e penitenciária, a consultoria-geral da república, etc.. Nenhum destes órgãos fez a revisão do texto legal?; ou

3 – Será ação premeditada para dar cobertura aos criminosos do ?colarinho branco? (jeitinho brasileiro para a impunidade e cobertura para o tráfico de influências)?

Na legislação penal brasileira XII (jurídicas-legais) situações necessitam de atenção e destaque; a saber:

I – As autoridades policiais e judiciais estão proibidas de prender e autuar em flagrante delito (leis ns. 9.099/95 e 10.249/02), a prática dos crimes de:

–     uso de tóxico proibido (art. 28 lei n.º 11.343/06);

–     lesão corporal simples (art. 129 CP),

–     omissão de socorro (art. 135 CP),

–     abandono de recém-nascido (art. 134 CP),

–     maus-tratos (art. 136 CP),

–     crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria, arts. 138, 139 e 140 CP),

–     atentado ao pudor (art. 216 CP),

–     prevaricação (art. 319 CP),

–     resistência (art. 329 CP),

–     desobediência (art. 330 CP),

–     desacato (art. 331 CP),

–     crimes contra a economia popular (Lei n.º 1.521/51),

–     todos os crimes de sonegação fiscal (Lei n.º 4.729/65),

–     todos crimes contidos no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), e

–     todas as Contravenções Penais (Dec-Lei n.º 3.688/41).

II – Permite-se a liberdade provisória mediante fiança para os autores dos delitos de:

–     aborto (art. 124 CP),

–     lesão corporal grave (art. 129 CP),

–     furto (art. 155 CP),

–     apropriação indébita (art 168 CP),

–     estelionato (art 171 CP),

–     fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (art. 171, § 2.º, v CP),

–     fraude no pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2.º vi CP),

–     receptação (art. 180 CP),

–     atentado violento ao pudor (art. 214 CP),

–     sedução (art. 217 CP),

–     ato obsceno (art. 233 CP),

–     incêndio (art. 250 CP), e

–     todos os crimes de trânsito, inclusive de direção perigosa e condução de veículo automotor sob efeito de bebidas alcoólicas (Lei n.º 9.503/97).

Liberdade provisória mediante fiança a todos os acusados e autores se crimes cuja pena – em perspectiva não ultrapasse a 4 anos de prisão. A interpretação racional e lógica do artigo 323, inciso I do Código de Processo Penal, para atender o princípio da necessidade de congruência do sistema criminal pátrio, ou seja, conexão entre o direito substantivo, adjetivo e executivo, com relação ao artigo 44 do código penal.

III – De acordo com o artigo 44, inciso I, II e III da lei n.º 9.714/98, a condenação não superior a 4 anos de prisão será executa em regime aberto (art. 33, paráf. 1.º, letra ?a?, paráf. 2.º letra ?c? e art. 36 da lei n.º 7.209/84), substitui-se a prisão por medidas alternativas: restritivas de direitos: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdições temporárias de direitos, limitações de fim de semana.

Por exemplo, para o crime de:

–     porte ilegal de arma de fogo (art. 14 Lei n.º 10.826/03).

Nestes dois casos item II e III – liberdade provisória e regime aberto – a exceção se dá aos delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.

IV – Suspende-se a execução da pena de prisão (sentença penal condenatória – sursis), para os seguintes crimes:

–     homicídio privilegiado tentado (art. 121 § 1º CP),

–     induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 CP),

–     infanticídio (art. 123 CP),

–     aborto provocado pela gestante ou consentido à terceira pessoa (art. 124 CP),

–     lesão corporal grave (resulta: perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, por mais de 30 dias – art. 129, § 1º CP),

–     furto em todas as formas (art. 155 CP),

–     roubo simples tentado (art. 157 CP),

–     apropriação indébita (art. 148 CP), e

–     estelionato (art. 171 CP).

V – Os apenados até 8 anos de reclusão podem ser beneficiados ao regime semi-aberto, e cumprir a sanção em uma colônia agrícola ou industrial, nos crimes de:

–     homicídio simples (art. 121 CP),

–     homicídio qualificado tentado (art. 121, § 2.º CP)

–     lesão corporal grave (art. 129 §§ 1.º e 2.º CP),

–     furto qualificado (art. 155 § 4.º CP),

–     roubo qualificado (art. 157, § 2.º),

–     extorsão mediante seqüestro (art. 150 caput CP), e

–     crimes contra o sistema financeiro (Lei n.º 7.492/86).

VI – Só condenados com pena superior a 8 anos de reclusão cumprem a pena privativa de liberdade em penitenciária, com direito ao benefício do livramento condicional e progressão de regime, do fechado para o semi-aberto e aberto.

VII – Na hipótese do réu exercer alguma tarefa no cárcere, poderá ser aplicada a remissão descontando-se 3 dias de trabalho por um de pena (art. 126 LEP); diminuindo assim ainda mais o tempo do encarceramento.

VIII – Também podem os condenados à pena privativa de liberdade serem beneficiados com autorizações legais do juiz ou do chefe do presídio, como:

–     permissões de saídas temporárias (arts. 120/125 LEP)

–     transferências do regime mais grave para o mais ameno, isto é, do sistema fechado ao semi-aberto e aberto (art. 112 LEP)

IX – Não devemos olvidar da possibilidade de clemência presidencial (art. 84, xii CF), através do indulto coletivo ou individual-graça (art. 187, usque LEP e art. 734 usque CPP), concedido pelo Chefe Supremo da Nação, sem nenhuma espécie de recurso ante o Poder Judiciário.

