Direito Penal do Inimigo Juvenil

Um pretenso direito penal juvenil declara que a responsabilização do adolescente autor de ação conflitante com a lei apesar de ser diferenciada possui conteúdo caracteristicamente sancionatório, isto é, de cunho repressivo-punitivo, atribuindo, assim, mediante reconhecimento jurídico o caráter sancionatório às medidas sócio-educativas previstas na Lei Federal sob n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente. Em face disso, já não será nenhuma surpresa o dia em que se deparar com uma proposta de reconhecimento político-legislativo, isto é, expressamente, legal, do direito penal do inimigo juvenil certamente legitimado por discursos fatalistas de que é preciso reconhecer que no mundo da vida vivida casos considerados extremamente graves possibilitam a despersonalização do adolescente que praticou ações conflitantes com a lei, com conseqüências consideradas graves, para, assim, declarando-o "inimigo", submeter-lhe a uma variação punitivista do "direito penal do inimigo", isto é, a um ignóbil "direito penal do inimigo juvenil" enquanto variação não só do decantado direito penal do inimigo(1), mas, também, e, por somatória teórica, do suposto direito penal juvenil.

O direito penal do inimigo busca sua legitimidade ao afirmar constatações inequívocas de que na prática é o que vem acontecendo no mundo penal adulto. E, assim, com idêntico desempenho o direito penal juvenil que, por sua vez, também se justifica a partir da constatação de distorções pragmáticas então experimentadas na aplicação judicial e no cumprimento administrativo-jurisdicionalizado das medidas legais protetivas e sócio-educativas latentemente, possibilita o reconhecimento teórico-pragmático de uma vertente do direito penal que se vincule tanto aos marcos teóricos do direito penal do inimigo, quanto do direito penal juvenil. Entretanto, no Brasil, a legislação aplicável para a resolução das questões inerentes aos direitos e aos deveres das crianças e dos adolescentes é a Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente vale dizer, as "Leis de Regência" que estabelecem os sentidos a serem consignados no conteúdo, tanto das regras que regulamentam atividades, comportamentos e relações sociais, quanto das regras de interpretação daquelas regras(2).

E isto não está longe de acontecer, pois, basta lembrar as variações penais que se encontram inseridas nos Projetos de Lei e nas Propostas de Emenda à Constituição da República de 1988, cujo intuito é a responsabilização penal direta e indireta de crianças e adolescentes, consubstanciando-se proposições tanto da redução da idade de maioridade penal, quanto simplesmente a sua eliminação, e, quando, não, até mesmo a aplicação da Lei dos Crimes Hediondos ao adolescente autor de ações conflitantes com a lei(3). Em conclusão, é legitimamente possível dizer que na novel seara jurídica da infância e da juventude não mais existe qualquer ranço punitivista que tanto caracterizou o sepultado Código de Menores(4), haja vista que por opção política do legislador Constituinte de 1987/88 adotou a Doutrina da Proteção Integral enquanto vertente da diretriz internacional dos Direitos Humanos destinados à Criança no âmbito internacional, a pessoa com idade inferior a 18 (dezoito) anos. E, não, diversamente e, sequer, por suposição teórica variações do Direito Penal, sejam elas "Juvenil" ou mesmo "do Inimigo", uma vez que não deixam de ser orientadas pelos valores, objetivos, fundamentos e finalidades, propugnados pela dogmática jurídico-penal, cujo caráter é sabidamente repressivo-punitivo, culminando, assim, numa espécie de "neocriminalização"(5) de adolescentes, agora, mais do que nunca, estigmatizados como "perigosos", quando, não, buscando legitimidade através de uma ilusória discursividade tranqüilizante sob o pretexto de maior segurança social.

Na verdade, toda e qualquer proposta legislativa que pretenda ampliar a responsabilização penal (seja ela qual for: "juvenil" ou "do inimigo") não tem o condão de aumentar correlatamente a segurança jurídica de ninguém, vale dizer, tanto do autor da ação conflitante com a lei (falácias da teoria garantista(6)), quanto da vítima (individual) ou da sociedade (coletiva), mas, como efeito colateral (por vezes intencional), faz "ressurgir o punitivismo"(7), agora, através desta bifronte expansão do Direito Penal direito penal do inimigo e direito penal juvenil isto é, num deplorável "direito penal do inimigo juvenil" que certamente vulnera direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, expressamente objetivados na Constituição da República de 1988. Em decorrência disso tudo, é preciso dizer não à afirmação ou mesmo à constatação de um pretenso direito penal juvenil, quando, não, também, ao direito penal do inimigo juvenil enquanto sua novel proposição teórico-pragmática.

Notas

(1) JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

(2) ZAGREBELSKI, Gustavo. Manuale di diritto costituzionale: il sistema delle fonti del diritto. Vol. I, Torino: UTET, 2000.

(3) RAMIDOFF, Mário Luiz. Espetáculo público da barbárie: plano "b"!
clique aqui, acesso em 26 de outubro de 2005. Neste trabalho advertia-se sobre a "direção das transformações pretendidas neste projeto de lei se orienta por política de controle social expansionista para maior número de pessoas, contidas ou em relação com o sistema formal de controle, especialmente, em relação aos jovens, mediante a aceleração da passagem pelo sistema, isto é, maior número de pessoas, no mesmo tempo, legitimando-se, assim, por uma ilusória eficácia, então, alcançável pelo maior rigor punitivo para "repressão aos atos infracionais graves e aos correspondentes aos crimes hediondos’ e aos jovens "mais perigosos’ (…) O projeto de lei proposto pelo deputado Federal Vicente Cascione, com o fito de alterar os artigos 103, 108, 121, 122 e 123, da Lei Federal sob n. 8.069, de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo sobre medidas de repressão aos atos infracionais graves e aos correspondentes aos crimes hediondos, ilegitimamente, insiste de forma renitente na ressurreição do "Código de Menores", sob os auspícios renovados do binômio repressão-punição."

(4) BRASIL, Lei Federal sob n.º 6.697, de 10 de outubro de 1979.

(5) JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit.

(6) CADEMARTORI, Sérgio U. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

(7) JAKOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit.

Mário Luiz Ramidoff é promotor de Justiça; doutorando em Direito (PPGD-UFPR); professor das Faculdades Integradas Curitiba; ramidoff@pr.gov.br

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