Desvios do Fome Zero

O programa ainda não decolou em sua plenitude e o governo já detecta fraudes, falhas e, também, corrupção. Tinha gente recebendo indevidamente os benefícios do Fome Zero, incluindo funcionários municipais. Detectada a falha, os cartões (que dão direito a receber R$ 50,00 mensais) foram retirados, explicam em Brasília os assessores do ministro José Graziano, da Segurança Alimentar. Sem trocadilhos de mau gosto, é forçoso admitir que não há segurança na principal ação social do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E isso – é natural – dispara alarmes para todos os lados e representa um duplo castigo para os desafortunados.

De fato, não eram poucos os que vinham sendo beneficiados indevidamente: cerca de quatorze por cento de um cadastro que envolve aproximadamente 42 mil pessoas, o que dá quase seis mil casos. Se assim ocorre numa fase em que o programa favorece apenas os que habitam aquela que foi indicada como a região mais pobre do Brasil (parte no sertão nordestino, parte no Norte de Minas Gerais), totalizando 87 municípios, como imaginar uma situação em que participem os pobres todos de mil municípios imaginados?

Segundo Graziano, os nomes que figuravam nas listas indevidamente haviam sido incluídos por motivos de “parentesco, favorecimento ou oportunismo” – três das principais causas quase sempre presentes em casos de corrupção. Para evitar que a peste se alastre, o ministro determinou a realização de pesquisa quantitativa por amostragem em seis cidades do Piauí e do Rio Grande do Norte. Os pesquisados terão que responder, entre outras coisas, quantas vezes se alimentam por dia e o que comem.

Até o final do ano, estudantes universitários voltarão às casas sorteadas para realizar uma estranha medição: peso e altura das crianças, além da coleta de sangue. Um diretor do programa Fome Zero disse que a pesquisa “servirá para saber se estamos pagando a quem não devemos”. O peso e a altura provavelmente servirão para determinar se as pessoas estão comendo o suficiente; o exame de sangue, não se sabe bem, mas poderá ajudar na avaliação do grau de nutrientes no organismo dos beneficiados…

Esse não é, sabidamente, o único problema de que padece o programa Fome Zero, já rebatizado alhures como “Programa Nota Zero”. Tais problemas vão desde a concepção de uma ação equivalente a dar o peixe em vez de ensinar a pescá-lo, até a escolha do público-alvo e os métodos utilizados para a sua execução, não imunes, como se acaba de assistir, à peste da corrupção que costuma grassar em tais meios. E nem se diga, por isso, que o governo não deva dirigir suas preocupações aos menos favorecidos. Pelo contrário.

A popularidade de Lula se deve muito a essa sua manifesta sensibilidade para com as camadas mais pobres da população. Mas ela pode despencar feito criança em tobogã se não forem tomados cuidados mínimos para sua obra social não apenas ser, mas também parecer honesta. Cuidados que, por certo, estão sendo analisados não apenas aqui, internamente, mas também lá fora, onde Lula ainda não conseguiu fazer vingar sua idéia de criação de um fundo mundial contra a pobreza, formado com um “imposto” sobre a venda de armamentos. Afinal, como ensina um representante do governo suíço, a postura politicamente correta de um governo seria aquela de promover o desarmamento das nações, não de sobretaxar a venda de armas…

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