Divórcio imediato e normas remanescentes

A separação judicial como forma de dissolução da sociedade conjugal está prevista no § 6.º, do art. 226, da Constituição Federal, nos seguintes termos: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

Ocorre que está em fase final de tramitação legislativa uma emenda constitucional que altera referido parágrafo, que passará a ter a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”. Se assim for, será suprimido do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, permanecendo tão somente o divórcio como solução voluntária para o fim do casamento, resolvida, ainda, a dicotomia atualmente existente na dissolução do vínculo conjugal.

De conseqüência, serão de se ter por revogados os artigos 1.572 a 1.578, do Código Civil, que tratam das formas de separação judicial e seus efeitos, também o artigo 1.580, que trata da conversão da separação em divórcio e do divórcio direto.

A revogação dos artigos 1.572 a 1.578 é evidente, pois desaparecendo a separação judicial, não há mais que se falar nas hipóteses em que tinha cabimento, tampouco nos respectivos efeitos.

No que tange ao artigo 1.580, ainda que trate do divórcio, também deve ser tido por revogado, eis que refere especificamente aos prazos para o divórcio direto e indireto (por conversão da separação judicial), estabelecidos na própria norma constitucional objeto da emenda.

Suprimida a separação judicial e consolidando-se o divórcio como a única possibilidade de dissolução voluntária do casamento, deixam de existir as figuras do divórcio por conversão e do divórcio direto, não havendo, pois, que se estabelecer regras ou prazos diferenciados para uma ou outra situação.

Por sua vez, se o legislador infraconstitucional não estabelecer novas regras para o divórcio em consonância com a alteração constitucional anunciada e enquanto tal situação permanecer, remanescerão no Código Civil apenas as regras dos artigos 1.571 (com exceção do inc. III), 1.579, 1.581 e 1.582.

Com efeito, ficam mantidas, na forma do que prescreve o artigo 1.571, as formas de dissolução da sociedade conjugal até então conhecidas (morte de um dos cônjuges, nulidade ou anulação do casamento e divórcio), excluída apenas a separação judicial referida no inciso III.

Já a regra contida no parágrafo primeiro de referida norma (que o casamento válido somente se dissolve pela morte ou divórcio) torna-se de conteúdo normativo vazio, pois servia justamente para distinguir que a separação judicial não dissolvia o casamento, mas apenas a sociedade conjugal.

No que tange ao parágrafo segundo, que versa sobre o nome adotado no casamento, remanescerá apenas a primeira parte, que disciplina que o cônjuge poderá mantê-lo após o divórcio, pois não mais ocorrerá a hipótese de sentença de separação judicial dispondo a respeito.

Do art. 1.579, extrai-se que o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, regra que, de qualquer forma, é redundante, na medida em que é no poder familiar que está a proteção do filho que, por sua vez, não se vincula e nem se condiciona, em absoluto, ao estado civil dos pais.

Pela regra do art. 1581, o divórcio poderá ser concedido sem que haja prévia partilha de bens, norma que permanecerá vigente por não confrontar com a proposta da emenda constitucional. O mesmo se diga da pessoalidade do pedido de divórcio, contida na regra do art. 1.582, eis que se trata de direito personalíssimo.

No mais, não remanescem requisitos, prazos ou outras cautelas legais a serem observadas no âmbito do direito material para a concessão do divórcio. Quanto ao procedimento, par,ece que deve continuar a ser feito conforme a prescrição do art. 40, da Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/77).

Nos casos consensuais, deverá ser adotada a forma prevista nos arts. 1.120 a 1.124, do CPC, inclusive com a audiência de ratificação (necessária particularmente para assegurar a liberdade da manifestação da vontade do casal, também que estão devidamente assegurados os direitos dos filhos menores). Nos demais casos, deverá ser adotado o rito ordinário, sem prejuízo da possibilidade de ser feito extrajudicialmente, na forma do art. 1.124-A, do CPC.

Denise Damo Comel é doutora em Direito. Magistrada. Professora na Escola da Magistratura do Paraná. Autora das obras “Do Poder Familiar” (São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003) e “Manual Prático da Vara da Família : roteiros, procedimentos, despachos e sentenças” (no prelo).

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