Do Mandado de Segurança em matéria criminal: regulação dos prazos pelo processo civil

Recente questão foi debatida no Tribunal de Justiça do Paraná: a questão dos prazos em mandado de segurança impetrado contra ato de Delegado de Polícia que, em inquérito policial, determinou o bloqueio administrativo (natureza de apreensão) de automóveis junto ao DETRAN. Em que pese a especificidade do caso, a discussão tem alcance geral, pois a conclusão é aplicável a todo mandado de segurança que avente matéria penal.

Considerando a natureza do ato, a competência para análise do pedido foi naturalmente delimitada para o juízo da Vara de Inquéritos Policiais, o que poderia implicar, sem uma análise mais detida, na conclusão imediata de que a legislação processual aplicável seria a penal.

Pois bem. Prolatada sentença denegando a segurança foi interposto o recurso de apelação no sétimo dia. O parecer do Ministério Público em primeiro e segundo graus foram no sentido da intempestividade do recurso, sob alegação de que o prazo recursal deveria ser aquele previsto no artigo 593 do Código de Processo Penal, ou seja, de cinco dias, em função da natureza criminal do ato impetrado. Outrossim, afirmou-se que em razão do caráter de urgência que reveste o Mandado de Segurança, consentâneo que o prazo recursal seja o menor, vale dizer, ao invés dos quinze dias, deveria ser respeitado o prazo de cinco dias, ou seja, aquele do Código de Processo Penal.

O voto do Relator, a princípio, foi no sentido de acolher a preliminar, entretanto, após discussão do voto e a manifestação de voto vencido por parte do revisor, acompanhado pelo vogal, acabou por conhecer do recurso interposto.

A apresentação da preliminar de intempestividade pelo Ministério Público fez com que surgisse a seguinte questão: qual o diploma legal que se aplica subsidiariamente à Lei do Mandado de Segurança, considerando que a norma não fixa prazo para a interposição de recurso?

Após análise detida da jurisprudência e doutrina, a melhor resposta à questão é de que o procedimento do Mandado de Segurança é todo baseado no Código de Processo Civil. Isso se conclui não só pela sua aparência e funcionalidade, mas também pela expressa remissão da Lei Federal 1.533/51, que impõe a aplicação dos artigos 282 e 283 do Estatuto Processual Civil à petição inicial, e também do capítulo referente ao litisconsórcio. Assim, denota-se sua índole civil, pois do contrário haveria a previsão de que no ?writ? em matéria criminal deveria ser observado o prescrito pelo Código de Processo Penal quanto à peça inicial.

Assim, se o procedimento a ser seguido é suprido pelas previsões do Código de Processo Civil, significa que o fato de se discutir matéria penal em nada influencia, uma vez que o Mandado de Segurança não perde sua natureza cível.

Nesse sentido, calha transcrever a lição de Hely Lopes Meirelles na obra Mandado de Segurança:

?O mandado de segurança, como a lei regulamentar o considera, é ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade, ordem, esta, a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial?.

E, logo em seguida, conclui:

?Qualquer que seja a origem ou natureza do ato impugnado (administrativo, judicial, civil, penal, policial, militar, eleitoral, trabalhista etc.), o mandado de segurança será sempre processado e julgado como ação civil, no juízo competente? (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 19.ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 29-30.)

O mesmo autor cita em sua obra decisão do STF, publicada na RTJ 83/255, nos seguintes termos:

?Mandado de Segurança é ação civil, ainda quando impetrado contra ato de juiz criminal, praticado em processo penal. Aplica-se, em conseqüência, ao recurso extraordinário interposto da decisão que o julga o prazo estabelecido no Código de Processo Civil?. Se de um lado um grande doutrinador administrativista defende o caráter cível do Mandado de Segurança, esse mesmo entendimento é corroborado por um autor de linha penalista, qual seja, Julio Fabbrini Mirabete:

?É competente para conhecer e decidir o mandado de segurança contra ato jurisdicional penal o tribunal que seria competente para conhecer de eventual recurso relativo à causa. Todavia, tem o remédio sempre natureza civil, independentemente do tribunal ou juízo que o aprecie, mesmo visando o exame de questão ligada a processo penal? (Processo Penal. Atlas, 7 edição, 1997. p. 722).

Os entendimentos doutrinários são corroborados pelos Tribunais Superiores. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, com voto da relatoria do eminente Ministro Felix Fischer:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEMPESTIVIDADE.

I – O mandado de segurança não perde a natureza de ação civil, ainda que impetrado no âmbito do processo penal (Precedentes do STF e STJ).

II – Devem ser considerados tempestivos os embargos de declaração opostos contra julgamento em mandado de segurança no prazo previsto no artigo 537 do Código de Processo Civil. Recurso provido. (Ministro FELIX FISCHER, REsp 299684 / SC).

Na mesma linha, com voto da relatoria do eminente Luiz Vicente Cernicchiaro:

RMS – MANDADO DE SEGURANÇA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AO MANDADO DE SEGURANÇA APLICAM-SE SUBSIDIARIAMENTE, OS DISPOSITIVOS DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL. ASSIM, PARA FIXAR O PRAZO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PERSISTE A CONCLUSÃO QUANDO, NA AÇÃO DE SEGURANÇA, E IMPUGNADA A LEGALIDADE DE DECISÃO DE JUIZ DE DIREITO QUE INTERDITA O ESTABELECIMENTO PRISIONAL. A RELAÇÃO JURIDICA DEBATIDA NÃO E DE MATERIA PENAL. NÃO INCIDEM AS NORMAS DO CODIGO DE PROCESSO PENAL. (RMS 4059-RS)

Portanto, revisadas doutrina e jurisprudência, verifica-se de forma clara que o Mandado de Segurança deverá sempre ser suprido em seu procedimento pelas previsões do Código de Processo Civil, independentemente da divisão e organização judiciária representantiva da competência do juízo, ou da qualidade do ato impetrado, devendo restar pacificada essa discussão que se revela certamente inusitada para muitos de nós advogados.

Claudio Müller Pareja é advogado em Curitiba, claudiopareja@hotmail.com; Irineu Galeski Junior é advogado em Curitiba, especialista em Direito Empresarial pela PUC/PR e mestrando pela mesma entidade, igjr@uol.com.br.

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