X – Se faz interessante ressaltar as chamadas imunidades que gozam algumas autoridades públicas através de prerrogativas funcionais e prisão especial (MAIA NETO, Cândido Furtado, in ?Direitos Humanos do Preso?, ed. Forense, RJ, 1998). Contra o presidente da república não é permitido prisão, nem mesmo em caso de flagrante delito (art. 86, § 3.º CF), porque detêm imunidade processual penal máxima, com direito a julgamento ante o Supremo Tribunal Federal (arts 86 ?caput?e § 4.º CF).

XI – Existe a extinção da punibilidade por lapso temporal, ainda que a Constituição federal expresse que o processo deve ser célere, segundo o princípio da razoabilidade (EC. N.º 45/2004, art. 5.º inc. LXXVIII), a saber:

–     homicídio (121 caput CP) prescreve em 20 anos;

–     aborto (art. 124 CP) prescreve em 8 anos;

–     lesão corporal grave (art. 129 CP) prescreve em 12 anos;

–    crimes contra a honra (arts. 138/ 139/140 CP) prescreve em 4 anos;

–     ameaça (art. 147 CP) prescreve em 1 ano;

–     seqüestro e cárcere privado (art. 148 CP) prescreve em 8 anos;

–     furto (art. 155 CP) prescreve em 12 anos;

–     roubo (art. 157 CP) prescreve em 16 anos;

–     extorsão mediante seqüestro (art. 159 CP) prescreve em 20 anos;

–     dano (art.163 CP) prescreve em 2 anos;

–     apropriação indébita (art. 168 CP) prescreve em 8 anos;

–     estelionato (art. 171 caput CP) prescreve em 12 anos;

–     receptação (art. 180 CP) prescreve em 8 anos;

–     estupro (art. 213 CP) prescreve em 16 anos; e

–     corrupção (art. 317 e 333 CP) prescreve em 12 anos.

Se na data do fato ou da sentença o agente era menor de 21 anos e maior de 70 anos de idade (art. 115 CP), o tempo da prescrição é reduzido pela metade; sem falarmos da espécie de prescrição retroativa e/ou em perspectiva amplamente aceita e adotada pela jurisprudência pátria.

XII – A reincidência criminal somente caracteriza quando entre a primeira e a segunda condenação, o tempo for inferior a 5 anos (art. 63/64 CP). Por sua vez, a reabilitação criminal, assegura ao condenado sigilo dos registros de seus antecedentes, quando requerido e decorrido mais de dois anos após o término do cumprimento da pena (art. 93/95 CP).

Diante de todas as hipóteses legais é difícil prender ou manter alguém na cadeia, as autoridades de segurança pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário precisam unir esforços, muito mais do que em ?força tarefa?, é preciso acima de tudo ?ser mágico?.

A incapacidade da administração pública – sistema prisional – para encarcerar diz respeito as vontades políticas, de um lado o ?tráfico de influências? de outro, o ?retiro de cobertura?, conforme os interesses maiores corporativistas e oportunistas manejado pelas agências legislativas e executivas detentoras do Poder.

Com todos esses benefícios legais ainda e mesmo assim nos deparamos com uma superpopulação carcerária no Brasil, próxima a 400 mil presos, mais 500 mil mandados de prisão com ordens judiciais não cumpridas pelas polícias, e o custo mensal de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) para os cofres públicos, por preso. Estes dados estatísticos oficiais são de fato alarmantes !

A prisão deve ser a última ratio das medidas sancionatórias princípio da excepcionalidade do encarceramento – ante as conseqüências negativas produzidas pelo processo prisionalização, comprovadas mazelas e inoperância do sistema penal penitenciário.

Ressocializado ou não o condenado, no término da pena receberá obrigatoriamente alvará de soltura, retornando ao mundo extra murus e logo provavelmente ao seu adaptado mundo intra murus (prisão). Este ?vai e volta?, ?ping-pong? ou esta ?bola de neve? aumenta e se reproduzir assustadoramente porque a repressão penal não se encontra adequada e muito menos conectada com as políticas educacionais, sociais e econômicas. No País das Maravilhas se ?fecham os olhos? e se tenta ?tampar o sol com a peneira?, como se tudo estivesse em prefeita ordem, funcionando e nada acontecendo de muito grave.

Se faz urgente uma reforma legislativa ampla aos moldes do que ocorreu nos anos de 1932, com a Consolidação das leis penais, hoje a proposta se repete para uma revisão global do código penal e de todas normas criminais, ou então, brevemente estaremos diante do verdadeiro e maior caos da insegurança pública que se poderá imaginar, provocando o aumento do ?direito penal subterrâneo? e da justiça pelas próprias mãos, onde se instalará o Estado Paralelo que suplantará o regime democrático e o Estado de Direito, com grande risco às instituições e a ordem jurídica nacional vigente.

Segurança pública é dever do Estado – das autoridades – e responsabilidade de todos – da cidadania -, em busca da justiça perdida dos Direitos Humanos das vítimas de crime.

Se o País das Maravilhas continuar inerte, conivente e facilitador da impunidade, a interferência dos órgãos das Nações Unidas para fazer valer o Estado Democrático de Direito, e respeitar os Tratados e Convenções internacionais de combate aos crimes de homicídios, tráfico de drogas, seqüestros, roubos…, não estará descartada, no futuro.

Ainda é tempo de esperança para que as autoridades públicas tomem medidas imediatas de curtíssimo prazo; do contrário, o Brasil lastimavelmente será o campeão mundial e mais importante do planeta, com certeza e infelizmente, da criminalidade organizada e violenta, fazendo sofrer as atuais e novas gerações, no sentido material e espiritual.

Cândido Furtado Maia Neto é professor pesquisador e de pós-graduação (especialização e mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi). Pós doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor internacional das Nações Unidas Missão Minugua 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR.

Do Movimento Nacional Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do procurador-geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior.

E-mail: candidomaia@uol.com.br

Voltar ao topo